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Dia Mundial do Techno: confira 150 clássicos seminais do gênero

Laerte Castagna
Por Laerte Castagna

Nota do editor: Pode não parecer, mas o techno é tão significativo na sociedade que ele tem um dia próprio, celebrado globalmente todo 09 de dezembro. Para homenagear este Dia Mundial do Techno, o colaborador do Music Non Stop e especialista no tema Laerte Castagna compilou nada menos do que 150 clássicos definidores do estilo, de 1985 até 2005.

Puristas, atenção: algumas faixas não pertencem devidamente ao gênero, mas foram relevantes dentro do seu contexto, vindo a bombar nas pistas que definiram o que seria o techno dali em diante. A playlist está disponível na íntegra pelo player do YouTube abaixo, seguida pela lista completa, com a respectiva descrição de cada escolha.

Sem mais delongas, deixo-os com esta pérola escrita e curada por Castagna.


Competição entre objetos aparentemente sem possibilidade de aferição, como obras artísticas, coloca em prova critérios impossíveis de comparação, como talento, estética ou criatividade, além do componente subjetivo do gosto ou o efeito que causa ao ouvinte.

Contudo, sempre há características mais objetivas que podem ser consideradas, tais como pioneirismo, relevância ou sucesso. Para a música de pista, um ingrediente extra se faz presente, que é justamente a força dessa particularidade que a define, o seu poder de fazer dançar.

Pois usamos esses e outros parâmetros para selecionar as tracks que melhor representam um gênero que foi praticamente inventado por três jovens de Detroit. Fizemos uma playlist com 150 faixas de seu período clássico, desde as primeiras gravações em 1985 até 2005, em ordem estritamente cronológica.

Além da indissociável conexão com o electro e a irmandade com a house, incluímos também alguns sons icônicos de vertentes como o trance, hardcore, breakbeat e mesmo o pop. Seguimos o método de escolher apenas uma música por artista, para obter maior diversidade.

Afaste as mesas e cadeiras, apague as luzes, aumente o som e boa viagem!

150 clássicos do techno (1985–2005)

1. Model 500 – No UFO’s (D-Mix) [Metroplex, 1985]

O mais velho dos três de Belleville, Juan Atkins fundou ao lado de Richard Davies, em 1980, a pioneiríssima Cybotron, já com algumas faixas do que poderia ser chamado de proto-techno. Após sair da banda, em 1983, Atkins passa a produzir sozinho sob vários pseudônimos. No Ufo’s é seu primeiro single como Model 500, e apresenta os elementos da inovadora música que estava se criando em Detroit — robótica, sintética e dançante —, com seus temas preferidos: ciência, espaço e futuro.

E se a original já é excelente, a assombrosa D-mix é ainda melhor — um diamante alienígena escondido no lado B da espetacular Night Drive, do segundo disco. Ainda hoje à frente do tempo.

Poderia ser também: The Chase, Alleys of Your Mind, Clear.

2. The House Master Boyz And The Rude Boy Of House – House Nation [Dance Mania, 1986]

Apesar de não ser um techno, a cacetada de Farley “Jackmaster” Funk até hoje causa estrago em clubes, raves e salões do mundo todo. Farley Keith Williams já colocava fogo em Chicago e havia produzido outros dois grandes sucessos, Jack the Bass e Love Can’t Turn Around — esta, uma das primeiras músicas vindas da cidade a entrar no top 10 nas paradas do Reino Unido, fato que repetiu com House Nation.

Dizem as más línguas que Farley meio que surrupiou essa faixa e Jack My Body de Nick Non Stop.

3. Rhythim is Rhythim ‎- Strings Of Life [Transmat, 1987]

Com seu marcante loop de piano costurado pelos frenéticos samples de cordas e baterias eletrônicas, Strings of Life é uma das mais reconhecíveis faixas de techno de todos os tempos, e a principal produção de Derrick May. Diz a lenda que o nome foi sugestão de Frankie Knuckles, que adorava a faixa, muito selecionada por DJs de house e que fez enorme sucesso na Europa durante o segundo verão do amor.

Seu legado permanece, mas o de May desabou em 2020, quando foi acusado de agressão sexual, que ele nega e credita a uma armação de Michael James, autor do piano da faixa, em suposta vingança por não ter sido pago. Não colou, May foi cancelado e não toca desde então. Confesso que aprecio bem mais Nude Photo ou The Dance, porém, sob o critério de relevância, Strings of Life é imbatível.

4. Mr. Fingers – Stars [Alleviated, 1987]

Outra que não é um techno raiz, sendo mais associada ao deep house de Chicago, Stars teve grande impacto na cena de Detroit na metade dos anos 80, servindo de inspiração para muitas produções do gênero que nascia na cidade.

Uma espiral de gotas sintéticas vai pingando sobre uma agradável sequência melódica, cortesia de Mr. Fingers, alcunha do pioneiríssimo Larry Heard, verdadeira lenda da terra da house music e autor de hits como Mistery of Love, Can You Fell It e Washing Machine. Garantia de boas vibrações em qualquer pista.

5. Frankie Knuckles – Your Love [Trax, 1987]

Como podemos perceber, sempre houve uma saudável convivência entre os gêneros pioneiros da música eletrônica com a turma de Detroit, que frequentemente se alimentava do que faziam seus irmãos mais velhos de Chicago — porém, essa era uma via de mão dupla.

Knuckles mudou-se de Nova Iorque para Chicago para se tornar lenda no Warehouse, clube de onde a house music recebeu o nome. Your Love, essa maravilha de Jamie Principle e Knuckles é deliciosamente sensual, um arraso em qualquer set de qualquer estilo e mais um clássico da house a invadir o território do techno.

6. Blake Baxter – When We Used To Play (Unreleased Remix) [network, 1988]

Muito se fala sobre os três pioneiros de Detroit, mas frequentemente, outro batedor é esquecido quando se conta a história do techno, o que é uma injustiça, pois Blake Baxter é um dos grandes produtores da primeira onda.

Muitas vezes chamado de “Príncipe do Techno”, começou a tocar na metade dos anos oitenta e realiza excelentes trabalhos desde então. Baxter se destaca pelas boas programações de bateria eletrônica TR-909 e baixos simples mas eficazes, como podemos apreciar em When We Used To Play.

Poderia ser: Body Work, One More Time (Acid Mix)

7. Phuture – Acid Tracks [Trax, 1987]

Em 1987, quando uma molecada descobriu que um defeito do sintetizador de baixo TB-303 era perfeito para turbinar as produções hipnóticas que estavam criando em seus estúdios caseiros, mal sabiam que o novo brinquedinho criaria uma vertente que assolaria as pistas de todo o planeta, a acid house.

De novo em Chicago, DJ Pierre, Herbert Jackson e Spanky, produzidos por Marshall Jefferson, eram o Phuture, e sua Acid Tracks é a pioneira no gênero. Também poderíamos ter escolhido We Are Phuture, que estaria tudo certo.

8. Armando – Land Of Confusion [Westbrook, 1987]

Nascido em Chicago de raízes afro-cubanas, Armando teve papel primordial na construção da acid house na cidade. Aos 16 anos já discotecava, fazia festas em porões, mixava ao vivo em programas de rádio e, pouco depois, lançava suas primeiras produções, como 101% of Disin’ You e 151.

É tratado com reverência por grandes nomes, do parceiro Mike Dunn a Paul Johnson, e ajudou a lançar e produzir artistas como Ron Trent, Robert Armani e DJ Rush. Ouça a seminal Land of Confusion, de seu primeiro EP — um marco que iria ajudar a disseminar o ácido pelo planeta.

9. M|A|R|R|S – Pump Up The Volume – [4AD, 1987]

Quando pensamos em projetos musicais com aquele jeitão de picaretagem, logo imaginamos bandas fabricadas popularescas, tidas muitas vezes como de pouca qualidade, mas nem sempre isso é verdadeiro. O M|A|R|R|S é um grupo inventado pela mente de Ivo Watts-Russell, um dos fundadores da cultuada gravadora 4AD, que sugeriu a junção de membros das bandas Colourbox, A.R. Kane e Terminal Cheesecake, mais os DJs Chris “CJ” Mackintosh e Dave Dorrell.

Os DJs separaram duas centenas de samples, as bandas nunca se encontraram durante as gravações e tudo foi costurado em estúdio pelo produtor John Fryer, do This Mortal Coil, que, aliás, é outro grupo que pode-se dizer que faz parte do projeto, já que Watts-Russell é seu fundador.

Quando Pump Up The Volume saiu para as ruas, foi direto para o topo das paradas, um dos mais estrondosos sucessos de uma música feita praticamente com colagens de samples. A banda vendeu milhões de discos, e o sucesso meteórico aliado ao dinheiro e a muitas cabeças diferentes só podia dar em uma coisa: brigas, processos e o fim do grupo após apenas esse single. Sobrou a canção, eterna e mortal em uma pista de dança.

10. A Guy Called Gerald – Voodoo Ray [Rham!, 1988]

No fim dos anos 80, a acid house atravessava o Atlântico e infestava a Europa e, mais particularmente, a Inglaterra, onde é consumida avidamente. Logo estava sendo produzida por artistas como Gerald Simpson, membro fundador da seminal 808 State, grupo que abandona bruscamente logo após o primeiro álbum.

Sob o pseudônimo de A Guy Called Gerald, cria esse verdadeiro hino, que explodiu no mitológico The Haçienda e ecoou pelo mundo todo. Não é à toa que é considerada uma das maiores faixas de dance music de todos os tempos.

11. Inner City – Big Fun [KMS, 1988]

Projeto de Kevin Saunderson com vocais de Paris Grey, o Inner City fez história como a primeira vez que a turma de Detroit atinge o primeiro posto da parada dance nos Estados Unidos. Big Fun entra no top 100 do mainstream, e o álbum, Paradise, alcança a terceira posição no Reino Unido.

Foi importantíssima para a divulgação do techno, até então restrito à uma subcultura underground, entre o grande público. Porém, o mais importante é que não dá para ficar parado quando qualquer faixa do disco estiver tocando. Poderia facilmente ser Good Life, que já iria ter gente subindo na mesa.

12. D-Mob feat Gary Haisman – We Call It Acieed [FFRR, 1988]

Outra faixa que alcança o primeiro lugar na Billboard e terceiro na parada de singles na Inglaterra. Composta pelo produtor inglês D-Mob e com vocais de Gary Haisman, We Call It Acieed teve o vídeo banido das TVs inglesas por estimular o uso de drogas.

Curiosamente, a faixa não usa a icônica TB-303 na sua construção, mas seu antológico refrão dá conta tranquilamente do recado. “Acieed! Acieed! Acieed!”

13. Humanoid – Stakker Humanoid [Rephlex, 1988]

O Humanoid teve vida curta, porém o suficiente para impulsionar mais uma representante da acid house para o topo das paradas britânicas. O projeto era uma parceria de Brian Dougans com artistas de vídeo, e terminou por disputa sobre direitos autorais. Dougans saiu para formar, ao lado de Garry Cobain, outra instituição da música eletrônica, o Future Sound of London.

Stakker Humanoid é absurdamente legal, uma construção perfeita com seus apitos, quebradas e suculentos timbres da TB ensandecida. Poucas chegam perto.

14. Bam Bam – Where is Your Child [Desire, 1988]

Após o segundo verão do amor e na contramão das músicas alto astral e ensolaradas, Bam Bam aparece com essa ácida e sinistra faixa, com direito a bebês chorando, vidros quebrando e carros acelerando. Tudo enquanto um vocal grave com o pitch derretendo avisa: “não deixem suas crianças saírem à noite, elas não sabem distinguir o certo do errado”.

Ouve-se gargalhadas e a voz, quase sádica, repetindo insistentemente a pergunta: “where is your child?”.

15. Orbital – Chime [Oh’Zone, 1989]

Aqui temos um exemplo de um clássico que extrapola as definições de estilos e emerge do underground para se tornar gigante. Chime, single de estreia do Orbital, continua inabalável em seus mais de 12 minutos como uma das melhores faixas de música eletrônica de todos os tempos.

