Kurt Cobain Foto: Reprodução/YouTube

30 anos sem Kurt Cobain: quando sucesso e fracasso caminham lado a lado

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Em 08 de abril de 1994, a polícia de Seattle encontrava o corpo do líder do Nirvana, responsável pela grande renovação do rock americano

A cena encontrada pelos policiais, quando entraram na casa de Kurt Cobain na Lake Washington Boulevard, em 08 de abril de 1994, não poderia ser mais triste. O corpo do cantor jazia ao lado de uma arma, usada para tirar a própria vida. Três dias antes, sozinho, escreveu uma sensível e tragicamente didática carta de suicídio. Contou à esposa, filha e amigos, a quem endereçou suas palavras, que em boa parte da carreira do Nirvana, a excitação que mostrava em cima do palco era pura “encenação para os fãs”. Reiterou seu amor ao punk rock, e sua gratidão por tudo de bom que aconteceu em sua vida, encerrando a mensagem com uma frase que se tornou seu epílogo: “é melhor queimar do que desaparecer”.

Em 1994, Cobain era idolatrado por fãs de todo o mundo devido ao rápido e estrondoso sucesso que o Nirvana conquistou, trazendo para o mundo um antídoto para o rock ultraproduzido com recursos caros e shows mirabolantes. O cantor, guitarrista e compositor sempre disse que a ideologia do punk, que conheceu adolescente, mudou sua vida ao mostrar que qualquer um podia fazer música, sem frescura, tendo como combustível apenas sua fúria. De tão fã, Cobain revirou o mundo da música da mesma maneira, menos de 20 anos mais tarde.

Porém, vida é vida, e arte é arte. Quanto tomou a decisão de queimar antes de desaparecer, Cobain amargava dias ininterruptos abusando de heroína, após ter fugido da clínica de reabilitação em que foi internado depois de ter cancelado todos os shows de março daquele ano, diagnosticado com bronquite aguda. Do hospital, foi direto para a rehab, onde resistiu ao vício por menos de um mês.

A vontade de “encenar” para os fãs, mencionada na carta de Cobain, já havia minguado há tempos. O último show da banda foi tão terrível que fez com que o amigo de infância e baixista, Krist Novoselic, anunciasse no palco que “o Nirvana acabou”, para um público atônito e decepcionado em Munique, na Alemanha.

Não dava para dizer, no entanto, que as pessoas haviam sido pegas de surpresa. As apresentações do Nirvana haviam mudado em seus últimos dois anos. De uma catarse sonora sobre o palco a algo desleixado, deprimido e mal tocado. Kurt Cobain pedia socorro em cima do palco, e pouca gente havia percebido isso.

Quando a banda passou pelo Brasil no festival Hollywood Rock, em janeiro de 1993 e transmitido em rede nacional pela Globo, o público assistiu (desta vez sim, surpreso) a um dos piores shows da história do grupo. Músicos que levaram o cantor para conhecer a noite de São Paulo se assustaram com a quantidade de cocaína que Cobain usou em poucas horas de rolê.

“Chegamos às 03h da manhã no Der Tempel, tinha pouca gente. Kurt pediu heroína, mas avisei que isso não existia no Brasil. Conversando com a galera das bandas alternativas de São Paulo, dava pra ver que ele tinha vergonha de estar ali, ganhando 20 milhões para fazer um show. Ele não queria aquilo. Ele queria morrer, na verdade”, contou João Gordo, que acompanhou Kurt e a esposa Courtney Love para a casa noturna na rua Augusta, ao G1.

Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl colhiam os amargos frutos de três árvores que produziram pencas. Os álbuns Bleach (1989), Nevermind (1991) e In Utero (1993), todos sucessos absolutos de crítica e público. Cada hit saído de um desses discos, amados pelos fãs e exigidos em cada um de seus inúmeros shows, transmutava em mais uma sanguessuga grudada no corpo de Cobain. Cantar Smells Like Teen Spirit, maior sucesso do grupo, era um verdadeiro martírio.

