Bikini Kill Bikini Kill. Foto: Debi Del Grande/Divulgação

“As pessoas não ligavam para uma banda de garotas, mas o mundo mudou”: Bikini Kill vem ao país pela 1ª vez

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Claudia Assef conversa com Tobi Vail, baterista da banda pioneira do movimento riot grrrl

Quando o Bikini Kill surgiu em 1990, a ideia era juntar garotas para tocar punk-rock e fortalecer outras mulheres com música e informação sobre o movimento feminista. Era a fagulha do movimento riot grrrl, do qual a banda formada em Olympia, Washington, a pouco mais de uma hora de Seattle, meca do grunge, foi pioneira.

Formado inicialmente com o intuito de lançar um fanzine, o grupo musical veio na sequência com o objetivo de difundir com mais força as ideias revolucionárias das integrantes — a vocalista e compositora Kathleen Hanna, a baixista Kathi Wilcox e a baterista Tobi Vail, além do guitarrista Billy Karren.

O Bikini Kill ganhou fama pelos shows inflamados, nos quais Hanna invariavelmente subia no palco sem camisa e com a palavra “slut” (puta) escrita no corpo, além das letras que botavam fogo no parquinho do patriarcado.

Seguindo as premissas do punk e do DIY (do it yourself), a banda nunca se deixou seduzir por grandes gravadoras ou pelo mainstream, apesar de ter colaborado com artistas grandes, como Nirvana e Joan Jett.

Depois lançar dois álbuns e alguns EPs, o Bikini se separou em 1997, deixando um legado grande de hinos feministas e bandas formadas por mulheres que seguiram seus ensinamentos.

Bikini Kill e Joan Jett tocando Rebel Girl em 2019, em Nova York

Em 2019, o Bikini Kill anunciou uma turnê de retorno nos EUA e desde então tem feito shows pelo mundo. Agora em março, a banda se apresenta no Brasil em duas datas: dias 05 e 14 de março, na Audio, em São Paulo.

Os ingressos para a primeira data esgotaram nas primeiras horas de venda e os da segunda ainda estão disponíveis no site da Ticket360, na bilheteria da Audio e na Associação Cultural Cecília — idealizadora do evento em parceria com a DaTerra Produções.

Os shows serão abertos por bandas novatas e veteranas, compostas por mulheres atuantes no punk e no feminismo, como As Mercenárias, da pioneira baixista e vocalista Sandra Coutinho, e The Biggs, banda de Flávia Biggs, idealizadora do Girls Rock Camp no Brasil. Parte da arrecadação dos ingressos será destinada à instituição Girls Rock Camp Brasil, que empodera meninas, mulheres e dissidências por meio da música. Os alimentos entregues na compra da meia-entrada social — disponível para todos — serão doados para as aldeias Tekoa Pindo Mirim e Tekoa Itakupé, da Terra indígena Jaraguá, em São Paulo.

O Music Non Stop bateu um papo com a baterista do Bikini Kill, Tobi Vail, via Zoom, e matou algumas curiosidades de longa data.

Claudia Assef: É a primeira vez de vocês no Brasil, e o público está com muita expectativa. O que conhecem da cena local, e o que esperam encontrar por aqui?

Tobi Vail:
Bem, falarei por mim. Não sei muito sobre a cena, mas estamos muito animadas para os shows. Sempre quisemos ir pro Brasil, desde os anos 90. Queríamos ir desde quando a banda surgiu, mas não conhecíamos ninguém que nos ajudasse com isso.

Claudia Assef: Vocês foram pioneiras em unir punk rock e feminismo, falando com propriedade com as mulheres nos shows, passando informação, fanzines… Como veem as mudanças que rolaram nesses 33 anos?

Tobi Vail: O mundo mudou, certo? Então, quando começamos, eu vinha de uma cena hardcore punk americana dos anos 80, que era muito dominada por homens, e havia muitas mulheres e garotas que iam aos shows, mas não estavam no palco. Eu já estava tocando bateria e tentando montar uma banda de garotas adolescentes e pensei, “por que não está funcionando?”, sabe?

Minha mente ficou focada em como poderíamos mudar isso. Primeiro, a gente só tinha que se fazer a pergunta: “por que é assim? Por que as pessoas se interessam quando são só garotos, mas não se importam quando são só garotas?”.