Dela, o superduo parte para ser um dos primeiros a atingir o estrelato, recebendo a mesma atenção das grandes bandas e passando a tocar em palcos principais de grandes festivais como Glastonbury. Dentre muitas de seu vasto acervo, ainda poderíamos ter selecionado Belfast ou Halcyon And On And On.

16. Lil’ Louis – French Kiss [Diamond, 1989]

A dance music é fertil em apresentar versões sensuais, eróticas ou mesmo sexuais de canções, porém poucas alcançam o ponto com tamanho êxito quanto Lil’ Louis na icônica French Kiss.

A faixa tem um dos riffs mais marcantes da house music, além de apresentar algo pouco usual e bastante inusitado — a mudança do BPM da música, bem no momento em que um vocal feminino despeja uma carga de deliciosos gemidos extremamente sugestivos.

17. The Black Dog – Ambience With Teeth [Black Dog Productions, 1989]

Essa é uma daquelas maravilhas que infelizmente não são tão conhecidas como deveriam, e como justificativa, são usados termos batidos tais quais “cerebral” e “à frente de seu tempo”, como muito do que o The Black Dog tem realizado desde sempre.

Contudo, o grupo realiza algumas faixas perfeitas para uma pista, numa maravilhosa equação entre relaxamento e pulso, conduzindo cenários nervosos ou belos, ocos ou densos, em ritmos hipnóticos e esfacelados, sempre inevitavelmente eficientes. Perfeito para carregar a mente enquanto bate suavemente o final da festa.

Poderia ser: Olivine, Techno Playtime, Psycoscene, Parallel ou Squelch, que a viagem estaria garantida.

18. 808 State – Pacific State [ZTT, 1989]

Mais um nome que extrapola as fronteiras do que é underground ou mainstream, house ou techno, trance ou pop. Tirando seu nome do icônico sintetizador da Roland (TR-808), a banda de Manchester 808 State é uma considerada uma das pioneiras da acid house, mas coloca no caldo muito breakbeat, buzinas e até guitarras.

Acerta em cheio em Pacific State, que, com sua sonoridade calma e viajante, traz a brisa do mar para a pista, com direito a gaivotas, saxofone de pôr do sol e tudo mais. Foi nessa mesma época que surgiram músicas para desacelerar, perfeitas dominar os chillouts, antes que o termo se tornasse sinônimo de som plastificado, massificado e sem graça.

Um dos membros do 808 State, Gerald Simpson, o Guy Called Gerald, saiu acusando o grupo de roubar-lhe essa track. Bafo (de maresia)!

19. Psyche – Crackdown [Transmat, 1989]

Com a chegada dos 90, passamos a ter produtores ainda mais técnicos e sofisticados, como é o caso de Carl Craig, que amplia a bagagem do techno com muito jazz, soul, funk e camadas de ambient music. Entre seus muitos aliases está o Psyche, com sonoridade orientada para as pistas, porém bastante cerebral e sempre com elegância e bom gosto.

Praticamente impossível escolher entre Elements, Galaxy, No More Words ou suas ótimas produções como Paperclip People: Throw, Clear And Present, The Climax, Oscillator, Landcruising, Sandstorms… Vamos de Crackdown, obra-prima  futurista com belíssimas camadas de sintetizadores, trabalho impecável nas baterias e um suave vocal feminino. Sublime.

20. Steve Poindexter – Computer Madness [Muzique, 1989]

Um belo exemplo de como uma criação simples e com poucos elementos pode funcionar maravilhosamente bem, Computer Madness é uma marcação de chimbal de TR-909 numa base reta, só para deleite dos filtros, reverbs e ruídos de videogame.

Está no Lado B do segundo EP de Steve Poindexter, Work That Mutha Fucker, outra gema preciosa que pode ser considerada a pedra fundamental do que seria chamado “ghetto house” em Chicago.

21. Frankie Bones – Call It Techno [Breaking Bones, 1989]

O nova-iorquino Frankie Bones é figura ímpar, atuando em todas as posições do tabuleiro, e a emblemática Call It Techno conta um pouco de sua história. Começou a colecionar discos ainda moleque, atravessando a linha de trem para ir aos sebos no então perigoso Brooklyn, em Nova Iorque.

Nos anos 80, passou a discotecar e produzir, tendo como parceiro Lenny Dee. Em 1989, tocou para 25 mil pessoas na festa Energy, em um hangar de Suffolk, na Inglaterra — um marco na história das raves, influenciando muita gente no país, como Liam Howlett, do The Prodigy.

Apesar disso, o techno não era popular em sua terra natal, e Bones voltou e passou a fazer festas em NYC. Ao lado do irmão, o cabeçudo Adam X, abriu a melhor loja de discos do gênero, a Sonic Groove, mesmo nome do selo que passaram a comandar.

Para completar, cunhou o termo P.L.U.R., acrônimo de paz, amor, união e respeito, quando, ao observar uma briga na pista, pegou o microfone e mandou: “Se vocês não começarem a mostrar um pouco de paz, amor e união, vou quebrar suas caras!”. Legendário!

22. Suburban Knights – The Worlds [Transmat, 1990]

Outra figura chave a surgir na primeira onda em Detroit foi James Pennington, que utiliza o nome de Suburban Knight, um mestre em explorar climas e timbres sombrios. Com uma produção relativamente escassa em quase 40 anos de carreira, concentra seus esforços em um excelente trabalho como DJ.

Apesar de sucinta, sua lista de produções inclui a coautoria de Big Fun, hit absoluto do Inner City ao lado de Kevin Saunderson, além de faixas matadoras como Nocturbulous, The Art Of Stalking, The Groove, Maroon, mais The Warning, Stargate e a sensacional Mau Mau, que assina como Dark Energy.

Com a segunda onda de Detroit, ele se tornou referência entre os novos nomes, e é considerado uma espécie de mentor para Mike Banks e o Underground Resistance.

23. The Age of Love – The Age of Love [DiKi, 1990]

Com tanta substância na cabeça e na onda do segundo verão do amor, não demorou para surgir mais uma vertente de música eletrônica focada na viagem em si. Assim, o trance aparece na virada da década de 1990. Como aconteceu com a house, muitas faixas do novo estilo estavam presentes nas cases dos DJs de techno, o que nos leva a concluir que não é de hoje que techneiro também ouve trance.

The Age of Love está entre as mais importantes do início do gênero, e uma das mais interessantes. Produzidas por dois italianos, podemos notar a forte herança de Giorgio Moroder e da italo disco em nova abordagem condizente com aquele momento, e que ainda soa atual.

24. The KLF – What Time Is Love (Love At Trancetown) [KLF Communications, 1990

No auge da porra-louquice toda, eis que surge The KLF, dupla formada por Bill Drummond e Jimmy Cauty, uma das instituições mais anárquicas na história da música, capturando influências que vão da Internacional Situacionista ao ocultismo.

Suas tacadas incluíam anúncios subversivos em outdoors e na NME, uma performance insana ao lado do Extreme Noise Terror no BRIT Awards, em 1992 — com direito a ovelha morta arremessada no after da festa —, e a megalomaníaca incineração de um milhão de libras esterlinas, em 1994.

Em seguida ,anunciam o fim do grupo e retiraram todo seu catálogo do mercado, voltando somente em 2021. What Time Is Love (Pure Trance) é de 1988, porém, a versão que estourou foi Love At Trancetown, poderoso breakbeat com trance e techno, pronto para incendiar qualquer cofrinho. 

25. LFO – LFO [Warp, 1990]

Mais uma dupla que usa um synth — no caso, um efeito — como inspiração para o nome, o LFO surge em Leeds e é um dos primeiros lançamentos da mitológica gravadora Warp, de Sheffield, de onde vieram Cabaret Voltaire, Clock DVA e Human League.

A Warp foi responsável por trazer ao mundo um novo gênero de eletrônica mais focado em construções intrincadas e experimentações, lamentavelmente batizado de IDM (Intelligent Dance Music).

Formado por Mark Bell e Gez Varley, o duo criava as faixas basicamente em cima de improvisações, mas com muita consistência, como na clássica LFO, que causou impacto em uma geração de produtores e DJs como Dave Clarke e Surgeon. Dizem que, literalmente, estourou muita caixa de som em clubes quando surgiu, devido a suas baixas frequências. Na dúvida, reforça o sub e pode colocar o selo de histórica nela.

26. Joey Beltram – Energy Flash [Transmat, 1990]

Com a preciosa matéria prima de Detroit e Chicago, Joey Beltram cria, num porão da sua Nova Iorque, a receita perfeita do techno pesado que iria servir de guia para uma linhagem inteira de produtores até os dias de hoje.

Algumas produções essenciais do gênero são a estupenda Mentasm, My Sound, Caliber ou Game Form, porém, sua obra máxima e definitiva é Energy Flash. A faixa destroça tudo por onde passa e resiste sem avarias aos seus mais de 30 anos, com sua bassline encorpada e marcante, chimbal abrindo e fechando, percussão pulsante, palmas sintéticas e um synth nervoso.

No vocal uma única palavra se repete: “Ecstasy!”. Xeque-mate!

27. Mescalinum United ‎- We Have Arived [Planet Core Productions, 1990]

A chegada do Mescalinum United com We Have Arrived é saudada como o primeiro hardcore techno da história. O estilo passou a dominar as raves no início dos anos 90, em uma verdadeira explosão de festas clandestinas por toda a Europa, particularmente na Inglaterra.

Pesada, barulhenta e repleta de sons distorcidos, We Have Arrived abriu caminho para uma nova leva de faixas cada vez mais sólidas, vindas da Alemanha, Bélgica e, principalmente, Holanda, onde se tornou a música preferida da juventude e gerou vertentes ainda mais rápidas e pesadas como gabba, hardstyle, terror e speedcore.

28. Ron Trent – Altered States – Afterlife EP [Warehouse, 1990]

O prodígio Ron Trent é mais um dos grandes produtores vindos de Chicago que, às vezes, é criminosamente subestimado no panteão da house music. Não deveria, como podemos constatar na espetacular Altered States, uma poderosa viagem de 13 minutos por uma base simples e crua, atacada por uma caixa de bateria frenética, percussão cheia de quebras e baixo encorpado. Diz a lenda que ele produziu a faixa quando tinha apenas 16 anos!

29. Robert Armani – Circus Bells [Dance Mania, 1990]

Outro maestro do acid, Robert Armani tem bala para muito baile, como atestam as frenéticas Ambulance, Hit Hard e Acid Traxx. O gênio mais mal-humorado do techno foi batizado de Robert Woods em Chicago, mas na Itália, recebeu o sobrenome Armani, por gostar de se vestir com os elegantes trajes da grife milanesa.

Nossa escolha vai para Circus Bells, verdadeiro hino ácido, pronto para enlouquecer a audiência sempre que toca.

30. Moby – Go (Woodtick Mix) [Instinct, 1991]

O mais popular artista eletrônico a surgir nos Estados Unidos, Richard Melville Hall, ou simplesmente Moby, extrapolou os limites do pop pouco antes dos anos 2000, levando para as massas suas produções impecáveis, em misturas com toques de música clássica com soul, blues e ficção científica, em uma eletrônica belíssima.

Muito antes desse momento, ele chegou com os dois pés no peito e, logo no primeiro single, nos entregou essa maravilha, tocada e abusada em tudo quanto foi lugar desde então. Tudo funciona em Go, do ritmo pulsante aos teclados climáticos, dos samples da trilha de Twin Peaks, de Angelo Badalamenti, aos gritos de “Yeah!”, de Jocelyn Brown, e “Go!”, de Tones On Tail. Vital.

31. T99 – Anasthasia [XLR, 1991]

Um dos principais portos seguros do techno ao chegar na Europa, a Bélgica sempre contou com excelentes produtores e DJs. O país já tinha grande tradição em EBM e no chamado new beat, gênero que remonta às origens do T99.

O duo é um daqueles casos de one hit wonder, em que os artistas lançam um sucesso tão grande e nunca mais conseguem superar o feito. Mas pelo menos foi o suficiente para a track bombar em toda parte, tendo importante papel em ajudar a moldar os timbres do nascente hardcore.

