Pena Schmidt - Lista das Listas Pena Schmidt. Foto: Divulgação

Com a ‘Lista das Listas’, Pena Schmidt está reinventando as paradas de sucesso

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Compilado de listas de melhores discos do ano publicadas por especialistas se tornou um farol da nova música brasileira

Quem não acompanha as peripécias de Pena Schmidt está perdendo seu tempo. Conversar com o cara, ou pintar em algumas de suas palestras e eventos, é ouvir sacadas como: “música hoje em dia é como futebol ou Fórmula 1”, e “o papel da música em uma sociedade hoje é completamente diferente do que nos anos 80”.

São ensinamentos que tira da gasta cachola. Pena já foi presidente da ABMI (Associação Brasileira de Música Independente), comandou a Tinitus, uma das gravadoras mais bacanas da década de 80, foi curador do Auditório Ibirapuera e diretor do Free Jazz Festival. Por sua mão, já passaram artistas como João Gilberto, Ray Charles, Björk e Kraftwerk.

Apaixonado por música, audiófilo e bom de papo, ele cuida há dez anos da Lista das Listas, um compilado das mais importantes listas de discos de melhores do ano publicadas no Brasil, e que se transformou em um farol da nova música brasileira para a crítica, curadores de festival e produtores de show.

Criada para ser uma referência do que estava acontecendo no país para um grupo de curadores, a Lista das Listas foi além. Virou objeto de desejo de artistas e resistência da galera aficionada por música; uma substituta dos antigos rankings e charts, tão importantes na era dos discos.

A partir do momento que os streamings substituíram as vendas das mídias físicas, contar quem estava fazendo sucesso ficou muito mais difícil. As plataformas seguem divulgando os artistas mais tocados da semana, mas o que se viu foi que o algoritmo mais atrapalhava do que ajudava. Como a contagem de plays é sempre cumulativa, as listas de artistas, gêneros e músicas mais tocadas ficaram mais engessadas do que a tábua dos dez mandamentos. Quanto tempo, por exemplo, vai levar para uma nova banda de heavy metal superar os números do Metallica?

E é este vácuo que a Lista das Listas ocupa, compilando os preferidos do ano de jornalistas, revistas, blogueiros e loucos por música de “notório saber”. Apresenta, anualmente, um painel do que tem chamado atenção das pessoas que ouvem álbuns. A edição de 2023 foi publicada no começo de abril, e pode ser conferida, completinha, aqui. Para dar um gostinho do resultado, confira as dez mais do último ano e uma superentrevista com Pena Schmidt, falando sobre o processo de trabalho, o mundo da música e, mais do que tudo, a paixão.

Top 10 Lista das Listas 2023

  1. Ana Frango Elétrico – Me Chama de Gato Que Sou Sua
  2. FBC – O Amor, o Perdão e a Tecnologia…
  3. Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo – Música do Esquecimento
  4. Mateus Fazeno Rock – Jesus Ñ Voltará
  5. Luiza Lian – 7 Estrelas…
  6. Xande de Pilares – Xande Canta Caetano
  7. Marcelo D2 – Iboru
  8. Jards Macalé – Coração Bifurcado
  9. Terraplana – Olhar Para Trás
  10. Letrux – Como Mulher Girafa

Entrevista com Pena Schmidt

Jota Wagner: Há quantos anos existe a Lista das Listas?

Pena Schimidt: Começou em 2013. Uso sempre a mesma planilha, onde cada voto ganha uma linha. Já estou no número 20.827!

Quando eu fazia a programação do Auditório Ibirapuera, eu tinha três shows para programar toda semana. Então, eu precisava de um perfil da música independente, gente que estava fazendo a exploração do campo musical com ideias interessantes. Para programar aquilo, eu perdi um pouco as referências. Tinha que ouvir tudo que aparecia na frente, que saía no Spotify. E eu faço parte de um grupo de curadores, de pessoas que faziam programação para festival e casas de música, que tinham certa sintonia. Conversávamos entre nós e o assunto era: “pô, a gente não tem referência nenhuma”.

