Hip-hop DJ Grego e DJ Hum na Estação São Bento. Foto: Mila Maluhy/Divulgação

Como o pátio da Estação São Bento fundou o hip-hop brasileiro

Jota Wagner
Por Jota Wagner

No começo dos anos 80, a saída da estação de metrô paulistana se tornou ponto de encontro da turma que semeou a cultura hip-hop no país

Meados da década de 80. Sábado à tarde. Pátio da Estação São Bento do Metrô em São Paulo. Centenas de jovens dos quatro cantos da cidade se reuniam, com seus agasalhos coloridos e tênis cano alto. Grupos uniformizados formavam as equipes de dança, prontas para as batalhas.

As “crews”, ou gangues, tinham nomes como Jabaquara Breakers, Dynamic Bronx, Nação Zulu, Crazy Crew, Backspin e Street Warriors. Metiam a boombox no chão, e o pau comia. Dentre os moleques que ali se encontravam, a trocação era de passos de dança, informação musical e detalhes sobre uma cultura que acabava de chegar no Brasil: a do hip-hop, que celebra mundialmente neste domingo (12), o seu dia.

— Nós víamos tudo aquilo acontecendo na televisão, mas era proibido nas danceterias — conta o DJ Hum na palestra Testemunha Ocular do Hip-Hop Nacional (Sesc Guarulhos, 2021).

— Não podia nada, nem entrar de boné, e nem dançar de um jeito diferente. A saída, para aquela cultura, era dançar na rua.

Backspin

Backspin Crew. Imagem: Reprodução/Youtube

A opressão é uma das explicações para o fenômeno que tomou conta da São Bento a partir de 1985. Outra delas é o pátio de cimento “lisinho” da entrada para a estação e, claro, ser um epicentro para quem vinha das regiões Norte, Sul, Leste e Oeste de Sao Paulo.

João Break, do Dynamic Bronx, foi quem descobriu a São Bento, justamente fugindo das forças policiais.

— A ideia não era bem de ir para a São Bento. Eu e meu irmão tínhamos uma crew no [bairro] Bom Retiro, chamada Dynamic Bronx, treinávamos na estação do Metrô Tiradentes. Ali tinha um espaço onde ficavam as cabines telefônicas desocupadas. Um dia, os “urubus” do Metrô subiram e disseram que a gente não podia ficar ali. Resolvemos sair para o rolê. Fomos para o Centro da cidade, a Praça da Sé, passamos pelo Pátio do Colégio, até avistarmos o Largo da São Bento. Olhamos pra baixo e eu percebi que ali seria o point. Foi assim que começou — relatou ao Music Non Stop.

No meio daquela molecada, estava a geração que abriria a clareira para o gigantesco movimento cultural que se tornaria o rap brasileiro, alguns anos depois. MC Jack, Thaíde, DJ Hum e a crew Backspin.

Hip-hop

DJ Grego e DJ Hum na Estação São Bento. Foto: Mila Maluhy/Divulgação

O breakdance foi trazido ao Brasil pelo dançarino pernambucano radicado em São Paulo Nelson Triunfo. Ele organizava os rolês em frente à galeria do rock, no começo dos anos 80. Em 1984, precisou dar um tempo por problemas de saúde e, quando retornou, um ano depois, soube que o movimento tinha mudado para a estação São Bento.

— Naquela época, não tinha internet. Então, você imagina como eram as coisas. Eu trabalhava de office boy no centro da cidade e, na hora do almoço, um encontrava o outro para trocar ideia. Foi através de contatos telefônicos ou nos encontros. O pessoal que dançava foi contando que a gente descobriu um espaço. Marcávamos das seis da tarde às dez da noite. O pessoal foi aparecendo aos poucos, até que o movimento ficou bem grande — continua João Break.

Os tempos não eram fáceis. A administração estadual de Paulo Maluf, aquele da “Rota nas Ruas”, endeusava a violência policial como forma de reprimir a cultura periférica no Centro. Quando a PM chegava na São Bento, o jeito era pegar a boombox e sair correndo.

1a. Mostra Nacional de Hip-Hop - imagem: reprodução Youtube

1a Mostra Nacional de hip-hop na Estação São Bento. Imagem: Reprodução/YouTube

— Éramos jovens, gostávamos de enfrentar, e tínhamos prazer por algo que estávamos construindo ali — relatou o DJ Hum.

No entanto, não houve cassetete suficiente para segurar aquela molecada. As reuniões simplesmente lotavam o pátio.

— Com o passar do tempo, isso já por volta de 1987, sem que nós procurássemos ninguém, todo mundo começou a ir à São Bento. Nunca ligamos para um jornal, revista ou emissora de televisão, e de repente o local estava cheio de jornalistas querendo fazer matérias.

Thaíde, no livro biográfico 30 Anos Mandando A Letra.

Ninguém queria perder as batalhas de dança. A rivalidade começou a esquentar o clima, e o medo era que o comportamento das gangues nova-iorquinas fosse também importado para o Brasil.

O salvador balde de água fria veio em 1987, quando as crews combinaram em segurar a onda na rivalidade. Além disso, o buchicho chamou a atenção de dois artistas estabelecidos no rock brasileiro, Nasi e Andre Jung, da banda Ira!. Ambos se juntaram ao produtor Dudu Marote para lançar a primeira coletânea de rap genuinamente nacional, Hip-Hop – Cultura de Rua, de 1988.

Marcelinho Backspin

Marcelinho Backspin. Foto: Divulgação

O lançamento ajudou a criar um clima de parceria entre as turmas de diferentes cantos de São Paulo, e a pedra fundamental dessa união veio através de Marcelinho Backspin, um dos líderes do mais importante, e antigo, grupo de dança da cidade.

Marcelinho criou a 1a. Mostra Nacional de Hip-Hop, reunindo nada menos do que dez mil pessoas na São Bento.

A partir daí, a cultura ganhou as cidades de todo o país!

— A cultura hip-hop cresceu de uma forma tão imensa, que nos deixa muito feliz. Repercutiu bastante, principalmente com essa molecadinha de hoje, que faz parte da cultura, que participa de campeonatos. Eles dançam muito! A gente vê que os b-boys e as b-girls, nos dias de hoje, demonstram algo fantástico. Fazem coisas que, naquela época, a gente não conseguia fazer. Eu quero parabenizar todos eles. Que eles continuem assim: firmes, fortes, e com hip-hop no sangue!

João Break ao Music Non Stop.

Para quem quiser se aprofundar ainda mais na história, recomendamos o documentário Nos Tempos da São Bento, de Guilherme Botelho, 2010.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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