Alain Delon Alain Delon em “O Eclipse” (1962). Foto: Reprodução/IMDB

Alain Delon: o galã francês que conquistou o mundo

Yasmine Evaristo
Por Yasmine Evaristo

Para os amantes do cinema clássico, Alain Delon é sinônimo de elegância, mistério e talento. Mas quem foi esse ator que marcou uma geração e continua a fascinar até hoje?

Alain Delon, um dos maiores ícones do cinema francês, ultrapassou as fronteiras de seu país natal e se tornou uma referência internacional do cinema. Para os cinéfilos e cinéfilas, seu nome expressa beleza e talento, características que cativaram milhões de fãs pelo mundo. O ator, que vinha sofrendo com problemas de saúde desde 2019, faleceu no último domingo, 18, após ter uma ataque cardiovascular, aos 88 anos de idade.

Entretanto, o que tornou Delon tão especial? Creio que a resposta está em sua trajetória, que nos mostra a combinação de talento bruto, escolhas artísticas ousadas e uma vida pessoal que, muitas vezes, se assemelha a um filme.

Rebelde sem causa

Alain Delon

Com Ursula Andress em “Sol Vermelho” (1971). Foto: Reprodução

Nascido em 1935, em Sceaux, na França, Alain Fabien Maurice Marcel Delon teve uma infância difícil e marcada por algumas inconstâncias. Seus pais se separaram quando ele ainda era uma criança, e o jovem Delon passou a viver em vários lugares. Após ter passado um tempo em um colégio interno do qual foi expulso aos 14 anos, Alain se mudou para a casa de familiares, especificamente a de um padrasto, que o empregou em sua delicatessen.

Em sua juventude, se alistou na Marinha francesa aos 17 anos. Seu objetivo era fugir do lar e viver sua liberdade, bem como adquirir o bônus de alistamento (algo em torno de três mil euros hoje). Chegando em Toulon, no sul da França, se envolveu em pequenos furtos, e ele e um amigo foram pegos roubando equipamentos de rádio. Em seguida, foi enviado para o campo e serviu durante a Guerra da Indochina. Porém, Alain era um encrenqueiro juvenil, e antes de completar 20 anos, foi preso por dirigir um jipe roubado. Como consequência, o rapaz comemorou seu aniversário preso e logo depois foi enviado de volta à França.

Essas experiências moldaram um homem resiliente, ousado e, ao mesmo tempo, atormentado por um passado marcado por decepções. De volta à sua cidade, morando junto de um amigo de regimento, Alain Delon passou a tomar consciência de como sua beleza lhe abria portas. Ainda assim, passou por momentos de instabilidade financeira, marcado por idas e vindas em trabalhos mal-remunerados e longas jornadas na madrugada boêmia parisiense.

Em uma de suas noites de farra, o futuro ator conheceu a atriz francesa Michèle Cordoue, na época casada com o diretor Yves Allégret, e se tornou seu amante. A partir desse encontro romântico, surgiu uma chance inesperada no cinema que mudou seu destino para sempre.

Primeiros papéis

Alain Delon

Alain Delon em “Gângsters de Casaca” (1963). Foto: Reprodução/IMDB

Delon iniciou sua carreira com pequenos papéis, sendo o primeiro deles proporcionado pela insistência de Cordue. A atriz convenceu o esposo a dar para o amante um pequeno papel no filme Uma tal condessa (1957). Inexperiente, mas belo, logo menos chamou a atenção de agentes, especificamente de Olga Horstig, que na época também agenciava a diva Brigitte Bardot. No ano seguinte, já galgando mais um degrau em sua carreira, contracenou ao lado da belíssima Romy Schneider em Christine (1958), de Pierre Gaspard-Huit.

Entretanto, seu grande momento foi quando apareceu como protagonista de O Sol por Testemunha (1960), filme dirigido por René Clément. Este filme catapultou Alain ao estrelato internacional. Sua interpretação de Tom Ripley, um personagem sobretudo complexo e moralmente ambíguo, fez com que o mundo percebesse sua capacidade de dar vida a figuras enigmáticas e sedutoras. Como consequência, sua atuação abriu as portas para que ele trabalhasse posteriormente com diretores renomados, como Jean-Pierre Melville e Luchino Visconti.

Alain Delon e a Nouvelle Vague

Alain Delon

Alain Delon em “O Samurai” (1967). Foto: Reprodução/IMDB

Apesar de sua carreira decolar no período em que a Nova Onda francesa se destacava na França e no mundo, Delon nunca foi dirigido pelos principais diretores do movimento. Três anos antes de O Sol por Testemunha, a jornalista Françoise Giroud, do periódico L’Express utilizou o termo Nouvelle Vague pela primeira vez para caracterizar o que viria a ser uma nova geração de cineastas. O vocábulo  foi retomado no ano seguinte por Pierre Billard, na revista Cinéma 58.

Questionado diversas vezes sobre esse assunto ao longo de sua carreira, o ator francês se mantinha reservado. Porém, em 1990, Jean-Luc Godard finalmente convidou Alain Delon e lhe ofereceu um papel em um filme que simbolicamente se chamou Nouvelle Vague. Ainda assim, sem trabalhar com grandes nomes da Nova Onda, estrelou em filmes reconhecidos na história do cinema, como em Rocco e Seus Irmãos (1960) e O Samurai (1967).

