Ira! Ira!. Foto: Reprodução/Internet

Polêmica de plágio? A inusitada história de um hit do Ira!, com direito a fim à la “Scooby Doo”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Grupo paulistano foi acusado de “roubar” toda a letra de Receita Para Se Fazer Um Herói, e passou meses envolto na polêmica — até um final inesperado

Assim como a polêmica da vez entre Bauducco e Emicida, casos envolvendo acusações de plágio pipocam no show business de vez em quando. Mas poucos são tão inusitados quanto o que aconteceu com o Ira! na década de 80.

Em 1988, o grupo lançava seu álbum mais ousado. Psicoacústica, hoje reconhecido como um disco “à frente do seu tempo”, tomou pedrada de todos os lados quando chegou às lojas. Público e crítica, vemos hoje, não entenderam muito bem o que se passava na cabeça de Nasi e Edgar Scandurra, suas duas principais antenas.

Como se não bastasse o banho de água fria causado pela frustração imediata, a banda ainda teve de lidar com um oficial de justiça batendo à sua porta. Um antigo amigo de exército de Edgar o acusava não só de plágio, mas de ter roubado a letra inteira da música Receita Para Se Fazer Um Herói, de sua autoria. O primeiro reggae do Ira! acabou se tornando, posteriormente, um dos seus grandes sucessos.

Estava colhido o pomo da discórdia. Os colegas de Scandurra o questionaram, e o guitarrista então contou que realmente tinha recebido o poema de Esteves (o amigo da onça), que o presenteou para usar em uma música, sabendo que Edgar tocava em bandas de rock.

Deu-se a largada para uma tensa briga judicial entre o soldado poeta supostamente traído e a banda. E a situação só foi resolvida, vejam só, graças a uma talaricagem salvadora de uma leitora da Bizz.

Ao ouvir o hit na rádio (Receita foi a faixa mais bem recebida pelas emissoras), a garota identificou a letra, de bate pronto. Tratava-se de uma cópia, linha por linha, de um poema do português Reinaldo Ferreira. A fã escreveu uma carta para a revista, denunciando o roubo.

Aplica-se aqui a frase de caminhoneiro: “ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão”. Foi graças àquela denúncia irada que os integrantes souberam que o soldado não passava de um impostor, querendo levar uma baita de uma grana com o golpe.

Como em um final épico de Scooby Doo, o verdadeiro vilão foi finalmente desmascarado. Resolvida a pendenga, a banda encontrou, em Portugal, a viúva de Reinaldo Ferreira. Depois de explicarem a história toda, o Ira! conseguiu fechar um acordo de autorização para seguir em paz.

Poema é bom, e a gente gosta. Leia Receita Para Se Fazer Um Herói, de Reinaldo Ferreira, na íntegra:

Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.

Serve-se morto.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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