Lá atrás, tínhamos as paradas de sucesso, as vendas de discos. Todas essas coisas ajudavam você a ter uma noção de quem era o artista que estava chegando. Em 2013, não tínhamos nada. Aí apareceu a ideia de tentar fazer uma lista de melhores do ano. Mas algo que envolvesse opinião. Achamos que a opinião é uma coisa interessante. E as listas de melhores do ano têm isso. Para você fazer uma, você tem de parar para pensar no que aconteceu durante o ano. Ninguém faz uma lista num bar. A pessoa para, vê sua pilha de discos, lembra do que ouviu… É uma coisa que requer, no mínimo, o esforço de olhar para o ano inteiro.

É mais do que simplesmente um palpite. É um micro-TCC. Um trabalho que requer concentração e esforço. Isso já é um critério interessante para você perceber quais são os artistas que causaram impacto. Em tempos em que like e seguidores não valem nada, você não tem outra referência para saber se as pessoas estão gostando de verdade de um artista. Então, você começa a acreditar que uma lista de melhores do ano vale alguma coisa.

O que mudou nesses dez anos?

Quando a gente começou a fazer a primeira, a gente juntou umas 50 listas catadas na internet e lançou os votos. Não demos pontuação nenhuma. A gente só queria saber quem eram os discos que estavam sendo apontados, sem critério de que esse é melhor do que aquele. Entrou numa lista, conta um ponto.

Compilamos os resultados e vimos os mais votados. Vimos aí uma ideia incrível, que se repete até hoje. Achamos um canal de informação que está sendo consistente. Ele é igual, não mudou desde o primeiro até agora. Funciona assim: artistas comerciais, que são do jabá, da divulgação paga, não são lembrados. O comercial nunca é recomendado, mesmo que tenha feito um puta trabalho incrível.

Claro, tem exceções pra provar que a regra existe. Pabllo Vittar, por exemplo, apareceu um ano ou outro, apesar de nunca ter conseguido um posto muito bem votado. A mesma coisa acontece com os medalhões. Caetano e Gil, por exemplo, aparecem de vez em quando. Dona Elza Soares também. Mas o resto é gente nova, que está criando um trabalho sintonizado.

Isso fez os curadores ficarem felizes com a Lista das Listas. Apontava os mais bem-votados, formando um grupo muito especial dos que foram, mesmo, os melhores do ano.

A gente vive um momento em que as pessoas conhecem música nova por indicação algorítmica, uma fórmula que vai te fechando ali, no que você já gostava. A Lista das Listas é uma resistência ou uma necessidade?

Eu acho que é uma resistência de quem gosta de música. As pessoas amam música, do mesmo jeito que tem gente que gosta de futebol ou Fórmula 1, que não dependem de algoritmo, de moda, de jabá, do comércio ou de gravadoras. Gente que compra discos, que vai em show, que segue seu artista e que tem esse olhar mais apaixonado. Nesse ponto, é nítido que lista é uma forma de resistência.

O papel da música na sociedade hoje é completamente diferente do que foi em 1980. É diferente dos anos 2000, é diferente de dez anos atrás. E está mudando cada vez mais. Talvez esteja perdendo a importância que já teve um dia, embora continue sendo algo superimportante.

E como tem se desenvolvido esse movimento de fazer listas?

Continua sempre. Uma coisa interessante é que algumas listas duraram nove anos, mas nenhuma completou dez. Tem gente que persiste ao longo do tempo, mas muitos fazem a sua lista de melhores bandas durante dois, três anos, e vão embora. E então entra outro no lugar. Não é um emprego vitalício. É um momento da vida.

