Red Hot Chili Peppers em SP Foto: Laura Damasceno/Music Non Stop

Review: Simplicidade em tempos de pirotecnia marcou o show do Red Hot Chili Peppers em SP

Laura Damasceno
Por Laura Damasceno

Fatos, reflexões e dados nada confiáveis sobre o terceiro show da turnê brasileira da banda californiana

Pontuais, precisos, afiados, talentosos, entrosados e com o público na palma das mãos. Simpáticos, nem tanto. Mas ainda assim, carismáticos de um jeito muito particular, algo que os quatro integrantes conseguem fazer de maneira muito própria.

Explico: durante aproximadamente uma hora e meia de show no lotado Estádio do Morumbi, o Red Hot Chili Peppers, que passa pelo Brasil pela décima vez, praticamente não interagiu com a plateia. Com exceção de um “obrigado” proferido por Anthony Kiedis e outro por Flea, e pela questão que Chad Smith fez de ir à frente do palco ao final da apresentação (além, claro, de todas as suas presenças aleatórias em bares por aqui, shows de sertanejo e fotos com a Narcisa), o quarteto praticamente não conversou com as dezenas de milhares de pessoas que esgotaram os ingressos para vê-los na capital paulistana dia 10 de novembro de 2023. 

No entanto, a banda é daquele tipo que marcou a vida de muita gente, e um dos raros casos em que todos os integrantes são conhecidos do público e queridos, cada um, por suas particularidades (e aqui entra nosso primeiro dado nada confiável: o de que cada membro é o preferido de 25% dos fãs). Ou seja, se Frusciante fica o tempo todo “na dele”, tudo bem porque isso é “Frusciante sendo Frusciante”, entende?

Público e diversidade

Falando em marcar a vida, foi bonito ver a diversidade de idade entre o público e as muitas famílias — às vezes com até três gerações juntas — compartilhando uma viagem no tempo, ainda que para cada uma, essa viagem passasse por cenários diferentes. 

Mas a diversidade se ateve às idades, já que a banda de abertura, Irontom, também é composta por homens brancos (e faz um som bastante parecido com o do RHCP), e, pela minha percepção, mais de 80% do público era branco (é impressionante ver como o rock, apesar de oriundo de ritmos negros, se tornou tão majoritariamente branco).

Os PCDs — que, vale dizer, encontraram dificuldade para acessar seus lugares — também eram poucos, talvez até por já saberem que a maioria desses shows de estádio não estão preparados para recebê-los (ponto que vem recebendo cada vez mais atenção dos festivais, em especial os independentes, mas ainda são negligenciados pelas produtoras de grandes eventos).

Red Hot Chili Peppers em SP

Foto: Laura Damasceno/Music Non Stop

Falando sobre o comportamento do público, me impressionou o mar de celulares para o alto desde o primeiro minuto, o que, junto ao fato do palco ser baixo, dificultou minha visão diversas vezes. Mas se, inicialmente, fiquei incomodada com isso, depois compreendi que para muitas daquelas pessoas aquele era o show do ano e até mesmo da vida e que, portanto, a ânsia por registrar tudo era justificada.

Isso nos leva a outra particularidade do rock — em especial, o mainstream, ou o de grupos que tiveram uma fase mainstream, como é o caso: elas atraem um público que não costuma frequentar shows no dia a dia ou conhecer novos artistas, o que torna suas apresentações um ponto fora da curva, diferente de tudo o que parte presente está acostumada a vivenciar. 

Sem firulas

Sobre o show, pode-se dizer que foi simples e direto, sem qualquer firula. Tirando os grandes telões com projeções psicodélicas em alguns momentos e os equipamentos de qualidade, o palco nada tinha de especial e, inclusive, deixava aparente lonas manchadas e já bem gastas. Nem mesmo a iluminação foi muito elaborada, já que quando Flea passeava pelas extremidades, acabava ficando no escuro, sendo visto apenas por quem estava bem próximo a ele.