32. Human Resource – Dominator [80 Aum, 1991]

Não adiantava. Por mais que você tentasse correr ou se esconder, em 1991, estava tudo dominado pelo hardcore, e a molecada pirava em sons como essa pedrada dos holandeses do Human Resource e seus ruídos motorizados.

São considerados os primeiros a usar o som do aspirador (hoover), um preset do sintetizador Juno, também chamado de mentasm (não por acaso, o título de um clássico de Joey Beltram). Na verdade, se as raves da época tivessem que ser definidas por um único timbre, este provavelmente seria o tal hoover.

A letra de Dominator é puro deleite: “I’m Bigger, and Bolder, and Rougher and Tougher, in other words, Sucker, there is no other… I’m The One And Only, Dominator!“.

33. Altern 8 – Frequency [Stafford (North), 1991]

Verdadeiro artefato nuclear, Frequency é uma das mais poderosas músicas de pista de todos os tempos, um porretada em forma breakbeat e hardcore; pesada, nervosa, dançante e extremamente contagiosa. Deve ser por isso que os integrantes do Altern 8, os ingleses Mark Archer e Chris Peat usavam máscaras e roupas anti-infectantes. A faixa se espalhou como uma praga e foi exaustivamente tocada em clubes e raves do mundo todo durante os noventa e ainda hoje causa sequelas em pistas onde é executada. Seus samples de Aretha Franklin e dos supracitados T99 são destruidores. Simplesmente essencial.

34. Eddie ‘Flashin’ Fowlkes – 420-Low [Tresor, 1991] 

A cena inicial em Detroit era muito restrita, com um número de produtores realmente pequeno. Contudo, além dos três de Belleville, é preciso destacar Eddie Folkes, não tão conhecido quanto os outros, mas nem por isso menos talentoso. É dele uma das primeiras faixas do gênero, Goodbye Kiss. Porém, aqui selecionamos a energética 420-Low, com sua batida pesada e timbres nervosos, bem ao gosto da freguesia do Tresor, mitológico clube de Berlim, por onde foi lançada.

A música integra o formidável álbum duplo do projeto 3MB (três homens em Berlim), com Moritz von Oswald e Thomas Fehlmann fazendo a conexão entre as duas capitais do techno, e que vale muito a pena conhecer. A dupla de alemães ainda tem outro 3MB, com “Magic” Juan Atkins.

35. U96 – Das Boot [Polydor, 1991]

Formado pelo alemão Alex Christensen e mais um time de produtores, o U96 explodiu nas paradas com essa releitura da música de Klaus Doldinger, para o tema do filme O Barco, Inferno no Mar, de 1981.

A versão é cheia de toques de hardcore, teclados climáticos e arpejos que remetem a Giorgio, Cerrone e Jean-Michel Jarre, tudo ancorado em uma batida forte e um vocal que conclama um S.O.S. pelo rádio: “Techno! Techno!”.

36. Aphex Twin – Digeridoo [R&S, 1992]

O cientista maluco Richard D. James, mais conhecido por Aphex Twin, é notório por levar os limites da música eletrônica para além do convencional, e frequentemente é associado a viagens cerebrais e “música para ouvir sentado”. Mas ele sabe como dosar esses elementos para construir verdadeiras bombas sônicas para embalar uma dança.

Sob o cognome Polygon Window, temos a faixa homônima, cabeçuda e labiríntica, perfeita para um bom DJ soltar em momento preciso e deixar todo mundo disparatado, porém, posta em mãos inábeis, pode causar a debandada do local devido seu caráter hermético.

Hoje, ficamos com Digeridoo, em que o produtor cria uma sonoridade similar ao instrumento aborígene para construir uma potente e avassaladora faixa que paulatinamente conduz ao êxtase, em um efeito narcótico e hipnótico.

Pena que só podemos escolher uma, pois poderia ser Flaphead, Polynomial-C, On, Come To Daddy

37. Jaydee – Plastic Dreams [R&S, 1992]

Outro caso de único sucesso de um artista dos Países Baixos — no caso, do holandês Robin Ayres, mais conhecido como Jaydee —, Plastic Dreams é um hit estrondoso que tocou exaustivamente em pistas, rádios e TVs do mundo todo.

Em seus mais de dez minutos de improvisação quase jazzística, um órgão Hammond brinca sobre uma base chacoalhante, pontuado por um synth grave como uma buzina de navio em eco. Funciona como poucas.

38. Hardfloor ‎- Acperience [Harthouse, 1992]

A experiência lisérgica chega ao ponto de danificar as estruturas de clubes e clubbers com a obra-prima dos alemães do Hardfloor, dupla formada por Oliver Bondzio e Ramon Zenker. E tome acid da melhor qualidade com essa detonadora de assoalhos que é Acperience!

Pouca coisa resiste após os nove minutos de artilharia das seis TB-303 usadas pela dupla na produção da track! Os artistas têm outra pedrada no remix de Circus Bells, do Robert Armani.

39. The Prodigy ‎– Out Of Space [XL, 1992]

Para demolir de vez qualquer edificação, basta colocar essa track em um soundsystem de primeira e notar como as pessoas são levadas ao delírio, em inevitável catarse. Com uma batida de breakbeat rasgada e um sample de Chase The Devil, do músico de reggae Max Romeo, Out Of Space é o quinto single do álbum de estreia do The Prodigy.

O grupo tem uma lista inteira de petardos que poderiam figurar nessa lista ou serem usados para arrasar uma cidade de porte médio, mas nenhuma causa tanto estrago quanto esta. Com o passar dos anos, o Prodigy se tornou um dos maiores e mais amados grupos de eletrônica do planeta, e um dos primeiros a atrair uma horda de roqueiros e fãs de punk, hardcore e metal em sua fanática audiência. Nada mais merecido.

40. The Martian – Stardancer [Red Planet, 1992]

Poucas coisas são mais arrasadoras quanto essa Stardancer, cortesia do “Mad” Mike Banks que extrapola toda sua fúria em forma de uma programação de TB-909 insana! Um bassline cavalar ameaçador conduz a jornada com energia, enquanto efeitos de synths psicodélicos despencam por toda a parte.

A faixa foi lançada pela histórica série Red Planet, dos mitológicos Underground Resistance. Nota-se grande semelhança no uso dos efeitos com a Stars de Mr. Fingers, mas isso não a desmerece em nada.

41. Drexciya – Sea Quake [Shockwave, 1992]

Chegamos a uma das mais difíceis tarefas dessa lista, escolher uma dentre as invariavelmente impecáveis faixas do duo Drexciya e seus vários projetos paralelos. Formado em Detroit em meados dos 90 por James Stinson e Gerald Donald, a dupla e seus vários projetos paralelos apresentam-nos um dos mais sólidos corpos de obra da história da música eletrônica, sempre com altíssima qualidade das produções.

Poucas vezes electro, techno e pop atingem tal magnitude de sofisticação, intelecto e alma. Se a ficção científica e o espaço são temas recorrentes em artistas como Jeff Mills, com Drexciya somos levados às profundezas do oceano, com a raça de seres subaquáticos em suas civilizações submarinas.

Destacamos Sea Snake, de seu disco de estreia, Deep Sea Dweller. Porém, mais do que ouvir a faixa escolhida, todos merecem e necessitam mergulhar fundo nas criações drexciyanas e em seus inúmeros mundos paralelos, como L.A.M, Abstract Thought,  Elecktroids, Transllusion, Shifted Phases, The Other People Place, Lab Rat XL, e por aí vai…

42. Underground Resistance – The Seawolf [World Power Alliance, 1992]

“Em algum lugar nas profundezas dos nossos vastos mares, espreita o pesadelo mais temido do marinheiro, Seawolf. Um submarino alemão de destruição e caos aos que se atrevem a cruzar seu caminho. Underground Resistance avisa sobre Seawolf.”

O aviso está no selo do vinil de The Seawolf, que se me perguntassem, estaria no topo de uma lista das melhores faixas de techno da história. Produção atribuída ao Underground Resistance, mas com as digitais do mago Jeff Mills, impressas de forma indefectível. Supremo trabalho nas baterias eletrônicas, TB tocada com a perícia de um virtuose, ruídos e alarme perfeitamente encaixados na composição e uma bassline extremamente dançante.

Para não restar dúvidas, tem a parada clássica do mestre. Não há a menor dúvida, é o acme do techno! Insuperável.

43. Maurizio – Ploy (UR Mix) [Maurizio, 1992]

Afora a evidente e primordial ligação com Chicago, talvez a conexão mais forte em todo o techno seja entre Detroit e Berlim, a ponto de vários DJs americanos terem residência na capital alemã. Um dos motivos foi o clube Tresor, a Meca das pistas para qualquer technobanger nos anos noventa.

Os outros responsáveis são o selo Basic Channel e a loja Hardwax, de propriedade de Moritz von Oswald e Mark Ernestus, também conhecidos por Maurizio. Muito da sonoridade que a dupla produz é derivada da Motor City, com texturas metálicas e minimalismo acrescidos de muito dub.

Ploy é rápida, pesada e áspera, uma outra face das produções do duo, mas é clássica até o talo e não perde a força com o passar do tempo. Foi uma tristeza não poder escolher Octagon também.

44. Vainqueur – Lyot (Maurizio Remix) [Maurizio, 1992]

Mais uma cacetada do quartel da Hardwax, esse remix do Maurizio para o alemão com apelido francês Vainqueur oferece perigo real de danificar as caixas de som se tocado em volume alto. De novo, muito peso de um bumbo cavernoso, um 4×4 quase marcial coberto por sons metálicos e riffs de teclado repetitivos que vão se depositando na base do crânio enquanto você oscila hipnoticamente em algum porão escuro e esfumaçado. Peça fundamental.

45. Chez Damier – Can You Feel It [KMS, 1992]

Como nem sempre é sobre peso e distorção, o fantástico Chez Damier, alcunha de Anthony Pearson, faz com máxima elegância a ligação entre o techno de Detroit, a house de Chicago e o garage nova-iorquino.

“Chicago me ensinou a música, Nova York, a entendê-la e Detroit, o aspecto técnico.”

Uma das figuras mais importantes na história da house music, gerenciava o selo KMS, de Kevin Saunderson, foi fundador do The Music Institute e dono da gravadora Perspection ao lado de Ron Trent.

Damier foi especialmente feliz em Can You Feel It, com seu delicioso sabor de soul music em um groove matador com elementos e timbres perfeitamente arranjados. Finíssimo. Poderia ser: Sometimes I Feel Like, The Choice, Morning Factory, Forever Monna

46. Reload – Peschi [Evolution, 1992]

Reload é o projeto de Mark Pritchard, que posteriormente se une a Tom Middleton para lançar um belíssimo álbum em que fazem uma viagem pelos caminhos do techno, trance, downtempo e experimentalismo. Ainda assinam como Global Communication, Jedi Knights e Chameleon, entre outros, sempre com extrema competência e talento.

Peschi é uma daquelas joias escondidas que causam espanto e admiração quando são descortinadas em uma pista. Merece muito ser mais conhecida. Poderia ser: Sexomatic, Antacid, The Biosphere.

47. CJ Bolland – Camargue [R&S, 1992]

Para arrebentar as divisórias entre o techno e trance, eis que surge Camargue, tijolada produzida por inglês criado na Bélgica CJ Bolland mais o português Cisco Ferreira, também conhecido por The Advent.

Uma empolgante jornada sob ritmo pulsante de uma linha de baixo matadora, teclados grudentos e bateria especialmente bem construída. Classicaça!

48. Capricorn – 20 Hz [Global Cuts, 1993]

A inabilidade dos gringos em fazer samba é notória, que dirá ao misturar samples de bateria de escola com marimbas, acid com trance e uma pitada de breakbeat. Bem, foi o que o holandês Hans Weekhout fez em 20 Hz, uma improvável e eficiente track que botou muita gente para arrastar sandália pelos salões mundo afora.