Então, tentamos criar uma cultura que encorajasse mulheres e meninas a serem atuantes. Não apenas na plateia, mas no palco, fazendo shows, programas de rádio, fanzines… E não mais apenas fazendo a comida, sabe? Realmente criando a música, trabalhando nas gravadoras, na mídia.

Isso foi o que é considerado o riot grrrl. Hoje é tudo mais inclusivo. Você vai a um show e vê a garotada se expressando, muitos jovens queer. Eles têm gênero fluido, são não-bináries, trans. Muito mais jovens se sentem confortáveis ​​em ter sua identidade queer reconhecida por todos, em vez de ser um segredo que escondem, sabe? É um ambiente completamente diferente.

Claudia Assef: Você acha importante projetos como o Girls Rock Camp existirem? Uma das bandas de abertura dos shows de vocês é a Biggs, da Flávia, que é a diretora do Girls no Brasil…

Tobi Vail: De fato, é um belo incentivo pra começar a tocar, especialmente se você vem de baixa renda, já que custa dinheiro ter um lugar para tocar bateria e ter instrumentos. O Girls Rock Camp é muito positivo, mas não é algo que eu teria pensado quando era jovem, porque eu era muito rebelde e independente, e não gostaria que nenhum adulto me dissesse o que fazer, o que era boa música ou o que não era boa música. Mas também acho que foi por ter tido a sorte de ser incentivada por meus pais.

Claudia Assef: Outra coisa que existe no Brasil visando equilíbrio de gêneros na indústria musical é o Women’s Music Event, que foi criado por mim e minha sócia há oito anos. Temos uma conferência/festival e um prêmio. Você acha que ainda precisamos ter recortes de gêneros para turbinar essa mudança no mercado?

Tobi Vail: Essa é uma pergunta muito boa, porque acho que, como feministas, precisamos ter certeza de que não estamos reforçando um falso binarismo de gêneros com o nosso feminismo. Mas, ao mesmo tempo, sob o patriarcado, ainda há exclusão e opressão com relação às mulheres. Então, não sei, acho que depende. É uma boa pergunta. É bom questionar, mas talvez seja necessário.

Claudia Assef: Com as turnês de vocês rolando, é possível que saia algum novo álbum?

Tobi Vail: Não temos planos de fazer um novo álbum, mas isso é basicamente porque não moramos no mesmo lugar. E, quando éramos uma banda, criávamos as músicas de forma colaborativa, o que surgiu de algo que aconteceu em uma sala, onde estávamos todas juntas.

Infelizmente, do jeito que nossas vidas estão agora, não temos muito tempo para ficarmos juntas. Sinto que gostaríamos de fazer algo assim, talvez. Talvez na passagem de som possamos fazer uma música. Não sei, veremos o que acontece.

Claudia Assef: Quando vocês viajam, conseguem interagir um pouco com as bandas de abertura?

Tobi Vail: Boa pergunta. Normalmente, sim. Mas com a pandemia, a gente teve que se resguardar mais, porque temos pessoas com comprometimento imunológico, como a Kathleen e algumas outras. Na verdade, sou eu quem sempre pega covid nas turnês, então vamos torcer para que isso não aconteça. Acabei de tomar outra vacina.

Serviço

Bikini Kill

Data: 05 de março (terça-feira)
Horário:
18h
Local:
Audio: Av. Francisco Matarazzo, 694 – Água Branca – São Paulo/SP
Ingressos: Esgotados
Bandas de abertura: Florcadaver, The Biggs, Bertha Lutz e DJs Camilla Jaded e Erika

Bikini Kill Data Extra

Data: 14 de março (quinta-feira)
Horário: 18h
Local:
Audio: Av. Francisco Matarazzo, 694 – Água Branca – São Paulo/SP
Ingressos: Via Ticket360; na bilheteria da Audio (sem taxa), aberta de segunda a sábado, das 13h às 20h; e na Associação Cultural Cecília (sem taxa), aberta terça, quinta, sexta e sábado, das 19h à 00h, e domingo, das 21h à 00h.
Bandas de abertura: As Mercenárias, Punho de Mahin, Weedra e DJs Camilla Jaded e Erika

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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