João Gordo foi extremamente sensível em sua observação. Ele não queria aquilo. O sonho do garoto de 17 anos que ganhou uma guitarra de presente do tio era ter apenas uma banda. E não a maior banda do mundo.

Encontrou a música como fuga da mesmice estranguladora em que sua vida estava jogada, vivendo em Olympia, uma cidade parada, caipira, nos arredores de Seattle. Um jeito de finalmente transformar seus rabiscos poéticos em canções simples, e assim poder juntar alguns amigos para vê-lo se expressar, como fizeram seus ídolos do punk rock e do posterior alternativo americano, como Huskter Dü e Pixies. Mas seu plano deu errado. Era talentoso demais. E tinha fúria demais.

Antes de mostrar à molecada de sua área sua primeira gravação, Love Buzz — um cover da banda Shocking Blue lançada por ninguém menos do que a icônica gravadora de Seattle, Sub Pop (já de olho no talento dos três) —, Cobain coagulou as depressivas letras que seriam comuns nas músicas do Nirvana sendo ferido o tempo todo, durante sua adolescência. Já na fase da lua de mel com as drogas, era jogado de um lado para outro pela família. Morou com um ex-professor do colégio, com uma família que o acolheu, com amigos dos pais, com os avós, com diferentes tios e, quando não havia quem topasse ficar com o garoto, na rua.

Tímido e introspectivo, Kurt era um garoto tão carente que gostava de frequentar a igreja junto com a família Reed, que o acolheu por um tempo porque “gostava das músicas e das pessoas que [ele] encontrava”, como destaca a biografia Heavier Than Heaven: Mais Pesado que o Céu, de Charles R. Cross. Foi em um desses cultos que encontrou seu futuro parceiro de banda, Krist Novoselic.

Não suportava viver com a mãe (e pelo jeito, o sentimento era recíproco), Wendy, a quem via apanhar de vários namorados tranqueiras que arrumou depois da separação. O pai, Donald, com quem se dava bem e que jurou ao filho “jamais se casar novamente”, quebrou a promessa rapidamente: arrumou uma nova esposa e trouxe-a para morar em sua casa, junto com dois filhos. Arrumou mais um e, no balaio todo, fez com que o pequeno Kurt virasse uma espécie de corpo estranho àquele núcleo familiar.

Foi com sete anos, porém, segundo sua família e a própria esposa, Courtney Love, que Kurt Cobain foi definitivamente sentenciado. 20 anos antes de tomar a decisão de tirar a própria vida. Os pais levaram ao filho ao pediatra, e saíram de lá com caixas de Ritalina, depois de um rápido (e contestado, depois de tudo o que aconteceu ao garoto) diagnóstico de hiperatividade.

Kurt mudou completamente depois da administração do medicamento. “Ele era o ímã da família”, conta sua tia Mary Earl, no documentário Montage Of Heck, de 2015. Carismático e encantador, o moleque gostava de ouvir Beatles e The Monkees, amava desenhar e brincar com instrumentos musicais, já que tinha tios músicos, e chegou a compor musiquinhas a partir dos quatro anos de idade, com personagens de desenhos animados como inspiração.

Um dos primeiros pimpolhos da família, era o motivo de alegria dos encontros. Mimado, no sentido mais amoroso da palavra. Até ser afogado por medicamentos. Ao se tornar uma criança dopada, irritadiça e introspectiva, Kurt Cobain iniciou uma história de desentendimentos familiares, falta de aceitação e apoio em uma fase da vida em que ser compreendido é fundamental.

“Desde os sete anos de idade, tornei-me odioso para todos os seres humanos”, escreveu Cobain em sua última carta, deixando claro que, naquele momento derradeiro, olhou em restrospectiva para toda a sua vida.

À filha, Francis, escreveu em sua despedida, também deixando claro o medo que tinha de reproduzir o tratamento que recebeu dos pais: “sua vida será muito mais feliz sem mim”.

Caso você esteja enfrentando algum tipo de sofrimento emocional, que inclua ou não ideações suicidas, não guarde seus sentimentos para si. Procure o Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo telefone 188 ou pelo chat.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.