Talvez não tenha o mesmo apelo entre nós e mesmo envelhecido um pouco demais, mas quando a TB entra após a batucada com as batidas quebradas cobrindo os teclados viajantes, ainda pode fazer valer seus atributos.

49. Slam – Positive Education [Soma, 1993]

Mais uma daquelas faixas icônicas que marcaram seu lugar na história da música eletrônica e ainda hoje funcionam como poucas. Direto de Glasgow, na Escócia, vem a dupla Slam, formada por Stuart McMillan e Orde Meikle, fazendo uma empolgante mistura de techno, house e trance.

Positive Education encontrou lugar em várias pistas, e o Slam, em especial, desfrutou de muito sucesso em uma nova vertente que surgia, o progressive house. A faixa guarda muita semelhança com o remix de Altered States, de Ron Trent, feito pelo Terrace, mas isso não tira nenhum mérito do Slam, pois Positive Education é imprescindível.

50. Plastikman – Spastik [Novamute, 1993]

Uma caixa sintética de bateria alucinada, alguns filtros e efeitos e um bumbo realmente duro nas mãos do genial Richie Hawtin, sob epíteto de Plastikman, foram o bastante para criar uma das mais possantes obras do techno mundial. Hawtin dá um show operando as famosas baterias eletrônicas TR-808 e TR-909, em que costumava se deixar levar por horas em jams viajantes, e transforma esse manifesto minimalista em uma intenso e poderoso bombardeio nas pistas.

Das tarefas mais inglórias, escolher a melhor track de Hawtin em qualquer de seus projetos nunca trará consenso, como atestam as obras-primas Substance Abuse como F.U.S.E., Elements of Tone do States of Mind, Vortex do Final Exposure ou Minus Orange, como Richie Hawtin mesmo.

51. Planetary Assault Systems – In From The Night [Peacefrog, 1993]

O inglês Luke Slater pertence a um seleto clube de DJs e produtores de altíssimo nível que faz música para as pernas e que satisfaz a mente. Lança suas tracks sob diversos pseudônimos, como esse Planetary Assault Systems, que ele debuta com essa beleza que é In From The Night — faixa com ecos de italo e electro, rápida e que bota fogo em qualquer terreno.

Curiosamente, guarda grande semelhança com outra maravilha lançada no mesmo ano: Step to Enchantment, de Jeff Mills. Poderia ser: Gated, Booster, Plastic Crash, Love, Body Freefall, Electronic Inform, All Exhale.

52. Galaxy 2 Galaxy – Hi-Tech Jazz [Underground Resistance, 1993]

Como dito antes, a virada da década de 1990 viu surgir a segunda geração de Detroit, com excelentes novos nomes, mas, principalmente, o nascimento de um dos mais importantes fenômenos do techno, o grupo, gravadora e coletivo de artistas Underground Resistance.

Capitaneado por Mike Banks, escorado por dois monólitos, Jeff Mills e Robert Hood, o UR criou uma estética própria associada aos subterrâneos e ao modo de produção do faça você mesmo, renegando fortemente as grandes corporações, com postura política independente e alta qualidade técnica das produções.

Tarefa das mais difíceis escolher entre emblemáticas faixas como Jupiter Jazz, Amazon, Journey of The Dragons, Nation 2 Nation, The Seawolf, The Final Frontier ou Transition, que poderiam facilmente figurar nessa lista, mas ficamos com a radiante Hi-Tech Jazz, nome do álbum do projeto Galaxy 2 Galaxy, na verdade quase todo de Banks. Não importa.

De olhos fechados, puxe um disco do maço do UR e encontrará uma faixa essencial na história do techno.

53. Sven Väth – L’Esperanza [Eye Q, 1993]

Se existe uma lenda viva na cena eletrônica mundial, esse é “Papa” Sven Väth, DJ, produtor, organizador de festivais, dono de clube e festeiro pé na jaca como poucos. Discotecando desde o começo dos 80, já produziu pop, trance, techno e electro. Em 1986, com o projeto OFF, estourou a farofa grudenta Electric Salsa.

Em seus sets, passeia com tranquilidade por todas essas vertentes, sempre com absoluta categoria. Destacamos uma pérola de sua discografia, a bela e ensolarada L’Esperanza, que exala rave na praia, hedonismo, Ibiza em teclados tranceados, batida quebrada, baixo meio electro, uma atmosfera cafonalha irresistível.

Poderia ser: An Acident in Paradise, Ritual of Life, Den Schweiss, Mind Games, Shock Ralley.

54. Marmion – Schöneberg [SUPERSTITION, 1993]

Diretamente das raves alemãs, surge Schöenberg, uma saborosa jornada composta por elementos híbridos de techno, teclados tranceiros e pitadas de electro, pelas mãos da Marmion — dupla formada por Mijk van Dijk e Marcos López. Diz a lenda que van Dijk foi quem sedimentou o termo trance, ao lado de Cosmic Baby, a partir da coletânea Tranceformed From Beyond.

Schöneberg é um bairro de Berlim famoso no passado pela sua verve gay, principalmente lésbica. Nasceram ali a atriz e cantora Marlene Dietrich, Blixa Bargeld, do Einsturzende Neubauten, e foi onde David Bowie e Iggy Pop viveram entre 1976 e 78. Homenagem merecida.

55. Trance Induction – Technolo [Djax-Up-Beats, 1993]

“Você não precisa de drogas para viver em êxtase”, está escrito no selo do EP Organic Floppy Disco, do Trance Induction, formado pelo holandês Tjeerd Verbeek. Não se engane com o nome do projeto; o que temos aqui é um techno contagiante e extremamente bem construído. Uma base pulsante preenchida por timbres de teclados macios sob synths mais abrasivos e uma programação de bateria perfeita em em uma melodia quase emocional. Se depender de Technolo, o transe está garantido.

56. Leftfield – Open Up [Hard Hands, 1993]

Mais um duo que quebra as barreiras do underground e dos estilos, o Leftfield, formado por Neil Barnes e Paul Daley, é soberbo executando a fusão de levadas de house, dub, reggae ou afro. Às vezes, vão ainda mais longe, como no incrível crossover que conta com a participação de ninguém menos que John Lydon, ex-Sex Pistols e PIL, na formidável Open Up.

Como escreveram na NME, “este é o disco que as pessoas sempre quiseram que Lydon fizesse”. Que bom que fizeram, pois Open Up é uma máquina de techno-punk de alta octanagem, perfeita para tocar o caos no salão. Em tempos de patéticos cancelamentos, os mais sensíveis podem ficar com as estupendas Release The Pressure, Afro Left, Phat Planet, Afrika Shox, apenas com o Leftfield.

57. Kenny Larkin – Q [Warp, 1994]

Mais um do primeiro time da segunda geração de Detroit, Kenny Larkin é um talento atrás dos decks e um dos mais respeitados produtores dessa seleta turma. Ouça sua faixa Q, absurda de tão boa, e entenda o porquê de tanta gente colocá-lo em um andar frequentado por poucos nomes no techno mundial.

Para nossa tristeza, na virada do milênio Larkin deixou em segundo plano sua carreira musical para se dedicar à stand-up comedy (!). Uma verdadeira piada de mau gosto, mas notícias dão conta que ele já está recuperado.

Poderia ser: Colony, We Shall Overcome.

58. Acid Junkies – Theme From Acid Junkies [Djax-Up-Beats, 1994]

Os Acid Junkies estão entre os primeiros representantes da Holanda na música eletrônica de pista, mas obtiveram maior sucesso fora do país, ficando mais associados aos vizinhos belgas, onde lançaram seus discos pela importantíssima Djax-Up-Beats.

Suas apresentações ao vivo são lendárias, e a música tema dos rapazes serve de cartão de visitas para uma boa viagem pelos Países Baixos.

Poderia ser: I Wanna Kiss Myself, 303 vs 101 (The Short Battle), Acid Love Making, Sector 9.

59. Robert Hood – Minus [M-Plant, 1994]

Um dos gigantes da segunda onda de Detroit, Robert Hood é fundador do mítico Underground Resistance e um dos mais mais conceituados DJs/produtores do globo — um dos primeiros a aplicar deliberadamente o minimalismo ao techno, nunca deixando ele se tornar pasteurizado ou caricato.

Ao sair do UR, praticamente elabora um manifesto em Minimal Nation, para logo a seguir deitar a obra-prima Internal Empire, aperfeiçoando ainda mais o que já parecia irretocável no álbum anterior. Dele, extraímos a hipnótica Minus, exemplo primoroso da elegância e genialidade de Hood e, como já foi dito por aí, uma aula no uso dos espaços, estrutura e composição.

Um marco na história da música de pista por um artista singular e obra fantástica.

60. K-Hand – Edge Water (Aqua Mix) [iK7, 1994]

Direto da capital do techno, a força feminina se manifesta com a gloriosa e saudosa Kelli Maria Hand, mais conhecida por K-Hand, também chamada de “Primeira Dama do Techno de Detroit”, um merecidíssimo título. Apesar de a cidade não ser exatamente lembrada por suas criações de acid — excetuando-se o UR, claro —, a talentosíssima DJ e produtora nos brinda com esse turbilhão de ácido em forma de techno.

Hand faz uma singular incursão pelo gênero em Edge Water, musculosa e com o pulso firme como poucas, e que preenche o espaço com camadas de percussão precisa e a inconfundível TB. Coisa finíssima.

61. DJ Deeon – House-O-Matic [Dance Manis, 1994]

O carismático Deeon Boyd, ou simplesmente DJ Deeon, é um dos mais amados DJs da house music, e um dos alicerces do ghetto house, gênero marcado pela marcante TR-909, graves poderosos e muita sacanagem nas letras.

Deeon ajudou a consolidar o estilo nos subúrbios do sul de Chicago, e logo sua influência extrapolou a cidade, se tornando popular em todo o mundo. Realizou verdadeiros hinos como como Freak Like Me, Shake What Your Momma Gave Ya, The Freaks e Let Me Bang, porém, escolhemos a nervosa House-O-Matic, que vem com selo de garantia de festa e ferveção em qualquer chão.

62. Parris Mitchell – The Underground [Dance Mania, 1994]

Dos mais profundos subterrâneos de Chicago, vem essa obra-prima, cortesia de Parris Mitchell com participação do grande DJ Funk, outra pedra fundamental do ghetto house. The Underground é uma poderosa e infecciosa dose de ácido com a impressionante propriedade de se manter absolutamente fresca após quase 30 anos de seu lançamento, pela mítica Dance Mania.

Poderia ser Rubber Jazz Band, Getto Booty, Work It, Follow Me Getto ou qualquer uma do espetacular álbum Life in The Underground.

63. Emmanuel Top – Turkish Bazaar [attack, 1994]

O francês Emmanuel Top acertou a mão para compor essa joia preciosa do acid que utiliza um trecho de um poema de Jim Morrisson “The music was new black polished chrome and came over the summer like liquid night” — em sua Turkish Bazaar.

Top ainda tem outras maravilhas no currículo, como as fantásticas Acid Phase ou Tone. Escolha dificílima, porém, ficamos com a primeira pelo belíssimo poema do Rei Lagarto.

64. Baruka – Play It Loud [Night Vision, 1994]

Baruka é o apelido do holandês Orlando Voorn, outro talentosíssimo artista a surgir nas terras de Van Gogh e que ajudou a colocar fundações na grande ponte entre Detroit e Amsterdã. Play It Loud é também uma espécie de proto-tech-house, ou mesmo do minimal dos anos 2000.

Rótulos à parte, a faixa é excelente em sua estética de poucos elementos e soa como se estivesse sendo executada em um live. Voorn tem vários projetos como Frequency, Format, Nightripper ou o excelente Fix, que nos deu a matadora Flash.

65. Wink ‎- Higher State Of Consciousness (‘Original Tweekin’ Acid Funk Mix) [Strictly Rhythm, 1995]

Abram-se para os estados mais elevados de consciência, clama Josh Wink no início desta mais do que icônica faixa. Então, com batida de breakbeat e duas TBs em fúria, cria o fenômeno Higher States of Consciousness, verdadeiro tratado de música como instrumento para alterar a mente. Basta ser tocada em uma pista de dança e observar a massa transtornada, em delírio e descontrole.

