Dia dos Mortos México Foto: Reprodução/Internet

Muertos, que nada! Por que o México tem a cena musical mais vibrante da América Latina

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Nos últimos 30 anos, o país virou o lugar onde “todo mundo quer tocar”

Hoje, o México celebra seu um dos feriados mais importantes de sua cultura, o Dia de Los Muertos. Segundo a tradição local, entes queridos recebem autorização divina para visitar o mundo dos mortos. É por isso que, na cultura mexicana, o dia é de celebração e festa.

Claro que a colonização espanhola demandou um sincretismo ritualístico, misturando símbolos e tradições católicas com o ancestral costume de festejar a memória de quem já foi “para o outro lado”. Um roteiro que chama a atenção de todo o mundo.

Onde tem festa, tem música. E nesse quesito, o México tem reinado na América Latina. Homenageando, à distância, o festivo dia de nossos irmãos americanos, vamos explicar como o país se transformou em um lugar tão próspero para o mercado musical, a ponto de abraçar artistas de todo o continente, inclusive brasileiros.

México

Desfile de Dia de Los Muertos, no México. Foto: Reprodução/Internet

A cena musical mexicana

— Já toquei em 23 países, e o México é o mais legal, o mais divertido — conta o guitarrista Gabriel Thomaz, líder da banda Autoramas (que anunciou uma pausa nas atividades a partir de 2023). Thomaz já excursionou três vezes pela terra das quesadillas.

— Toquei no festival Vive Latino, que é maior do que o Rock in Rio. Tem muita coisa rolando, de todos os gêneros. Muita saudade de lá!

A paixão pelo cenário mexicano é unânime. O país virou parada obrigatório para artistas de todo o mundo, inclusive brasileiros, e vive aquela efervescência tamanha em que parece haver espaço pra geral — desde os ritmos folclóricos mais tradicionais ao rap e o punk.

banda Autoramas

Autoramas. Foto: Divulgação

O que fez do país essa potência latina?

Vários fatores contribuíram para o momento em que o México vive hoje no mercado musical. Conversamos com algumas pessoas que conhecem de perto a vida cultural de lá para entender os motivos que colocaram o país no topo da America Latina — tanto no consumo online, quanto em shows e festivais.

Avanço econômico

Em três décadas, a economia no México cresceu 2% ao ano, de forma constante (com exceção do período pandêmico), e incluiu uma enorme parcela de seus 130 milhões de habitantes em novos hábitos de consumo. Para se ter uma ideia, rapidamente se tornou a população que mais consome horas de streaming pago no planeta.

Lá, 67% de toda a música ouvida em plataformas vem de contas pagas, número maior do que a Suécia. A inclusão também possibilitou o aumento de público em shows e festivais, possibilitando eventos gigantes como o Vive Latino e o Corona Capital.

Grandes aglomerações urbanas

Muita gente espremida em centros urbanos (e a pouca distância entre eles) facilita o intercâmbio entre culturas, além das turnês internas. Artistas independentes conseguem pagar os custos de uma viagem internacional.

Guillermo Vega, o Guille, vocalista e guitarrista da banda argentina de ska El Zombie, por exemplo, já foi cinco vezes ao México, tocando em cidades como a capital, Cidade do México (o que inclui o próprio Vive Latino), Guadalajara e Monterey.

— O público é parecido com o brasileiro, bem quente. Além disso, o mercado de música em espanhol é o maior do mundo. As pessoas por lá são muito curiosas. O ska conquistou muita gente!

El Zombie

El Zombie. Foto: Divulgação

Proximidade com os Estados Unidos

Por fazer fronteira com outro mercado musical gigantesco, México e EUA trabalham quase de que forma unificada. Artistas em turnê americana incluem o país latino em suas datas. Na mão contraria, artistas mexicanos têm facilidade em excursionar no vizinho. Com o tempo, o intercâmbio vai sofisticando a informação cultural dos mexicanos, que consomem de tudo.

— Tirando o Brasil, o México é o país latino-americano que tem a indústria musical mais consolidada e desenvolvida. Ele e a Argentina sempre estiveram muito à frente dos demais, por terem canais de distribuição para escoar uma produção cultural diferente. O mercado mexicano está segmentado há muito mais tempo, permitindo que estilos diferentes prosperem — explica Leonardo Vinhas, um dos grandes especialistas brasileiros em música latina e colunista do Music Non Stop.

— Não há monopólios de cultura ou pequenas forças regionais como vemos no Brasil. A facilidade que se tem, hoje em dia, em tocar e gravar música, também impactou para uma cena mais forte, vibrante e diversa.

Outro colunista do MNS apaixonado pelo país é o produtor Bruno Montalvão, da IndieAmérica.

— O México tem uma cena musical fortíssima, pautando quase tudo o que se ouve e é sucesso na América Latina. O indie rock está presente nesse movimento com muita força. Diversas bandas surgem, muitas são excelentes e já se destacam internacionalmente. É o caso de El Shirota, Bratty, Margaritas Podridas, Mint Field, Petite Amie, MENGERS, Los Blenders, Son Rompe Pera e Vondré.

MENGERS México

O trio mexicano MENGERS. Foto: Reprodução/Internet

— Mas por que isso acontece? — continua Bruno. — Muito se dá por conta da situação geográfica do país, localizado no Centro das Américas. Outro ponto é a língua que une todo o continente, com exceção do Brasil. Junte-se a isso o fato de TODAS as grandes gravadoras internacionais terem sede na Cidade do México, o que torna a indústria musical muito forte. E por fim, os grandes festivais que acontecem no México e levam os mais relevantes artistas da América Latina e do mundo, com eventos que acontecem durante todo o ano. Isso fomenta e aquece a cena de uma maneira incomum.

Além disso, o apoio das grandes marcas é um fator-chave para o desenvolvimento por lá. Os maiores festivais têm, por trás, o apoio de companhias que do setor de telecomunicação ao de alimentos e bebidas refrigerantes.

Deu inveja? Saiba que o Brasil, em números absolutos, ainda é o maior mercado da América Latina. No entanto, quando é feita a contagem per capita, a taça fica, sim, com nossos amigos lá do norte!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.