Nirvana Imagem: Reprodução

Há 30 anos, Nirvana fazia o último (e terrível) show de sua carreira

Jota Wagner
Por Jota Wagner

“Nós estamos de saída. O grunge está morto. O Nirvana acabou!”

Em janeiro de 1993, mais de cem mil fãs brasileiros do Nirvana se decepcionaram com um show mal tocado, sem nenhum interesse, da banda que havia virado o mundo do rock de ponta cabeça. Kurt Cobain, plenamente chapado, entrou travestido, de quatro, ao palco, e mal conseguiu executar as próprias músicas. Ali, como headliners do festival Hollywood Rock, o grupo já passava a mensagem: havia algo muito errado acontecendo.

O ano de 93 seguiu com a banda dando pala — agora ao mundo todo, e não apenas no Brasil — do tamanho do buraco que Kurt, e por tabela todo o Nirvana, havia se enfiado graças ao vício em heroína, fuga escolhida pelo artista para a superexposição a que haviam se metido graças ao estrondoso sucesso que fizeram. O alívio para dores musculares, motivo geralmente associado ao vício do cantor, era secundário.

O modo como o trio rastejou pelos palcos do mundo durante mais de um ano após o show do Hollywood Rock é surpreendente. E em abril de 1994, o frontman deu fim ao martírio que sua vida havia se tornado após o estrelato.

A tragédia de um dos astros mais viscerais e criativos da década de 90 se deu poucos dias após a saída de uma clínica de reabilitação de Seattle, em que ficou internado durante um mês. Cobain havia cancelado todos os shows de março devido a um diagnóstico de bronquite severa, causada pelo abuso de drogas.

Bem, todos não. O último show do Nirvana, há exatos 30 anos, aconteceu em 1 de março de 1994.

Kurt Cobain, Krist Novoselic e Dave Grohl (já acompanhados pelo guitarrista Pat Smear, que se juntou ao grupo após o sucesso do Acústico MTV) subiram ao palco de um hangar desativado do Aeroporto de Munique para tocar a um público de cerca de três mil pessoas. O que os alemães viram ali não foi muito diferente do que os brasileiros haviam testemunhado com 14 meses de antecência.

O grupo errou músicas, Cobain não conseguiu cantar partes de algumas delas e a banda estava com um humor terrível. A locação escolhida para o show, apesar de charmosa, não ajudou. O hangar tinha uma acústica terrível, deixando tudo ainda mais caótico. Krist, ao falar ao público, talvez estivesse fazendo uma terrível previsão: “nós estamos de saída. O grunge está morto. O Nirvana acabou!”.

No começo da carreira, Kurt era um carinha tímido no palco. Conforme a banda de sua vida começava a despontar atenção e vender mais ingressos, assumiu uma atitude visceral e catártica em seus shows. Cobain transmitia revolta através do deboche. Era inimigo do sucesso.

Viu a música que fazia, um grito de socorro, tocar jovens de todo mundo e, aliado a uma estética necessária para a época, de bons punks desajustados e barulhentos, transformar sua banda em um gigantesco frenesi mundial. Foi atropelado com um esquiador em uma avalanche, que o fez rolar ladeira abaixo.

Com a explosão do Nirvana, vieram as intermináveis e cansativas turnês mundiais. E os tenebrosos compromissos assumidos com a gravadora, como programas televisivos cafonas, que era obrigado a fazer. O cara que queria apenas viver de música, como seus ídolos Sonic Youth, Pixies e Husker Dü, ícones do cenário alternativo americano, se viu cooptado pela faminta indústria do pop mainstream.

Na época, todos viam apenas mais um jovem talentoso se autodestruindo. Hoje, olhando 30 anos para trás, percebemos que Cobain estava sendo mastigado pelo showbiz. E a última dentada foi desferida em Munique, ao lado de enfadados companheiros de banda.

Seu público, aquele que se apaixonou com insanas apresentações da banda — tão rock’n’roll que rendeu aos três a medalha por terem “salvado” o gênero (o que efetivamente fizeram) —, pagava ingresso e saía de casa para ver “aquele” Nirvana. Não o de 1993. Não o de Munique.

Apesar do fim precoce — mesmo se a tragédia não tivesse alcançado o vocalista, é provável que eles teriam se separado naquele ano —, deu tempo de o Nirvana entrar para a história como uma das bandas mais importantes e criativas do rock alternativo americano.

É assim que serão lembrados, e ouvidos, por muito tempo.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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