As roupas dos integrantes também eram desleixadas e em nada combinavam entre si, o que definitivamente não foi um problema. Até porque todos sabemos que Kiedis e Flea são avessos a vestir camisas e porque o quarteto nunca foi atrelado a looks fashion — com exceção, claro, das meias cobrindo os pênis, um grande marco dos anos 90.

Mas é importante pontuar este “desleixo” (entre muitas aspas) porque essa simplicidade vai na contramão do que temos visto na maioria das apresentações em estádios e nestes tempos de megaturnês. E porque ao não nos estimular multissensorialmente, o protagonismo se voltou para a música e fez um estádio lotado apreciar devidamente um guitarrista e um baixista que são amigos de longa data conversarem através de seus instrumentos de frente um para o outro sob um feixe de luz.

Red Hot Chili Peppers em SP

Foto: Laura Damasceno/Music Non Stop

Ouso dizer que, para pelo menos 60% dos presentes (fonte: vozes da minha cabeça), a grande atração foi mesmo a interação icônica entre Flea e Frusciante, seguida pela performance charmosa e peculiar de Anthony Kiedis rodopiando e curtindo o som da própria banda (ele estava com uma bota ortopédica, o que não pareceu atrapalhá-lo em nada), a alegria e precisão de Chad Smith, a introspecção conceitual do guitarrista e, claro, os pulos altíssimos e clássicos do mais animado de todos os baixistas do mundo.

Para além de qualquer percentual, John Frusciante, que ficou fora do RHCP pela segunda vez de 2009 a 2019 (e pela primeira, de 1992 a 1998), merece um parágrafo à parte: o músico entrou no grupo com apenas 18 anos, foi do céu ao inferno ao lado de seus três grandes amigos e se vale da total afinidade com eles para brincar com a guitarra, improvisar nos solos e fazer com que um show nunca seja igual a outro.

É muito bonito ver com os próprios olhos o quanto sua conexão com cada faixa é especial e o quanto ele e Flea se atraem de maneira magnética e, mesmo num palco enorme, acabam sempre juntos, para o delírio dos fãs.

Setlist

Se antes teve a setlist do show no Rio nas mãos da turma da Tropicália, agora, a lista foi divulgada nos braços de Gal Costa, cujo falecimento completou um ano no dia anterior

Falando sobre o setlist, o Red Hot Chili Peppers repetiu a trinca do Rio, com Can’t Stop, Zephyr Song e Snow (Hey Oh), mas depois, apresentou mudanças consideráveis em relação aos outros shows da turnê latino-americana, tocando Don’t Forget Me, Right on Time e, principalmente, Parallel Universe.

Os dois discos lançados no ano passado, Unlimited Love e Return of The Dream Canteen, comprovaram ao vivo sua alta qualidade, com suas músicas fluindo bem entre as mais clássicas durante o show. Sucessos como Scar Tissue, Suck My Kiss, Aeroplane, Blood Sugar Sex Magik, My Friends e Otherside tiveram sua ausência sentida, claro, o que é normal quando se trata de um grupo com uma discografia tão ampla.

Mas fica a curiosidade para saber se eles tocarão alguma delas nos próximos shows do Brasil — em Curitiba, nesta segunda (13), e em Porto Alegre, na quinta-feira (16).

E por fim, depois de um bis com as matadoras Under The Bridge e Give it Away, o que vi foi um público — tanto dos 80% de brasileiros que se referem a eles como Red Hot quanto os 20% mais descolados que falam Chili Peppers; os 15% que tem o símbolo da banda tatuado (aquele inconfundível asterisco vermelho de oito pontas) e os 70% que estavam com a camiseta — voltar para casa 100% satisfeito.

Laura Damasceno

Festivaleira profissional, jornalista e mãe de pets. Estratégia + curadoria + comunidade e mais um monte de coisa. De BH, SP e do mundo ;)

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