Tatá Aeroplano fala sobre o dançante e onírico “Boate Invisível”
Mestre do underground paulistano lança nesta sexta-feira seu disco na Casa Rockambole, em São Paulo
Um disco totalmente criado em sessões de ensaio, ao lado de sua banda, celebrando o fim da pandemia. Boate Invisível “é aquela boate imaginária, que você inventa na cabeça, quando está dançando sozinho”, contou Dustan Gallas, produtor e parceiro de Tatá Aeroplano há anos, sobre o conceito que acompanhou o disco desde sua gênese, ainda em tempos de lockdown pandêmico.
De letras, arranjos e timbres notáveis, Boate Invisível é o mais novo álbum de Tatá, que terá show de lançamento nesta sexta-feira, 08, na Casa Rockambole, em São Paulo. O músico, acompanhado de sua banda, apresentará seus vários hits de carreira ao lado das canções da Boate, dançantes e ao mesmo tempo introspectivas. A paulistana Betina abre o show, também lançando disco novo.
A entrevista a seguir, com Tatá e Dustan, é um mergulho dentro do estranho processo criativo do álbum. Como num sonho, somos levados a passear por essa tal “boate invisível” — uma “declaração de amor aos movimentos oníricos da dança”.
Jota Wagner: Boate Invisível foi um álbum meio relâmpago. Saiu pouco tempo depois de Não Dá Para Agarrar (ambos em 2023)…
Dustan Gallas: Este álbum estava sendo trabalhado durante a pandemia. Quando apareceu essa brecha [do lockdown], a gente resolveu fazer o Não Dá Pra Agarrar. Tivemos que escolher qual lançar primeiro. Como o Boate Invisível é mais um álbum “de show”, ficou para depois. Foi tudo meio relâmpago.
Tatá Aeroplano: Boate Invisível veio de uma ideia do Dustan, de ter sido inteiro feito do nada, em sessões de estúdio. Todas as músicas foram feitas assim. Chegávamos com uma tela em branco, e as composições foram todas coletivas. Foi tudo criado dentro do estúdio, com quem estava lá. Foi surpreendente.
Dustan: A gente já falava sobre fazer isso desde o tempo de Delírios Líricos… Queríamos fazer um álbum de um jeito diferente, nos confundir um pouco.
Tatá: é como se todos, juntos, estivessem escrevendo um livro. A única orientação [para Boate Invisível] é de que tínhamos de fazer um disco dançante.
Dustan: Eu e o Tatá temos essa coisa de pista, de discotecar… Está no nosso DNA. Um amor por músicas dançantes. Há anos conversamos sobre isso.
Por ser mais voltado para a pista, com muitas sonoridades dos anos 80, dá para dizer que é quase um projeto paralelo? Ou foi o Tatá que mudou mesmo, para sempre?
Tatá: Talvez seja demais emendar mais um processo desses na sequência. Escrever canção é algo que, na hora, ela vem e você faz. Mas esse processo do novo disco é tão vivo, tão legal, que vai para um caminho de uma banda que escutei bastante, como Pixies, Beatles… Grupos que fazem propostas de ousar e mudar de um disco para outro. Acho que dá para fazer mais vezes, quando pintar o momento.
Você disse, uma vez, que este álbum era para sair com o avatar do Frito Sampler (alter ego de Tatá para músicas mais eletrônicas)…
Tatá: Não, não…
Então foi papo de louco no meio da pista…
Dustan: Pode ser! (risos)
Tatá: O Frito participa desse disco na forma de feature. Tem umas participações dele aqui e ali, faz uma coisinha e vai embora.
Agora, o papo ficou mais louco ainda
Dustan: Eu não tenho essa ligação do disco com os anos 80. Se eu fosse ligar com alguma década, seria mais com os anos 90. Mas eu acho que eu sei o porquê da sua identificação. Se for sintetizar, Boate Invisível é um álbum feito por pessoas que cresceram nos anos 80 usando uma metodologia dos anos 70… Talvez por causa dos synths… Não tem nenhuma bateria eletrônica.
Hoje em dia a gente tem a coisa do home studio, onde cada um grava de casa, em fragmentos. Vocês acham que esse processo que vocês propuseram é um protesto a esse novo jeito de fazer música?
Dustan: A ideia de todo mundo ir para o estúdio sem música, na verdade, era de se afastar do “objeto” canção, onde existe um pré-direcionamento e um conceito sobre onde ir, musicalmente, e se aproveitar da nossa simbiose musical e pessoal. É o disco ser a gente, mais do que as músicas serem o disco.
Como foram feitas as letras?
Tatá: Muita coisa aconteceu ao mesmo tempo. Quando marcávamos essas sessões, todo mundo chegava no estúdio lá pela uma da tarde e começava as criações. Um puxa algo na batera, todo mundo segue, ou o Dustan no piano… Algumas coisas então, me vêm na hora, com letra e melodia.