Suas habilidades de expressão ficam evidentes em tais obras, afinal, percebemos o quanto o ator transmitia por meio de olhares e gestos o não dito, bem como sua capacidade de dar materialidade a anti-heróis modernos. Alain personificava com elegância o charme frio e calculista que se tornou um símbolo da masculinidade na tela, influenciando as futuras gerações de atores e cineastas.

Reconhecimento dentro e fora das telas

Com Claudia Cardinale em “O Leopardo” (1963). Foto: Reprodução/IMDB

Além de seu talento como ator, Alain Delon se tornou uma figura icônica também fora das telas. Um dos primeiros atores europeus a se tornar um verdadeiro símbolo sexual, acima de tudo admirado por homens e mulheres ao redor do mundo, teve sua beleza marcante, vinculada a uma aura de mistério e perigo. Dessa forma, se tornou um objeto de fascínio e desejo e, como resultado, passou a ser considerado uma das personalidades mais influentes da cultura pop.

Entretanto, sua vida não deve ser limitada apenas ao glamour de Hollywood. Ele enfrentou inúmeros desafios pessoais ao longo de sua carreira, desde relações conturbadas até problemas legais, que frequentemente o mantiveram nas manchetes dos tabloides. A polêmica mais conhecida na qual o astro se envolveu foi o caso Marković . Enquanto sua carreira alavancava e ele se tornava um grande nomes da sua época, a alta sociedade francesa se via envolta em um caso cinematográfico de sexo, drogas e homicídio.

O caso Marković foi um escândalo em 1968 envolvendo Stefan Marković, guarda-costas do ator que foi encontrado morto em um lixão público. Na época, a imprensa especulou sobre o envolvimento de Alain Delon, que chegou a ser interrogado, mas não preso. Outras pessoas próximas a ele também se viram envolvidas nas investigações, como o amigo de longa data François Marcantoni, um mafioso local. Marcantoni chegou a ser preso por um ano, mas posteriormente libertado sob fiança, em 1969. Supostamente, no carro de Marković foram encontradas fotos da esposa do presidente francês Georges Pompidou, Claude Pompidou, nua. Entretanto, o caso foi arquivado em 1973 por falta de provas e sem um desfecho.

Um estilo que não sobreviveu ao tempo

Com a filha Anouchka no Festival de Cannes de 2010. Foto: Georges Biard/Reprodução

Com a chegada dos anos 80, seu estilo não estava mais na moda. Os papéis no cinema passaram a ser menores, e Delon se reinventou migrando parte de seus esforços e investimentos para o ramo empresarial. Sua empresa Alain Delon Diffusion SA vendia principalmente artigos de vestuário e acessórios, bem como perfumes e até cigarros. Seu nome em uma marca garantia o sucesso de qualquer produto entre o público consumidor.

Além disso, o ator produziu filmes, colecionou ítens de arte e até investiu na criação de cavalos de corrida. Sua visão empreendedora permitiu que ele conseguisse ter um certo controle sobre sua carreira e finanças.

Os mitos também envelhecem

Alain Delon em “Asterix nos Jogos Olímpicos” (2008). Foto: Pathe Distribution/Reprodução

Nos últimos anos, Delon se afastou dos holofotes, preferindo uma vida mais reservada. Em 2008, fez uma aparição em Asterix nos Jogos Olímpicos, de Frédéric Forestier e Thomas Langmann, interpretando o imperador Júlio César. Em abril de 2012, sofrendo de arritmia cardíaca, foi operado. Em seguida, em setembro de 2013, passou novamente por outra cirurgia pelo mesmo motivo. Além disso, passou também por uma neurocirurgia facial no ano de 2015.

Com a saúde cada vez mais frágil, Alain Delon demonstrou interesse em antecipar sua partida. Em 2022, seu filho Anthony divulgou o desejo do pai: suicídio assistido. Na Suíça, país onde vivia, a prática é permitida. O assunto gerou burburinho nas redes sociais, pois o perfil oficial do astro no Instagram chegou a publicar uma nota que foi entendida por fãs como uma despedida: “[…] Espero que os futuros atores possam encontrar em mim um exemplo não só no campo do trabalho, mas na vida cotidiana entre vitórias e derrotas. Obrigado, Alain Delon” (via BBC). Pouco tempo depois, a conta na rede social foi apagada. No entanto, sua influência no cinema e na cultura popular permanece intacta.

Um ícone atemporal

Alain Delon em “O Círculo Vermelho” (1970). Foto: Reprodução/IMDB

Alain Delon teve sua imagem eternizada em uma série de filmes e continua a ser uma referência para diretores e atores que buscam capturar a complexidade e a ambiguidade da condição humana. Não foi apenas um ator, mas símbolo de uma era que continua a fascinar o público global.

Os filmes que estrelou são obras de arte, e apreciar o seu trabalho é uma maneira de reconhecer o impacto duradouro que ele teve na definição do que significa ser um ícone do cinema. Em suma, Alain Delon é muito mais do que apenas um galã. Ele é um artista cuja vida e obra transcendem as fronteiras do tempo e, ao revisitar seus filmes, o público sempre terá a oportunidade de se conectar com a magia do cinema clássico, que, mesmo após décadas, permanece tão poderoso e relevante quanto na época de seu lançamento.

Yasmine Evaristo

Artista visual, desenhista, graduanda em Letras - Tecnologias da Edição. Membro Abraccine, votante do Globo de Ouro (Golden Globe Awards). Pesquisadora de cinema, principalmente do gênero fantástico, bem como representação e representatividade de pessoas negras no cinema. Devota da santíssima trindade Tarkovski-Kubrick-Lynch.