Já disseram por aí que a molecada dessa época pilotava os sintetizadores como os jovens dos 60 e 70 tocavam guitarras. Bem, aí está um belo exemplo de uma TB-303 hendrixiana. Absolutamente fundamental, assim como a fenomenal Just Laugh (Original Raw Live Mix), a melhor obra com risada da história da música.

66. Dopplereffekt – Superior Race [Dataphysix Engineering, 1995]

A metade do Drexciya na figura de Gerald Donald, mais a sua esposa, Michaela To-Nhan Bertel, também chamada de Nhan Le Thi, formam o Dopplereffekt, um dos mais avançados e respeitados grupos de electro da história.

Utilizando estética que remete a laboratórios científicos, símbolos cultuando o socialismo e crítica ao totalitarismo, o grupo permanece um enigma com poucas entrevistas e pistas sobre seus integrantes. Suas canções abordam, primordialmente, a ciência, mas tocam em temas polêmicos como esterilização humana, fascismo ou como em nossa escolhida para a lista, Superior Race.

Espere sempre um electro extremamente bem produzido, de atmosfera gélida e tons sombrios. Gerald Donald é gênio, não deixe de conferir seus outros projetos e aliases, como Arpanet, Glass Domain, Heinrich Mueller, Der Zyklus, Zerkalo e Japanese Telecom.    

67. Daft Punk – Rollin’ & Scratchin’ [Soma Quality, 1995]

Esqueça os hits Get Lucky, One More Time ou Around The World, nossa escolhida hoje é uma das canções mais contundentes do Daft Punk, a barulhenta Rollin’ & Scratchin’. Lançada como lado B de outra campeã, Da Funk, a faixa é um desfile de ruídos distorcidos, sintetizadores estridentes e pedais de efeito sobre uma base pesada e crua.

Mas não se engane! Ao ser jogada nos alto-falantes, é garantia de euforia e sapateado largado. Poderia tranquilamente ser: Da Funk, Revolution 909, Rock’n Roll, One More Time, Aerodynamic ou Harder, Better, Faster, Stronger, que estaríamos bem servidos.

68. Underworld – Born Slippy [Junior Boy’s Own, 1995]

Direto do País de Gales para os subterrâneos e depois o mundo, vem uma das maiores instituições da música de todos os tempos. O Underworld surge nos anos oitenta, como uma banda de techno-pop, mas foi nos noventa que dois membros originais, Karl Hyde e Rick Smith se unem a Darren Emerson e dão a guinada que mudou a vida de muita gente. Com discos icônicos, fundindo dance com rock com pop com techno com house, desnecessário querer elencar as dezenas de faixas perfeitas que realizaram. Uma das que mais representa essa mistura que a banda faz, Born Slippy é um hino daqueles de tirar lágrimas dos olhos às seis da matina e que traz tudo de melhor para a pista. Não tem quem não se jogue como se não houvesse amanhã quando ela toca.

69. Faithless – Insomnia [Cheeky, 1995]

Na metade da década de 1990, a música eletrônica atingia o auge da popularidade na Europa. Com isso, inúmeros nomes pipocavam nas paradas de sucesso a cada semana, porém poucos tiveram tanto sucesso quanto o Faithless.

Nascido de um feliz encontro entre um carismático frontman com viés budista (Maxi Jazz), uma eficiente DJ (Sister Bliss) e um produtor (Rollo), saem do underground para rapidamente se tornarem um dos atos mais amados do grande público, na Inglaterra e em todo o globo.

O grupo possui vários hits na bagagem, como Salva Mea e God Is a DJ, contudo, a joia da coroa é Insomnia, hino da dance music que foi aumentando de importância com o passar dos anos e hoje repousa desperto no panteão dos clássicos incontestes.

70. Green Velvet – Flash [Relief, 1995]

Se Bam Bam deixou todo pai e mãe apavorado em sua Where Is Your Child?, algum tempo depois, Curtis Alan Jones, ou Cajmere, ou Green Velvet, como é mais conhecido, respondeu: “Boa noite, pais! Esta noite, irei levá-los aonde as criancinhas malvadas vão”, em uma das mais insanas e arrasadoras canções feitas para dançar.

Enquanto uma base simples e pesada mantém o ritmo, ele nos conduz em uma narração movida a óxido nitroso — o famoso gás hilariante — pelos subterrâneos de um clube que, de alguma forma, identificamos, com cenas de clubbers inalando, fumando maconha e bebendo. Então ele comanda: “câmeras prontas, preparem o flash!”, e uma metralhadora percussiva atinge a pista em euforia.

71. DJ Misjah & DJ Tim ‎- Access [X-Trax, 1995] 

No final de 1995, após longos anos fritando pistas de clubes e pastos pelo mundo todo, o efeito do acid tinha dado uma baixada. Só que não, e chegam os holandeses DJ Misjah & DJ Tim para uma repaginada na vertente, pegando o melhor do passado e apontando para frente. Pulso pesado das produções de hardcore e hardtrance para uma martelada cíclica que sustenta os sintetizadores buzinando em crescendo, enquanto o ácido vem de rebote e faz todo mundo pular enlouquecido. Infalível!

72. Sterac – Secret Life Of Machines [100% Pure, 1995]

O holandês Steve Rachmad, ou simplesmente Sterac, faz maravilhas operando suas máquinas analógicas, onde produz e performa com excelência desde os anos 80. Como dito em sua bio, “como Miles tinha sua trompa e Pablo a sua tela, Steve tem um dom inigualável para (quase fisicamente) conectar-se com todas as baterias eletrônicas e sintetizadores imagináveis”.

Sem dúvida, é um despropósito compará-lo a esses gênios, contudo não é exagero o uso de superlativos para descrever suas habilidades com as traquitanas sonoras, como comprova-se em Secret Life of The Machines, seu esplêndido primeiro álbum, onde desfila um techno suave, envolvente e sofisticado mas ao mesmo tempo tenso, obscuro e profundo.

73. Regis – Speak To Me [Downwards, 1995]

Da cinzenta cidade inglesa de Birmingham, Karl O’Connor, sob o pseudônimo de Regis, produz um techno sombrio, hipnótico e denso, com percussão pesada, muitos ruídos e elementos metálicos. A cidade, berço de Black Sabbath e Napalm Death e, particularmente, do rock industrial de Whitehouse, do insano William Bennett, exerce essas influências de uma forma ou outra no som do artista.

A soturna e potente Speak To Me, de seu EP de estreia, Montreal, é certeira para conduzir o ouvinte aos recônditos mais profundos da mente, ideal para um set intenso e cerebral em porões escuros e esfumaçados.

74. Ellen Alien – Get The Groove Goin’ [Championsound, 1995]

A alemã Ellen Fraatz tem o raro dom de transformar em ouro tudo que suas mãos tocam — seja produzindo ou se apresentando como a DJ Ellen Allien, em sets impecáveis e recheados de preciosidades que ela traz de sua imensa bagagem musical. Pode transitar com elegância e destreza por entre vertentes como electro, trance, ambient e minimal, mas se a ocasião pedir, deitar a mão pesada para nosso deleite.

Get The Groove Goin’ é uma locomotiva sem freio à solta no salão, feita de um baixo anabolizado, percussões em frenesi e temperada com uma boa dose de ácido na TB-303. Perfeita.

75. Jeff Mills – The Bells [Purpose Maker, 1996]

O hino de toda uma nação, o Santo Graal do techno, a criação máxima de alguém tido quase como uma entidade, e uma composição magistral que segue inabalável há quase 30 anos como uma das mais amadas da história. Jeff Mills é “o mago”, um virtuose das máquinas e equipamentos de discotecagem, sempre atento a inovações e realizando performances insanas com vários decks, cd players, baterias eletrônicas e sintetizadores, com refinamento e talento ímpar.

The Bells já fazia parte de seu repertório desde 1993, em edits e retrabalhada ao vivo durante as apresentações, mas só foi lançada em disco em 1996. Desde então, é responsável por euforia descontrolada e momentos catárticos cada vez que é executada, não deixando pedra sobre pedra no local. Virtualmente impossível escolher somente uma faixa dentre sua impecável discografia, então deixamos mais Phase 4, The Extremist, The Hacker, Late Night, Step To Enchantment, Humana, Solid Sleep.

76. Laurent Garnier – Crispy Bacon [F Communication, 1996]

Continuando com a série Lendas Vivas, chegou a hora de um dos mais talentosos e carismáticos artistas da música eletrônica de pista, o francês Laurent Garnier. Dono de um bom gosto e técnica acima da média, seja produzindo ou tocando, tem um histórico carregado de obras simplesmente perfeitas, o que tornou a escolha dessa faixa uma das mais difíceis.

Astral Dreams, Flashback, The Man In Red Face, qualquer uma delas poderia entrar na lista e estaria tudo ótimo; contudo, vamos ativar a memória afetiva com Crispy Bacon, em que Garnier contou ter se inspirado em Jeff Mills, Robert Hood e Scan X para compor.

Ao escutar a música, o último teria dito: “Você tem usado uma balaclava? Você acha que é Mad Mike do Underground Resistance?”. Bizarramente, Garnier declarou que nunca entendeu o porquê das pessoas enlouquecerem tanto com a track, já que acha ela muito simples. Bem, Laurent, a gente sabe muito bem, é simples e mortal.

77. DJ Mau Mau & Franco Junior – Noise 3 [Fieldzz, 1996]

Ao perceberem que quando acabava a festa nos clubes ainda tinha gente com entusiasmo de sobra sem ter para onde ir, começaram a surgir baladas que começavam já no final da madrugada e seguiam manhã afora. Pronto, estava inventada uma das mais peculiares atividades na vida de um clubber, o after hours.

No Brasil, o primeiro after foi o quase mitológico Hell’s Club, comandado por Pil Marques e que tinha como principal destaque o já escolado DJ Mau Mau, que havia começado no Madame Satã, em 1987, e era residente do saudoso Sra Kravitz. Mau é um dos mais completos DJs de todos os tempos, aclamado aqui e lá fora, recebendo por vários anos o prêmio de Melhor DJ de Techno da Noite Ilustrada.

O primeiro single de techno brazuca é dele, em parceria com Franco Junior, e se chama, é claro, Hell’s Club. Destacamos Noise 3, uma base crua atacada por uma infinidade de pequenos barulhos de rodinhas e computadores, conduzidos o tempo todo por uma ruidosa motoneta do inferno. A faixa guarda salutar semelhança com algumas do Cristian Vogel, Sapiano, C-Rock e outras coisinhas barulhentas sempre presentes nos sets da época. Já falei que é clássica? Então toma: clássica!

78. Sapiano And The Party Crashers – Game Show [Emissions Lo-Fi, 1996]

Já que a memória afetiva está liberada, então segura a bronca do Sapiano, que soltou essa belezinha pelo selo Emissions, de Andrew Weatherall. Lá fora não é muito conhecida, mas bombou demais por aqui, tanto pelas pistas do underground como nos grandes salões, e estava presente no histórico CD Hell’s Club mixed by DJ Mau Mau.

A peça mais parece uma música de videogame encharcada em anfetamina, com zumbidos, motores, polias e buzinas sustentadas por bumbo e baixo pesadões, com sabor de ganhar aquele especial numa máquina de pinball envenenada. Play it again!

79. Monolake – Cyan [Chain Reaction, 1996]

Importantíssimos os nomes de Robert Henke e Gerhard Behles, criadores do onipresente software de produção Ableton Live, que possibilitou um salto de desenvolvimento nas criações de artistas dos mais diversos estilos. Sob a alcunha Monolake, a dupla também foi peça chave para a solidificação e difusão do dub techno, som bastante associado a Berlim, particularmente no selo Chain Reaction, da gravadora Basic Channel.

Cyan é a estreia do Monolake, com seus 12 minutos de mente, elegância e sensibilidade em uníssono e em prol da música.

