Plágio amarelo Foto: Reprodução/Internet

Panetone indigesto: entre Emicida, Bauducco, Djavan e Leminski, quem é o autor do amarelo?

Jota Wagner
Por Jota Wagner

A polêmica do suposto plágio em campanha publicitária estrelada por Juliette e Duda Beat ganha novas nuances

Desde o advento do hip-hop e da técnica do “sampling” (uso de pedaços de músicas em novas produções musicais), o mundo da música entrou em um liquidificador criativo gerador de polêmicas intermináveis sobre plágio. Batidas, riffs e refrões foram reciclados, reprocessados, misturados e resultaram, em inúmeros casos, em obras primas.

Pequenas gravadoras e artistas independentes lançam, o tempo todo, os chamados “edits”, que são, basicamente, remontagens caseiras de outras músicas, tornando-as mais interessantes para as pistas de dança.

Cada artista lida de forma diferente com essa cultura. O grupo alemão (e pai da música eletrônica) Kraftwerk entrou em um longo processo contra Afrika Bambaataa, pelo uso de partes de sua música Trans Europe Express no célebre rap Planet Rock.

Gilberto Gil ouviu e amou o edit que o DJ brasileiro Tahira fez para sua música, Toda Menina Baiana. Hermeto Paschoal, o bruxo, não está nem aí. Já avisou que todo mundo está autorizado a usar partes e partituras suas, não precisa nem pedir.

A polêmica de plágio envolvendo Duda Beat, Juliette e Emicida virou um panetone problemático para a Bauducco, e ganha novos ingredientes.

O que aconteceu?

A Bauducco negociou com Emicida uma campanha publicitária para a marca. Evandro Fióte, irmão do artista, alegou que a equipe inclusive participou com opiniões para a peça, que se chama Magia Amarela.

O acordo não foi para a frente e a empresa resolveu trocar Emicida por Juliette e Duda Beat, mantendo a identidade original.

O problema é que as cores e a tipografia usadas são muito parecidas com o projeto de 2019/2020 do cantor, chamado AmarElo (que inclui álbum, canção e documentário). Fióte atacou a marca nas redes sociais, citando apropriação cultural e plágio.

A Bauducco tirou as peças publicitárias do ar.

De quem é o amarelo?

Apesar de a Bauducco ter alegado de que a tipografia da campanha já era usada há tempos pela marca, realmente se identifica uma semelhança visual. O fato de Emicida ter sido o convidado original para protagonizar as peças causou mais ruído.

Além disso, o rapper não topou fazer o trabalho porque o “cachê não era compatível com as entregas” (alegação de Fióte, em live de desabafo publicada no YouTube) e, com isso, a marca resolveu trocar os artistas. Claro que ia dar rolo!

No que diz respeito à “apropriação de parte das letras”, Fióte cita o uso da palavra o trocadilho “amarelo” e “amar e elo”.

O detalhe é que o próprio Emicida cita que a origem dessa metonímia vem de Paulo Leminski, no poema:

“Amar é um elo
Entre o azul
E o amarelo”

Separar palavras, compondo, transformando, “remixando” seu significado é a base do Haikai, estilo poético muito usado pelo Leminski. Podemos dizer que, de alguma forma, Emicida “sampleou” o escritor.

Djavan, na canção Nem Um Dia, comprova: “o verde faz do azul com o amarelo, o elo com todas as cores pra enfeitar amores gris”.

A arte é um elo. Conecta o que foi feito com que ainda não existe, utilizando referências recolhidas todos os dias, através de diversas canais de informação, na vida de quem cria.

Claro, dentro do universo dos artistas.

Quando o “sampling” vem de agências de publicidade, as regras mudam, já que o intuito é puramente comercial. E este é o ponto central da polêmica que tem dado o que falar.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

× Curta Music Non Stop no Facebook