Dustan: Tem um diferencial que é a chave para tudo ter dado certo. O microfone ficava aberto, e o Tatá participava junto. Tudo valendo, inclusive para fazer as letras espontaneamente. Nas sessões gravadas tem a história da criação todinha, inclusive com os diálogos, as pausas, etc.
Vocês se reunindo para gravar juntos, um momento em que os dois estavam voltando a sair à noite… Boate é uma espécie de vômito cintilante pós-pandêmico, um deslumbre com o momento?
Dustan: É um disco sobre dança. Antropologia de boteco.
A maioria da apreciação contemporânea de música não é mais para dançar, e sim, para olhar. Você sai para ouvir música e olhar quem tá tocando, mas não o dançar. Fazemos show em uma festa para 200 pessoas e tem três dançando. As outras estão assistindo.
Ter um repertório mais dançante foi uma escolha. Tem mais sete músicas feitas no mesmo processo que ficaram de fora.
Tatá: Na pandemia, a gente frequentou um clube, que era o seu programa, No Mato, toda sexta-feira…
No Mato com Jota Wagner foi um programa de rádio (feito por este entrevistador) que foi ao ar todas as sextas-feiras durante a pandemia, transmitido pela Mutante Radio. O qual (que honra!) tinha Tatá e Dustan como ouvintes assíduos
… então, quando a gente começou a sair novamente, apaixonados por música, notamos que a Boate Invisível é uma declaração de amor a esse movimento da noite, dos encontros, da pista, de uma certa cena que se desenha no underground. Amor à música, à dança e à vida. O momento em que a gente sai, encontra os amigos e revive a noite. O disco traz este fragmento.
Dustan: Boate Invisível, esse arquétipo da boate que a gente tem na mente. Esse lugar maravilhoso, de música, com aquela cor e cheiro de ouvir música. É uma projeção desse desenho. Essa boate pode estar em qualquer lugar, inclusive dentro da sua cabeça, ou melhor, do seu coração. Parece subjetivo, mas esse lugar é muito real para mim.
Tatá: Malu Maria [cantora e esposa de Tatá] veio com essa ideia. Estávamos juntos e ela falou: “isso é uma boate invisível”. “Céu de estrelas no chão da boate invisível” foi trazido por ela. Quando esse nome veio, concentrou tudo. Algo dadaísta, em que o inconsciente, o surrealismo e o happening estão presentes. Nada pensado, estamos dentro do negócio.
Sonho de Artaud é uma obra-prima. É como uma canção de ninar depois de se estar voltando da boate invisível. Como surgiu essa música?
Dustan: Não é a volta, mas a ida para a vida real. Começa com aquele timbre maluco, interminável, mas que não cansa. Eu tinha acabado de comprar um tecladinho. Ele é supercomplicado, a ponto de, antes de ir para o estúdio, eu ter ficado uma semana preparando os timbres. O sistema de síntese era muito complexo. Quando levei o teclado para o estúdio, os timbres tinham se apagados, todos.
Então, descobri um botão que resetava tudo, e eu fiquei testando e conhecendo tudo, enquanto gravava. Tem uns dez timbres na mesma música, que eu não conhecia enquanto tocava. O que saiu não foi nada do que eu tinha programado.
Tatá: Quando ele começou a fazer esses sons, todo mundo parou e ficou prestando atenção. Achei maravilhoso. A música é sobre esses momentos. Eu tinha acabado de ler a biografia do [poeta Antonin] Artauld.
Você tem o hábito de anotar sonhos né, Tatá? O que disso se desenvolve para uma letra de música?
Tatá: Sonho de Artaud veio dessa biografia de 1.500 páginas dele, que li durante anos. Foi essa geração que demonstrou interesse pelos sonhos, no ocidente. Através do inconsciente, você estabelece uma relação muito clara com a vida. A psicodelia é um pouco isso.
Para a música, fiquei imaginando uma cena, vendo o Messi jogar… Ele é um dançarino. Ele trabalha em fragmentos que não são fragmentos da realidade. Um processo totalmente onírico. Garrincha… O momento de Fred Astaire, Chaplin… Momentos de dança e movimento. Não é corriqueiro. Pessoas fora da proposta atual da existência contemporânea.
Dustan: A música brasileira vive um momento de ser muito observadora do mundo, descritiva, literária. Conta uma história. Uma coisa de crônica. O núcleo criativo da fase mais rica da música brasileira era muito poético, metafórico. Tem pouca coisa acontecendo assim, no tempo atual. Na música de outros países não tem muito isso. Quem cria o sentido da letra é quem está escutando, e não uma imposição do que está sendo contado. Queríamos isso dentro do nosso material. As letras como parte do cenário, e não uma descrição sobre o conteúdo do cenário.
Serviço
Tatá Aeroplano lança Boate Invisível (abertura de Betina)
Horários: Abertura da casa, 21h; Betina, 22h30; Tatá Aeroplano, 00h; Encerramento, 02h
Local: Casa Rockambole: Rua Belmiro Braga, 119 – Pinheiros, São Paulo/SP
Ingressos: Via Sympla (meia entrada social disponível para todos)