80. Surgeon – Intro II [Tresor, 1997] 

O inglês Anthony Child, sediado na industrial Birmingham, na Inglaterra, é um dos mais respeitados artistas do techno, com seus serviços requisitados por nomes como Thom Yorke e Lady Gaga. Tem parcerias com monstros do som cabeçudo, como Ben Sims, James Ruskin e Mick Harris, baterista do Napalm Death, além do acachapante projeto British Murder Boys, com Regis.

Célebre por realizar uma música inovadora, densa, hipnótica e por vezes brutal e perturbante, suas influências abarcam o rock indústrial, krautrock, electro, dark ambient e dub. Surgeon poderia ter uma lista só para ele, tamanha qualidade de produções como Atol, Magnese, First, Scorn, Badger Bite, Muggerscum Out ou La Real.

Aqui vamos de Intro II, com o cirurgião de posse de suas ferramentas afiadas em uma peça construída com profundo senso estrutural em crescendos de raspagem metálica, percussão precisa e anticlímax para um resultado final magistral. É gênio que chama, né?    

81. Neil Landstrumm – Tension In New York [Tresor, 1997] 

Quando se trata de sair do lugar comum, podemos sempre contar com o escocês Neil Landstrumm, mestre das batidas destrambelhadas, timbres esquisitos e basslines espocando na cara, produzindo muito do que se convencionou chamar de wonky techno.

Landstrumm não abre concessões e, mesmo assim, logra construir empolgantes peças sonoras que funcionam incrivelmente bem em uma pista — caso de Tension in New York, com sua bateria crua, sons de videogame e baixão de submarino. Maravilha!

82. Moodyman – I Can’t Kick This Feeling When It Hits [Planet E, 1997]

Mais um artista de classe e excelência a surgir na cidade dos automóveis, Kenny Dixon Jr, através de seu alter ego Moodymann, cunhou a formidável frase: “Eu não faço música para as massas dançarem, eu faço música para a pequena maioria que ouve“.

Dixon nos presenteia com esta maravilha propícia a arrancar faísca dos pisos mundo afora, botando a house e a disco pra ferver com direito a um sample de Stevie Wonder e com letra tirada de I Want Your Love, do Chic, que é apenas uma frase mas, que já diz tudo: “I Can’t Kick This Feeling When It Hits“.

Realmente, depois que bate, já era!

83. Dave Angel – Funk Music [Island, 1997]

Um dos mais respeitados DJs e produtores de todos os tempos, o britânico Dave Angel é sinônimo de classe, sofisticação e abrangente visão de sua música, com toques de jazz, orquestrações e belas harmonias. Com extenso catálogo e transitando em várias sonoridades, é sempre garantia de ótimas faixas, como a destacada Funk Music, uma empolgante e rebolativa faceta, por assim dizer, mais ortodoxa e direta — mas poderia ser Original Man ou Scatman.

84. DJ Assault – Ass-N-Titties [Assault Rifle, 1997]

Na intersecção entre o techno, electro, hip hop e miami bass, surge no final dos anos 90 o famigerado ghetto-tech, com suas letras degeneradas e um som pulsante e pulante, obtidos no início pela aceleração de clássicos temas de Detroit misturados com letras obscenas de grupos como 2Live Crew.

Um dos anunciadores do fenômeno foi o DJ Assault, produtor de mão cheia e boca suja de faixas como as deliciosas Sex On The Bitch e Techno Freak, mas que para esta seleção, reservamos a arrasa-quarteirão Ass-N-Tities. Pode descer até o chão que tá liberado.

85. Thomas Schumacher – When I Rock [Bush,1997]

A faixa que colocou Thomas Schumacher no mapa do techno mundial, When I Rock é uma explosiva fusão de techno e electro com vocais de hip-hop, muito provavelmente pela primeira vez realizada. Um kick pesado e uma bassline distorcida sustentam o vocal furioso: “When I rock, let your mind burst free, when I rock, it’s something to see, something to see, something to see“; e o pau come, com direito a sample de baixo em beatbox cabuloso de Rhazel.

Se sobrar alguma coisa em pé após ouvi-la, confira a marretada que é Schall, que ele lançou sob o nome de Elektrochemie LK.

86. Aril Brikha – Groove La Chord [Fragile, 1998]

O iraniano Aril Brikha representa um exemplo de como um estrangeiro pode ser um autêntico representante do som de Detroit em outras terras. Brikha, ele mesmo estrangeiro migrado para a Suécia, coloca toda a essência do gênero em riffs de teclados, ritmo pulsante e um baixo supergordo, muito parecido com os que se ouve demais nas produções dos suecos.

O som logo foi abraçado por figurões da capital do techno, como Derrick May, que lançaria o EP pelo seu selo Transmat.

87. Der Dritte Raum – Hale Bopp [VIRGIN, 1998]

Mais uma vez, o trance invade o território dos techno-heads para causar alvoroço na seleção, com seu som híbrido e absurdamente acertado, em uma das faixas mais ouvidas no final dos anos 90 e que resiste até hoje.

Halle Bopp é uma saborosa jornada pelos sintetizadores em grande estilo, com claras referências a precursores como Kraftwerk e Giorgio Moroder. Épica, atemporal e isenta, é perfeita para ser posta em pistas, compartimentadas ou não.

88. I-F – Space Invaders Are Smoking Grass [Interdimensional Transmissions, 1998]

Palavra desgastada, mas não dá para se dizer menos do que “clássico” a respeito deste monumento de puro electro. Uma base contagiante temperada por synths espertos e vocais robóticos cantando uma letra divertida, Space Invaders Are Smoking Grass é um eficaz aditivo para qualquer DJ, seja ele daqui ou um invasor do espaço.

Produzida pelo holandês de Hague, Ferenc — ou I-F —, a faixa é considerada um marco e influência para o electroclash, que estouraria no planeta em poucos segundos.

89. Envoy – Sexdrive [Soma Quality, 1998]

Genuína bordoada em lugares pudicos, a saborosa Sexdrive é pouco lembrada e menos ouvida do que deveria. Criação de Envoy, projeto de Hope Grant, de Chicago, a faixa foi incluída no excelente álbum Where There’s Life pela meritória Soma Quality Recordings, casa dos escoceses do Slam, com quem Grant saiu em turnê como vocalista em meados de 2000.

O produtor esbanja talento em temas superbem produzidos, em uma atmosfera por vezes sombria, porém de resultados notáveis, como na sinistra Dark Manoeuvres. Confira as duas.

90. DJ Bone – Black Lives [Subject Detroit, 1998]

Outro maestro dos toca-discos vindo da capital do techno, Eric Dulan, sob o nome de DJ Bone, tem rara habilidade para pilotar os controles, seja em dois, três ou mais pratos, criando sets esplêndidos, intrincados, cerebrais, e repletos climas e texturas que remetem à metrópole industrial.

Em sua Black Lives, de Unleashed — primeiro EP por seu selo, Subject Detroit —, uma base dura, crua e continuada dá a real: “Black lives. Poverty. Aspiration”.

Herói do underground, deveria servir de exemplo a qualquer aspirante a DJ: “Não estou preocupado em ter uma produção de Hollywood ou efeitos especiais. com imagens de vídeo, fumaça, etc. Apenas tocando a melhor música possível da melhor maneira possível”.

91. DJ Rolando – Knight of the Jaguar [Underground Resistance, 1999]

A menos que você vivesse numa caverna, é impossível que essa música não tenha ecoado dentro da mente pelos idos de 2000. Tocada exaustivamente desde então, Knight of the Jaguar mantém o fôlego como um dos hinos do techno mais reconhecíveis de todos os tempos.

Curiosamente, foi surrupiada pela gravadora BMG, primeiro na cara dura, ao lançá-la sem autorização, e em seguida, através de um “cover” descarado.

Rolando cresceu em uma comunidade hispânica da cidade dos automóveis para entrar no Underground Resistance em 1994 e, em 99, lançar a demolidora track que ganhou o mundo e ecoa até agora.

92. 2 Bald Men – Acid Phonk [Experience 2000, 1999]

Eletrizante faixa do 2 Bald Men, que passou meio batida lá fora, mas que bombou demais por aqui entre nossos acideiros, com um bootleg irado do Drummer. Felizmente, a faixa é tão boa que temos ouvido ela tocar novamente por aí. Em uma das versões, o vocal diz algo como: “este é o acid que pode ser, não usamos a 303, este é o próximo groove!”.

Bem, pode não ter a TB, mas eles botam um calor danado e ainda fazem zoeira colocando, a certa altura, uma virada com a inconfundível bateria do brinquedinho Casiotone aquela do Da Da Da, do Trio. Então, lembre-se sempre: “Acid Phonk! Acid Phonk! Acid Phonk for your ass!!!”.

93. The Chemical Brothers – Hey Boy, Hey Girl [Freestyle Dust/Virgin, 1999]

Formado por Tom Rowlands e Ed Simons, o The Chemical Brothers é um dos mais importantes grupos de música da história, frequentemente lembrado por suas apresentações épicas, utilizando tecnologia de ponta em sincronizações de som, luz e vídeo, para deixar o povo passado.

Os irmãos químicos já tinham uma extensa ficha corrida de hits bombásticos, com várias faixas que poderiam figurar aqui. Contudo, no seu terceiro álbum, uma os levou ainda mais ao topo. “Hey girls, hey boys, superstar DJs, here we go!”, anunciam no primeiro single do disco, fazendo tremer o chão onde quer que for tocada, e enlouquecendo fãs de todos os estilos, pop e rock incluídos.

O duo tem um dom para transmitir a sua cara para as canções, e um talento excepcional para deixar todas as músicas com um padrão de qualidade técnica absurdo. Impecável; já falei?

94. Smith & Selway ‎- Move [Intec, 1999]

Se alguém quiser ter uma ideia do tipo de som que rolava nos clubes de techno no final dos 1990 e início dos 2000, mostre a ele essa track. Fruto da parceria entre o sueco Christian Smith e John Selway, Move é cheia de filtros e reverbs que a sustentam sobre uma gorda linha de baixo e percussão dançante, conduzindo para uma inevitável, porém não óbvia virada.

A faixa é uma tacada certeira para manter quente uma pista, e conta com tecos roubados de I’m a Man, improvável remake disco dos italianos do Macho para uma canção de Steve Winwood.

95. Zombie Nation – Kernkraft 400 [International Deejay Gigolo, 1999] 

Uma base de electro-techno com uma melodia grudenta feita em um teclado simples é a receita de um dos maiores hits a sair das pistas de dança e rádios para os estádios. Mas não foi nas apresentações de seu criador, Florian Senfter, mais conhecido por Zombie Nation, e sim nas arquibancadas esportivas, nas quais teve seu refrão adotado por torcidas de dezenas de agremiações: “ôôôÔ, ôÔÔÔôÔÔÔ ôô!”.

A faixa é desprezada e tratada como baba, mas seu poder de empolgar uma pista é admirável e põe abaixo esses preconceitos pueris.

Alguns anos mais tarde, sob cognome John Starlight, lançou Blood Angels, com vocais sintetizados, ruídos e uma poderosa bassline suja e pegajosa, para causar furor nas pistas mais uma vez.

96. DJ Funk – Run (UK Extended Mix) [Pro Jex, 1999]

Receita para enlouquecer uma plateia: coloque essa belezura para tocar no meio da madrugada e observe o povo correndo em direção às caixas; não falha nunca! Uma marretada pulsante do grande DJ Funk, que apesar de ser nascido em Chicago, é considerado um dos grandes artistas do ghetto-tech de Detroit.

Contudo, em Run, ele manda é um techno rasgado mesmo, capaz de arruinar qualquer intenção que alguém tenha de ficar parado.

97. Cristian Vogel – General Arrepientase [Tresor, 1999]

Um dos mais prolíficos e capacitados músicos a aparecerem na cena eletrônica, o chileno Cristian Vogel dá aulas em suas criações, seja com experimentações extremas, faixas direcionadas para bater a cabeça nas paredes do clube ou viagens em baixa rotação.

