Review: Festa de 50 anos da Chic Show uniu gerações e mostrou o verdadeiro poder da música
Com Lauryn Hill, Jimmy Bo Horne, Wyclef Jean e outras grandes atrações, evento fez jus a celebração de cinco décadas da equipe de baile paulistana
“Existe uma São Paulo negra antes e depois da Chic Show.” Essas foram algumas das palavras de Mano Brown enquanto esteve em cima do palco do Allianz Parque no último sábado (13) durante o festival que comemora os 50 anos de existência do projeto. Cultivada por Luiz Alberto Silva (o Luizão) e uma grande comunidade de entusiastas, artistas e trabalhadores da música negra em São Paulo, a Chic Show influenciou gerações de jovens, o mercado da música e o início do movimento hip-hop no Brasil.
A comemoração de aniversário contou com uma festa imensa, cheia de convidados ilustres e tão brilhante quanto a extensa colaboração do projeto com a cena conhecida como “black music”, principalmente em São Paulo.
“Não é só um baile black”, segundo Criolo. Durante sua apresentação no festival, o artista relembrou que o evento ia muito além da dança e do entretenimento, se configurando por décadas como espaço de afirmação, construção de identidade e formação cultural para milhares de jovens negros.
O clima da festa que lotou o estádio do Palmeiras era de muita celebração. O primeiro show ficou por conta da veterana Sandra Sá, que subiu ao palco perto das 13h30. O público, que estava chegando, foi recebido pela cantora interpretando alguns de seus sucessos enquanto encantava a plateia que se formava.
Em seguida, Rael cativou todos ali presentes com seu talento e versatilidade, unindo diversas referências musicais. De seu hino com Emicida, O Hip Hop É Foda (Pt. 2), passou também por uma interpretação de Bob Marley e aproveitou para homenagear a ocasião com um cover de Chic (Le Freak). Mais um ponto alto foi a versão apresentada de Lucro, do BaianaSystem, fazendo o público vibrar antes das 16h.
Depois dele, o palco fica sob comando de Criolo, sua banda e o DJ DanDan. Com entrada vigorosa, o artista aproveitou para exaltar a história da Chic Show ao combinar composições suas, como a clássica Não Existe Amor em SP, com intervenções do DJ DanDan, que inclui na apresentação hits dos bailes como Bam Bam (Sister Nancy). Nesse momento, Criolo envolve a plateia nos passinhos, como era costume nos bailes da equipe. O clima no final foi de roda de samba.
Os DJs da Chic Show (destaque para DJ Luciano e Grandmaster Ney) e Preto Faria adicionam um brilho especial ao evento, reunindo na discotecagem sucessos que marcaram a trajetória da festa e interagindo com a galera no microfone. O norte-americano Jimmy “Bo” Horne, veterano do funk e da disco, se apresentou acompanhado por sua afiada banda e um repertório recheado de clássicos, como pérolas da KC and the Sunshine Band (KC compôs vários hits de Horne) e das pistas de dança da CS (que ele mesmo participou na década de 1980).
É sob a atmosfera funk criada por Jimmy que Mano Brown desponta no palco do festival acompanhado pela sua banda Boogie Naipe. Não haveria momento melhor, afinal, seu trabalho solo tem muita influência do funk dos anos 1970 e 1980. O artista se apresenta muito bem acompanhado pelo cantor Lino Krizz e um balé impecável. Brown conta que está ali realizando um sonho: “Eu tô tocando com uma banda funk no baile que eu curtia”. Depois de entregar um fino repertório trabalhado na soul music, o rapper recebe seus companheiros do Racionais, que o acompanham no clássico Fórmula Mágica da Paz, enquanto a plateia canta junto, emocionada.
Alguns instantes antes dos últimos shows tivemos a oportunidade de conhecer uma seleção da DJ Reborn, que apesar de não ter seu nome divulgado no line-up, está acompanhando Lauryn Hill em sua turnê. A artista surpreendeu a pista incluindo funk carioca durante sua discotecagem. Entre as músicas, ela tocou Morro do Dendê na voz de Menor do Chapa, fazendo a ponte entre o funk que embalou o início da Chic Show com as transformações que o gênero sofreu nos bailes ao longo dos anos.
Grande atração da noite, Lauryn Hill entrou a seguir, iluminada, emocionando a todos com sua presença (além de toda a simbologia de sua participação nesse momento da Chic Show). Começando com o sucesso Everything is Everything, a artista coroou o baile de aniversário enquanto arrancava suspiros e sorrisos daqueles que sonhavam com o show da diva do R&B e do hip-hop.
Lauryn e sua banda embalaram o fim da noite no Allianz Parque por quase três horas, fazendo render seu repertório (basicamente, um único álbum solo de estúdio, The Miseducation of Lauryn Hill, de 1998, e dois discos de sua ex-banda, Fugees). Momentos do show ficaram por conta de seus dois filhos artistas, Zion Marley e YG Marley, que apresentaram seus trabalhos na linha da reggae music entre canções autorais e covers, e o ex-Fugee Wyclef Jean, trazendo faixas de sua carreira solo, incluindo Hips Don’t Lie, dueto gravado com Shakira em 2005.
As participações aconteceram em momentos estratégicos durante o show, proporcionando o retorno de Hill com seu vigor renovado. Com entrega intensa e muita potência vocal, a cantora encantou a todos com clássicos como Doo Wop (Do That Thing) e Killing Me Softly With His Song (que recebeu roupagem abrasileirada). O final impactante, dividindo o palco com Wyclef durante Fu-Gee-La, uniu o público de muitas gerações num momento inesquecível.
Atualmente, enquanto alguns setores da música estão inundados pela busca por hits instantâneos e muitos artistas lidam com um tipo de relevância que dura alguns dias, o impacto da participação de Lauryn Hill e seus convidados (e tudo que envolveu a celebração de 50 anos da Chic Show) mostra para as novas gerações o verdadeiro poder da música: transformar os tempos.