Review: O fim do Blur e outros “spoilers” do Primavera Sound Buenos Aires
Saiba como foi a edição portenha do evento, que rola em São Paulo neste final de semana
“Este é o último show do Blur” — disse, várias vezes, um cambaleante Damon Albarn para a imensa massa de fãs que o quarteto inglês tem na Argentina, durante o show que encerrou o Primavera Sound Buenos Aires, uma semana antes da edição que toma São Paulo, dias 02 e 03 de dezembro.
Durante uma bela e enluarada noite nos céus da capital do país vizinho, o líder do Blur (e do Gorillaz, e de mais vários projetos paralelos) subiu ao palco borracho — como se diz por lá — a ponto de errar algumas letras, cantar Boys & Girls de forma enfadonha e se estender nos intervalos, seja com discursos ou silêncios, para visível incômodo dos colegas, em especial o guitarrista Graham Coxon que, diga-se, dominou o show com uma performance assustadoramente competente e criativa em seu instrumento.
Sabe-se que é quando a guitarra se funde ao corpo do seu mestre, tornando-se mais um membro de seu corpo, que a mágica realmente acontece. Para Coxon, suas cordas são neurotransmissores. Tudo é imediato, sujo e equilibrado, em uma medida desconhecida.
Sem caretices aqui! Claro que o fato de ter passado do limite no Fernet e no Vermute não fez da performance do gênio Damon, amado pelos argentinos, pífia. Ajudou bastante, inclusive, em momentos em que o inesperado era solicitado. A plateia foi ao delírio entoando hinos como Tender e Parklife, em um show memorável.
No entanto, a insistência no assunto “fim do Blur” durante o show, e uma certa carência bêbada de Albarn, que jogava em casa, gerou um ponto de interrogação na cabeça dos mais atentos. Teriam eles brigado antes de subir ao palco? Haviam os integrantes dado uma bronca tão grande em seu Peter Pan, que acabou exagerando nas doses? Teria sido este o último show do grupo, de fato?
Em dado momento, o vocalista chama uma garota da plateia para cantar com ele. Noutro, convidou ao palco três rapazes que deram uma bandeira argentina ao músico em sua primeira vinda ao país. Pagando de diplomata informal da Rainha, devolveu-a, como um “símbolo de boa relação entre a Inglaterra e a Argentina”. A cerimônia foi se extendendo, com direito a uma infinidade de selfies, até que Coxon disse, ao microfone: “Gente, já tá bom! Estamos ansiosos para tocar algumas canções para vocês!”.
Argentino não gosta de festival
Nas ruas da ensolarada Buenos Aires, o Primavera passava mais despercebido do que pão de queijo em terra de medialuna. Locado no Parque Sarmiento, a 40 minutos de ônibus depois da última estação de metrô, Congreso de Tucumán, o assunto (quando conhecido) era tratado com desinteresse.
Em São Paulo, quando um grande festival toma conta, vira papo da geral. Caminhando pela cidade, vê-se turma de jovens montados indo para o evento, saindo de hotéis ou dentro dos trens. Lá, a coisa é meio diferente, potencializada pela crise econômica que estrangula o poder de compra da população para ingressos de entretenimento.
Mas o maior motivo, segundo apuramos, é que eles se sentem “roubados pelos preços” (ranço da crise), e que acham que argentino “não gosta de festival”. Preferem ver suas bandas prediletas em shows solo, que por muitas vezes foram à capital, principalmente na fase do dólar valendo um peso, o que acostumou bastante mal toda uma geração.
No sábado, 25, grande parte do público chegou minutos antes do show do The Cure, principal atração da noite. Robert Smith e sua gangue têm uma legião de fãs na cidade, de diversas gerações diferentes. Pela primeira vez, ia ao país para um festival e, por isso, teve de fazer um show mais curto do que o de costume, tocando por “apenas” duas horas.
A tarde e a noite de sábado tiveram uma quantidade consideravelmente menor de público do que o domingo, 26. Além do Cure, El Mató A Un Policia Motorizado (grande banda nacional do momento), Róisín Murphy, Black Midi e Slowdive foram os destaques. Um time mais fraco do que o de domingo, que teve nada menos que Beck, Pet Shop Boys e Blur.
O sistema de som deu mostras de anemia na primeira noite, e uma torre de TV entre o público e o palco irritou os fãs. Ambos os problemas foram resolvidos no dia seguinte.
A exemplo do sábado, a maior parte das pessoas chegou para o primeiro grande artista da noite, Beck, a quem foi dado apenas 60 minutos de palco. O loirinho, já entrado em anos sem perder a safadeza, fez tudo certo. Escolheu a sequência mais emocionante de músicas festeiras, como Gamma Ray, Last Summer Girl e Loser. Reservou espaço para apenas uma balada, a ótima Lost Cause, e fechou com solo de gaita.
Os ingleses do Pet Shop Boys são figura carimbada na cidade. Competentes e precisos, sabe-se o que esperar de seu show; tocam com tranquilidade de quem faz a mesma coisa todo dia (inclusive no setlist das apresentações, ano a ano). Para a curadoria do Primavera Sound Buenos Aires, são garantia de venda de ingressos. Espere o mesmo no Brasil.
O domingo ainda teve a super DJ Blessed Madonna, que teve o azar de discotecar no mesmo horário do Blur em noite de gala, além dos show incríveis de Weyes Blood e de Carly Rae Jepsen, entre outros.
Lugar agradável, clima bom, público “limpo”
Observando o festival acontecendo em dois dias muito agradáveis, me lembrei do vídeo que virou meme, tamanha esquisitice, do carioca que descreveu a experiência de uma “festa sem álcool”. No Primavera Sound Buenos Aires, todo mundo estava de cara limpa, mas não por opção.
Só era permitido beber dentro de pequenos lounges delimitados. Fora deles, só se vendia comida, refrigerantes e cerveja sem álcool. A dificuldade de acesso e o preço das bebidas fez com que a imensa maioria do público curtisse os dois dias de festival com a cara limpa. Dá para cravar que o resultado foi bacana, apesar do bico seco. Uma multidão mais educada, serena, voltada para a música.
Pouco se viu da tensão que é comum quando anoitece em um grande evento de muitas horas, naquele momento em que a falta de noção, aliada a aglomerações, gera situações tensas. Tudo calminho, tudo zen, com exceção de alguns furtos registrados dentro do parque e algumas pessoas sendo levadas a postos médicos por passarem mal.
Mas, no geral, o irmãozinho menor e mais novo da família Primavera fez bonito. E nos deixou com vontade de voltar.