Vogel é formado em música contemporânea, e teve como professor o compositor Jonathan Harvey. Compôs diversas peças de música contemporânea e eletroacústica, trilhas sonoras e balés, tudo sempre em altíssimo nível. Como a incrível General Arrepientase, uma delirante jornada pelo o que o techno tem de mais esquisito: batidas cruas e quebradas, timbres deslocados, sobreposição de ideias.

E como curiosidade, será que seu compatriota Ricardo Villalobos escutou a canção antes de fazer Dexter

98. Octave One feat. Ann Saunderson – Black Water [430 West, 2000]

A maravilhosa banda Octave One é formada por Lenny e Lawrence Burden, mas conta ocasionalmente com seus outros três irmãos. Estrearam em 1990 com a estonteante I Believe, tornando-os um dos mais respeitados nomes da segunda geração de Detroit, e foi duro não incluir a faixa nesse pool.

A razão é que dez anos depois eles cometeram a absurda, contagiante e maravilhosamente quente Blackwater, uma daquelas tracks que levantam qualquer pista e deixam todo mundo com sorriso de orelha a orelha. Esquenta as solas dos pés e o coração.

99. Alter Ego – Betty Ford [Klang Elektronik, 2000]

Os alemães Roman Flügel e Jörn Elling Wuttke, em seu projeto Alter Ego, nos trazem essa verdadeira bordoada na orelha que é Betty Ford, acelerada, com batida seca, synths distorcidos, baixo obeso e repleta de ruídos e distorções.

Com a chegada dos roqueiros às pistas na metade dos 90, algumas produções também passaram a incorporar um pouco da estética rocker, não por acaso o nome de outra faixa insana da dupla. Techno, rock ou jazz, tanto faz; o fato é que Betty Ford causa sempre que toca. Difícil é não escolher a avassaladora versão do DJ Rush para ela.

100. Misstress Barbara – For All There’s Left [Relentless, 2000]

Uma verdadeira cacetada sônica que nos é desferida pela italiana que virou canadense, Misstress Barbara. Um kick pesado com bass gordo feito lutador de sumô sustenta uma crescente de barulhos metálicos sintetizados, que nos levam para dentro de alguma fábrica em atividade. Com esses ruídos depositados como eco, For All There’s Left encaixa perfeitamente à estrutura dos grandes armazéns que se tornaram o refúgio ideal para realizar as grandes festas de techno, desde os anos 90 até hoje. 

101. Dave Clarke – Compass [International Deejay Gigolo, 2000]

Abram alas para o chefão Dave Clarke, um dos mais talentosos nomes da Inglaterra e venerado por fãs em todo o mundo, sendo por muito tempo considerado o melhor DJ de techno pela DJ Mag. Dito isso, é hora de colocarmos a armadura para resistir aos ataques dos puristas, que, certamente com razão, dirão que é um absurdo que a faixa escolhida não seja uma das icônicas da trilogia Red, particularmente Red 2, Red 3 ou mesmo Southside.

Porém, Compass pode ser considerada como uma espécie de coroação do que Clarke realizou nelas, com um loop marcante, groove matador e um sample perfeito para encaixar na bússola: Ghetto Booty, de Parris Mitchell. A música tem tech e funky na medida certa, absolutamente contagiante e infalível para ferver o piso e salvar qualquer set.

102. Andrew McLauchlan – Love Story [Bush, 2000]

O escocês Andrew McLauchlan tem uma produção bem pequena, porém a escassa quantidade é compensada quando ouvimos a belezura que é Love Story, uma faixa cheia de groove, turbinada pelo sample acelerado de Martim Cererê, com direito a batucada e cuíca. Sobre a base superdançante, rola um piano meio jazz bem descompromissado, fazendo o conjunto perfeito para arrastar a sandália no terreiro.

A faixa tem um remix mais acelerado e matador do Devilfish, contudo, a original leva o prêmio hoje.

103. Technasia – Force [Technasia, 2000]

O Technasia, surgido em Hong Kong em 1996, foi fundado por Charles Siegling e Amil Khan, e é um dos projetos mais amados por brasileiros saudosos de suas incursões por aqui durante os anos 2000. Nosso Renato Cohen, inclusive, teve várias faixas lançadas pelo selo Sino, da dupla, que hoje é um trabalho solo de Siegling.

A emblemática Force é a união perfeita entre um som robusto e rebolante com um vocal nebuloso que clama: “My force is in my soul, my force is in my heart, come to me, come to me, love me, don’t leave me, don’t leave me alone, come to me…“. Come to me!

104. Detroit Grand Pubahs – Sandwiches [Jive Electro,2000]

Em 2000, mal começando a carreira, o Detroit Grand Pubahs estourou com a grudenta Sandwiches, seu primeiro single, que rapidamente saiu do underground para as pistas e rádios do mundo todo com sua curiosa letra: “You can be the bun / and I can be the burger, girl / I know you wanna do it / we can make sandwiches“.

Tá legal, é horrível, mas deu certo. O Detroit Grand Pubahs realiza uma apta mistura de funk, techno e electro com pitadas de nonsense, sexo e bizarrices.

105. Mauro Picotto ‎- Baguette [BXR UK, 2000]

Mais uma vez, temos a invasão na cozinha, dessa vez com um dos papas do trance e do hard house, Mauro Picotto, dando uma guinada em direção ao techno pesado e acertando a mão na massa com essa Baguette, que mais parece um rolo de macarrão na moleira — ou seria uma bengala?

Porretada muito bem dada, por sinal. Latejante, nervosa e repleta de chiados, ela bate firme e aniquila qualquer rastro de marasmo em uma pista.

106. The Horrorist – One Night In N.Y.C. (Chris Liebing Remix) [CLR, 2000]

Quando começa o tétrico pianinho de brinquedo, a gente já sabe, vem aí uma das mais impetuosas tracks de toda a música eletrônica de pista. Uma maravilha que bota fogo no salão, com sua linha de baixo distorcida e pulsante sobre uma bateria potente enquanto um narrador conta a saga de uma adolescente visitando Nova Iorque num sábado à noite.

A letra, engraçada e sacana, ultrapassa o limite do politicamente correto e hoje com certeza seria alvo de reclamações e possíveis cancelamentos. Não parece que os extremos The Horrorist estariam muito preocupados, porém, é provável que não teríamos o arrebatador remix do mestre Chris Liebing, que põe tudo abaixo quando é tocado.

107. Ben Sims – Manipulated (Adam Beyer Remix) [Primate, 2000]

Peso e cadência na devastadora versão do gigante Adam Beyer para Manipulated, de outro monstro, o inglês Ben Sims. Beyer pertence à linhagem de excelentes nomes vindos da Suécia, como Christian Smith e Joe Mull, que invadiram as caixas de som no final dos anos 1990 e início de 2000.

A faixa é uma pedrada que beira o hard techno, temperada por um balanço latino contagiante presente no vocal sampleado da cubana Albita Rodriguez, que decreta: “Oye bien lo que está pasando, mi pueblo ya está de fiesta y estamos celebrando!“. Então, vamos celebrar!

108. Speedy J – Electric Deluxe [Plus 8, 2000]

Definitivamente colocaram alguma coisa na água dos Países Baixos para gerar tantos excelentes artistas, como é o caso de Speedy J, alcunha do holandês Jochem Paap. Ele está no primeiro escalão quando se leva em conta o histórico de serviços prestados com excelência, sempre buscando novos caminhos e transitando entre várias vertentes para construir uma música sólida e incontestável.

A formidável Electric Deluxe, elaborada imperiosamente sobre uma base rígida, crescente de elementos e frequências, explode em ruídos elétricos para delírio de qualquer pista. Indispensável. Pode por para tocar também Pull Over ou Ginger que qualquer sinal de apatia será varrido para fora do recinto.

109. The Hacker – Nothing Lasts [Missile, 2000]

Diretamente de Grenoble, na França, vem Michel Amato, que sob o nome The Hacker é reconhecido como um dos maiores representantes do electro mundial. Em 2001, realizou, ao lado de Miss Kittin, um disco fundindo electro, punk e synthwave que foi peça fundamental na explosão do electroclash em todo o planeta.

Dois anos antes, ele lançava um single com o sugestivo nome de Electronic Existencialist, que contém a poderosa Nothing Lasts, uma deliciosa e poderosa viagem com pegada italo disco para qualquer um com quadril duro se questionar e cair no rebolado.

110. Hatiras – Spaced Invader [Defected, 2000]

Das fronteiras do universo que engloba house, techno e prog house, vem o invasor espacial Hatiras com sua estilingada cósmica. Spaced Invader fez carreira em cases de DJs de todos os estilos por muitos anos-luz e, apesar da superexposição, ainda hoje é adequada a conduzir uma viagem rumo ao espaço sideral diretamente de dentro da pista.

111. Blaze – My Beat (Jan Driver Remix) [Nitelite, 2000]

Esqueça o (bom) remix houseiro de Derrick Carter ou o (ótimo) Ambassador do DJ Misjah; a verdadeira joia escondida está na versão anfetaminada que Jan Driver fez para My Beat, excelente canção do duo Blaze. Com uma linha de baixo latejante, bateria em rajadas e efeitos zunindo pelo ar, a track é garantia de explodir o salão, e tem tudo para fazer o mesmo na sua cabeça.

A faixa guarda curiosa semelhança com Flash, do Green Velvet, e tem boas sacadas em sua letra espiritualizada: “Enquanto dançamos uma batida que parece fora do tempo, para aquele que você sente no metrônomo da sua mente / Te ofende que nosso ritmo pareça estranho / Ou faz com que seu pensamento seja reorganizado?”.

112. Julian Liberator – Defective Sampler (Funky Mix) [4×4, 2001]

Com filosofia herdada do punk e direto dos squats londrinos, vem a mais underground manifestação do acid techno no globo terrestre, em coletivos anárquicos como o Stay Up Forever, Spiral Tribe e Bedlan. O estilo encontraria eco e seguidores em toda parte — no Brasil, em festas como Groove Nation, Patrol e SP Groove.

Julian Liberator toca o selo 4×4, por onde lançou essa maravilha suja e pesada que foi executada por muito tempo por DJs como Carl Cox, Judge Jules e nossa rainha Mara Bruiser. Destaque para o indefectível sample de Funky Town, que põe abaixo qualquer salão ou rave quando entra o refrão: “Ahhh, kêtaaaa!”.

113. Cristian Varela – Arythmetic Structures [Pornographic, 2001]

O espanhol Cristian Varela é conhecido pela destreza singular com que pilota as aparelhagens, realizando performances insanas em quatro toca-discos. Quem presenciou alguma de suas apresentações fazendo isso tudo a mais 140 BPM sabe o tamanho da encrenca. Também é dono, ao lado de Marco Bailey, do selo Pornographic, do qual pinçamos Arythmetic Structures, uma batida reta com baixo potente que segura os efeitos zunindo como um tiroteio sobre as cabeças.   

114. Fatboy Slim – Star 69 [Skint, 2001]

Norman Cook começou misturando muito breakbeat com acid, techno e house, fórmula que fez um sucesso assombroso, extrapolando totalmente o circuito da música eletrônica, com suas músicas sendo ouvidas em todos os extratos sociais, de clubes a micaretas e festas do peão.

Como Fatboy Slim, ele alcançou o topo, formando a primeira geração dos chamados Superstar DJs, que passaram a tocar como headliners nos maiores festivais do planeta. Apesar de toda essa superexposição, ele ainda é capacitado a incendiar uma pista como ninguém quando toca coisas como essa belezura.

Aqui, cabe um monte de “poderia ser”, como Punk To Funk, Everybody Needs a 303, Right Here, Right Now, Ya Mamma, The Rockafeller Skank, mas ficamos com Star 69 porque gostamos muito desse número. Whatafuck!

115. D.A.V.E. The Drummer – 9A [Hydraulix, 2001]

O inglês Henry Cullen, com seu alter ego D.A.V.E. The Drummer, é figura manjadíssima e adorada pelos brazucas. Também surgiu da malta que incendiava os squats londrinos com anarquia e acid techno, tendo importante papel na explosão das cena rave em nossas plagas.