Outra coisa interessante é que nenhum gênero musical predomina. É sempre muito espalhado. Há apenas alguns reflexos da grande música comercial. Se você olhar o ranking do streaming, vai ter sempre uns quatro grandes gêneros. Sertanejo, funk, forró e hip-hop, por exemplo. Nas nossas listas, o único gênero mais representativo é o hip-hop. Djonga, Baco Exu do Blues… O Baco, por exemplo, já pegou um primeiro e um terceiro lugar. Foi uma revelação de um determinado momento, com um tremendo impacto.

Mas você sempre vai ver coisas como rock, metal e MPB, aparecendo. Poucos deles chegam ao topo [das paradas de sucesso]. Coisas que teriam sido radiofônicas há 30, 40 anos. Um tempo em que tivemos boas rádios, com liberdade musical, variedade de artistas e programadas por quem gosta.

Outra coisa muito interessante é a quantidade de discos diferentes que aparecem nas diferentes listas. Este ano foram 600. É disco pra caralho! Metade tem um voto só.

São os votos de camaradagem?

Sim, brodagem. “Vou botar o disco do meu chapa.” Só que, então, sobram outros 300 que começam a ser bem-votados, até chegarem ao topo da nossa pirâmide, com os 50 melhores. Uma tendência que também estou identificando é que estão diminuindo as listas de “melhores do ano” e aumentando as de “meus favoritos”.

Até porque ninguém consegue ouvir tudo o que saiu, né?

Sim, acaba ficando meio presunçoso. Então o cara prefere dizer “estes são os meus escolhidos”, os que ele acha legal você conhecer. Alguns colocam em ordem alfabética, para deixar claro que não há um melhor do que o outro.

Dá pra dizer que as listas, hoje em dia, são a única forma possível de um artista subir de patamar?

Não a única. E também não digo para você que a carreira seja escalável, como se escala um prédio. Se você tiver vontade, você vai aonde quiser. Porque é um processo pulverizado, completamente caótico, desorganizado, sem estrutura nenhuma. Portanto, não dá para você aplicar marketing em cima, sabe? Fazer uma campanha organizada.

Então, se eu for dar como conselho aos artistas, “frequentem as listas de melhores do ano”, não adianta, porque eles não têm muito como fazer isso. Ao mesmo tempo, você vê coisas que dão certo, como o caso do Baco antes da pandemia. Foi surpreendente.

Com um puta disco, vamos combinar…

Sim, mas saiu do nada. Não era conhecido e, de repente, onde bateu causou impacto. O que existe também é uma espécie de “agência de propaganda fantasma”. Uma molecada, com conceitos de marketing, que sai fazendo experiências. Esse ano tem outro fenômeno, a Ana Frango Elétrico. Ela está em seu terceiro disco, supermadura. E seus dois discos anteriores já estiveram entre os 50 primeiros. E por quê?

Porque ela tem um acordo com três selos. Um que trabalha razoavelmente bem sua divulgação no Brasil, um na Inglaterra, muito bom, e outro no Japão. Os três lançaram o mesmo álbum juntos. A Ana entrou até mesmo em lista de gente que geralmente só coloca álbuns de metal!

Para que é que serve um selo hoje em dia, Pena?

Ele tem de cuidar de um pedaço que o artista não cuida, que é a gestão, a administração do produto fonográfico. De falar com os caras do streaming, com a distribuidora, cuidar dos direitos autorais, a editora… A maior parte dos artistas hoje está gravando em casa ou num estúdio pequeno e barato. Então, não tem mais a ver com a questão do financiamento da produção da obra, mas com a administração do produto.

Alguns selos trabalham a divulgação razoavelmente bem. Outros não se dão a esse trabalho. Botam o disco na rua e só ficam pegando os royalties. Eu quero, a partir deste ano, mostrar para o mundo quem foram os selos, nos últimos dez anos, que fizeram a diferença. Os que têm mais contribuído. Vamos ver que as majors têm a mesma representação da naniquinhas. Sony, Warner, Universal… Elas têm menos discos nas listas do que gravadoras pequenas. Não são mais as donas da porra toda.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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