Green Day Imagem: Reprodução

Green Day não inventa nada em “Saviors” — e isso é ótimo!

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Banda que embrulhou o punk em uma sacola de shopping center lançou seu 14º álbum de estúdio

Quando o punk rock surgiu no final dos anos 70 — abraçando primeiramente os marginais e junkies de Nova Iorque, e posteriormente cooptado pela juventude suburbana na Inglaterra, cuja esperança foi sequestrada durante a era Margareth Tatcher —, tornou-se um instrumento da revolução que, de tempos em tempos, se faz necessária, através da exposição de vísceras e coquetéis molotov.

Quando Billie Joe Amstrong e Mike Dirnt montaram o Green Day, em 1987, ao lado de bandas como NoFX, Bad Religion, Rancid e Offspring, sua geração vivia um hiato ideológico. A grande luta de toda uma molecada era contra o vazio, muitas vezes horrorosamente exposto nas letras de suas músicas.

Ninguém jogava pedra no carro de polícia, ninguém passava fome, ninguém tomava porrada ou balas de borracha, ninguém tomava as ruas para defender trabalhadores explorados. Não mais.

A legítima expressão do sofrimento e da marginalização já havia sido reivindicada pelo rap. Era ali que a ideologia punk estava, há anos. Havia sobrado para eles (e para o grunge, e para o nu metal) o fast food da romantização do abuso de drogas. Mas não era um abuso causado pela busca por uma consciência supernatural coletiva ou pela dor de estar desencaixado no mundo. Agora, era a fuga do ócio. O imenso incômodo causado pela absoluta falta de problemas da juventude branca americana.

É natural, portanto, que o Green Day tenha sido um dos responsáveis por empacotar definitivamente a sonoridade do punk rock em uma caixa de papelão e colocado em uma sacola de loja de shopping center. Com a mesma sacolinha em mãos, rodaram o mundo e conquistaram milhões de fãs, ganhando os palcos dos megafestivais.

A grande batalha de então: a revolta contra o ócio versus a determinação de não fazer nada a respeito. Em Saviors, álbum lançado pelo grupo californiano na última sexta-feira (19), o Green Day segue não fazendo. Passeia com a mesma sacola.

E olha que a banda ganhou um tremendo passe que a deixou na cara do gol. A recente guerra que travou contra Donald Trump e a extrema direita americana, fazendo com que Billie Joe declarasse que renunciaria à sua cidadania. Tema que a permitiria realizar seu grande sonho: ter pelo que lutar.

A atitude incendiária, porém, ficou na capa — um garoto sorrindo em frente ao carro pegando fogo — e na primeira música, The American Dream Is Killing Me. De resto, o disco é tomado, em grande parte, pelo assunto que inspirou o grupo em toda sua carreira: o tédio.

Armstrong sabe, desde quando Dookie, seu terceiro álbum, lançado em 1994, o levou ao estrelato, que o tédio é o assunto que mais os conecta com seus fãs. Em Saviors, o Green Day assume que perdeu a luta, com digna sinceridade. E, uma vez derrotados em sua missão punk de mudar o mundo, fazem muito bem a música que lhes resta fazer.

As canções simples, os três acordes e a guitarra com peso de lava vulcânica descendo lentamente a montanha, disseminada pelos Ramones, estão lá. Bem colocadas, em uma sequência de músicas que seguem uma característica de tantas bandas de rock americanas: te divertem enquanto inundam seu dia com desesperança enlatada.

O Green Day teve a consistência que os Ramones não tiveram, sempre correndo atrás do “som do momento”, principalmente durante a década de 80. E é justamente por isso, por aprender com os erros dos seus mestres, que a banda merece um lugar confortável e respeitoso na história do rock americano. E também, do punk rock.

Eles fazem o melhor que podem, com o que tem.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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