Drummer comanda com mão pesada sua Hydraulix Records, de onde dispara um empolgante techno sólido, robusto e energético, como no pulsante lado A desse volume 9. Mas poderia ser o lado B, Unlucky Punk, o 11, o 7, o 13.5, Memories

116. Superpitcher – Heroin [Kompakt, 2001]

Enquanto a maioria da produção de minimal techno costuma ser séria, econômica e prática, o alemão Aksel Schaufler, mais conhecido como Superpitcher, constrói seu nicho em uma estética mais derretida, permeada por belas melodias e efeitos hipnotizantes.

Sua música por vezes se aproxima do rock, como na excelente Rabbits in a Hurry, e não por acaso presta tributo em covers de canções como Baby’s On Fire, de Brian Eno, Fever, de Sarah Vaughan, (This Is) the Dream of Evan and Chan, de Dntel, e Träume, de Françoise Hardy.

Quase escolhemos a deliciosa Lovers Rock, porém, hoje ficamos com a narcótica Heroin.

117. Valentino Kanzyani –  House Soul [Intec, 2001]

O leste europeu é território fértil em produzir techno gordo e fervido, como pode nos atestar o esloveno Valentino Kanzyani, que em 2001 invadiu o planeta com sua House Soul, uma faixa muitíssimo grudenta e contagiante.

Uma cozinha chacoalhante com percussão frenética, baixo poderoso e loops de efeitos em fuzz conduzem a um falso break de big band que só chuta mais para cima o astral ensandecido da track. Um exemplo perfeito do som de Kanzyani, que pode transitar com naturalidade e competência do techno à house.

118. Funk D’ Void – Diabla [Soma, 2001]

O escocês Lars Sandberg, mais conhecido como Funk D’Void, ajudou a cunhar o som da Soma Recordings e, ao lado do Slam, pode ser considerado um dos maiores pilotos de submarino da história do techno. Basta observar Diabla, com seu baixo que sobe e submerge circundado por elegantes cordas e um balanço irresistível.

A faixa foi escolhida como a melhor de 2001 pela DJ Mag e é outra peça fundamental que frequentou exaustivamente as pistas de techno, trance e progressive house naquele ano e além.

119. Vitalic – La Rock [International Deejay Gigolo, 2001]

Poucas músicas têm a contundência e poder de destruição de La Rock, faixa do excelente Poney, um EP do francês Pascal Arbez-Nicolas, também conhecido pelos codinomes de Dima e Vitalic.

A track foi um dos maiores sucessos da gravadora International Deejay Gigolo Records e uma das molas propulsoras para o estouro do electro na virada do milênio em todo o planeta. Misturando com muita categoria techno com electro com italo disco em uma pegada quase punk, Vitalic tem em La Rock a garantia de bombar qualquer set. Imprescindível.

120. X-Press 2 – Smoke Machine [Skint, 2001]

O X-Press 2 emplacou vários hits, como Muzik Express, London Xpress e a elétrica AC/DC, até que, em 2001, solta essa explosiva track. Um alarme soa intermitente durante toda a música indicando perigo, e logo vem a resposta: Smoke Machine se constrói em uma crescente cheia de efeitos, um baixo cavernoso e a tal sirene com um break devastador. Perfeita para o auge da festa.

No ano seguinte, o grupo atingiu a estratosfera com a grudenta Lazy, com vocais de David Byrne.

121. Gaiden – Point Blank [Music Man, 2001]

Esse projeto de Patrick Codenys, do Front 242, junto a Steve Stoll, nos brindou com apenas um álbum e um EP, porém ambos de qualidade extraordinária. A faixa Point Blank é a escolha perfeita para martelar o crânio em cacetadas certeiras, quando a pista pede mais lastro. Tarefa árdua foi optar entre o estupendo remix de Speedy J ou a original, que acabou levando por hoje. Amanhã, quem sabe?

122. Umek – Gatex [Majik Muzik, 2001]

Gigante do techno no leste europeu ao lado de Valentino Kanzyani, o esloveno Umek foi um dos mais talentosos a se destacar ainda nos anos 90 com uma série de seminais faixas com nomes que lembram remédios. São inúmeros compostos que aliviam e estimulam qualquer um no ambiente em que são administrados.

Após uma junta de psiquiatria sonora, vamos receitar a tenebrosa Gatex, uma sinfonia sinistra de frequências pulsando em uníssono, criando o estado de ânimo ideal para uma transição em uma pista escura e fervida. Dose única e cavalar resolve, mas se persistirem os sintomas, tome Lanicor e corra pra UTI!

123. David Carreta – Vicious Game [International Deejay Gigolo, 2001]

Mais um petardo lançado pela Gigolo, aqui cortesia do francês David Carreta, um mestre na fusão de electro, techno, EBM, italo e até rock. Vicious Game resiste vigorosamente inabalável por mais de 20 anos e ainda soa fresca como clássico absoluto do electro dos anos 2000. Suas escolhas de timbres sintéticos sobre os arpejos levemente distorcidos em uma pegada de bateria pesada são de rara perfeição.

Carreta, Vitalic, The Hacker e DJ Hell podem ser considerados os quatro cavaleiros do apocalipse do electro, responsáveis pela explosão do tão maltratado electroclash.

124. Guy McAffer – Raw 9 [RAW, 2001]

O londrino Guy McAffer é outro expoente que surgiu na cena acid techno londrina, das festas em armazéns e pastagens por toda a Inglaterra. Sob o pseudônimo de Geezer e munido de sua TB-303 endiabrada, realiza apresentações encharcadas de adrenalina derretida. Ele comanda seu selo RAW (Ripe Analogue Waveforms), de onde saem petardos que fazem a cabeça dos acideiros de toda a parte do planeta, especialmente do Brasil.

Uma das que batem forte é sua Raw 9, verdadeiro hino das pistas aceleradas contendo o delicioso sample de Showing Out (Get Fresh at the Weekend), de Mel & Kim.

125. Sharpside – Space Cruising [Rotation, 2001]

Roubando o sample dos arpejos de Los Niños Del Parque, dos magníficos Liaisons Dangereuses, fica fácil criar uma boa música para dançar. Porém, o Sharpside faz isso com extrema eficiência, aumentando a rotação, colocando uma bateria dinâmica e um baixo para lá de muscular. Ainda comete esse torpedo sonoro adicionando gemidos devassos na virada da track, para levar todo mundo para o espaço impiedosamente em êxtase.

126. Chris McCormack – There Are Better Ways [Potential, 2001]

Na virada do milênio, uma categoria ainda mais pesada e rápida de techno assolava os porões e inferninhos de todo o mundo — o hard techno —, particularmente na Alemanha, de onde vem Chris McCormack. Com produções em BPM cada vez mais altas, batidas pesadas e riffs agressivos, There Are Better Ways bota a molecada pulando por horas a fio.

McCormack foi muito feliz em combinar essas características do hard mais o sample de Yo Yo Get Funky, de Fast Eddie, a uma pegada funk e house para completar a equação em triunfo.

127. Oxia – Troisieme [Intec, 2002]

Mais um francês que sabe botar o povo para requebrar, Olivier Raymond usa a alcunha de Oxia para nos trazer esse míssil que dominou tudo que é salão em 2002 e além. Um electro-techno com muito groove em uma base que nos conduz como em uma descida de esqui pelas montanhas de Grenoble, sua cidade natal, notória pela paisagem alpina. Bem, Troisieme já deve ter derretido boa parte da neve de lá, de tão quente ainda é.

128. Johannes Heil – Paranoid Dancer [Kanzlermant, 2002]

Baixão de electro cavernoso, kick duro, estilhaços de percussão e alarme que soa intermitente sinalizando que alguma coisa não está legal. Será apenas imaginação, ou seu cérebro te pregando uma peça? Nada disso, é apenas Paranoid Dancer que destroça os neurônios enquanto o esqueleto chacoalha sob artilharia inclemente do mestre Johannes Heil. Um dos mais prolíficos produtores vindos da Alemanha, Heil é experto em construir obras sombrias e experimentais (Per Disciplinum Mea Lux Videbis), minimalistas  (Feiern) ou porradas sinistras (Fear e Body Prints), sempre em altíssimo nível. Mas sempre há em comum um componente denso e obscuro. Na dúvida, corra. Para a pista! 

129. DJ ESP & Woody McBride – Off The Celling [Communique, 2002]

Com uma linha de baixo gorda pulsando inclemente e dois breaks absolutamente destruidores, essa é uma das mais poderosas faixas de techno já produzidas, impossível ficar parado quando ela começa a vibrar. O norte-americano Woody McBride, ou simplesmente DJ ESP, responsável pelo ótimo selo Comuniquee, tem uma longa trajetória na construção da cena techno underground com dezenas de outras ótimas faixas lançadas por selos de respeito como Bush, White Noise, Ovum e Acid Tracks.

130. Michael Mayer – Pride is Weaker Than Love [Kompakt, 2002]

Se o dub techno encontrou em Berlim, via Hardwax, sua casa e quartel general, é em Colônia, também na Alemanha, que o minimal techno estabeleceu sua principal base através da icônica gravadora/estúdio/loja Kompakt. Pertencente a Wolfgang Voigt, Michael Mayer e Jürgen Paape, a Kompakt é responsável por disseminar a vertente pelo mundo todo como um vírus, na virada do milênio, e permanecendo forte até os dias atuais.

Essa faixa de Meyer, uma hipnótica releitura de Love Is Stronger Than Pride, de Sade, faz muita gente torcer o rabo, mas não adianta nada, é genial. Poderia ser: Speaker, Sneaker ou Touch, todas obras essenciais de Meyer.

131. Layo & Bushwacka! – Love Story [XL, 2002]

Mais um caso de artistas que poderiam requisitar a dupla cidadania no Brasil, Bushwaka, ao lado de seu parceiro Layo, eram arroz de festa por aqui no final dos 90, sempre com certeza de muita diversão e boa música. Love Story usa um inusitado sample da música Mongoloid, do DEVO, para se transformar em um clássico alto astral dos clubes, com seguro garantido para levantamento de qualquer pista quando é executada.

132. Mr C & Tom Parris – Sirens [Sex On Wax, 2002]

Acredite se quiser, houve um tempo em que o termo tech house não tinha a pecha de farofa que adquiriu com o passar dos anos. Bem, definitivamente esse não é o caso do Mr C, lendária figura da cena londrina, dono do clube The End e DJ de mão cheia. E para falar a verdade, Sirens está bem mais para techno, com um ritmo contagiante marcado pelo baixo muscular, percussão tribal e synths viajantes, cheios de efeitos, que conduzem a track com maestria.

A faixa ainda conta com um remix avassalador de Vince Watson. Pode escolher qualquer uma que o estrago é certo em qualquer pista.

133. Renato Cohen – Pontapé [Intec, 2002]

Por falar em estrago em pista de dança, segura tua onda porque vem aí um dos maiores fenômenos do techno brazuca e mundial e uma das músicas mais demolidoras da história. Se nossos DJs, clubes e povo festeiro já eram bem conhecidos através dos inúmeros artistas que desembarcavam e tocavam pelo país a cada semana, para alcançarmos notoriedade junto ao grande público no exterior faltava apenas um empurrãozinho.

Porém, mais do que um empurrão, o que houve foi um Pontapé muito bem colocado por parte de um de nossos maiores artistas, Renato Cohen. O chute colocou o Brasil definitivamente no mapa do techno mundial, e a faixa, lançada pela Intec de Carl Cox e Mr C, em cases de dez entre dez DJs que a tocaram à exaustão.

134. Tomaz vs Filterheadz – Sunshine [Intec, 2002]

Mais uma que vem da Bélgica, um dos principais polos do techno na Europa, com clubes e festivais mundialmente conhecidos como o lendário I Love Techno e o gigantesco Tomorrowland. E esta é outra que é garantia do povo pulando feliz da vida. Sunshine foi onipresente em clubes, raves e festivais durante um bom tempo, desde seu lançamento pela mesma Intec, em 2002, e funciona maravilhosamente em grandes arenas e espaços abertos.

Com sua marimba hipnótica e percussão incansável, conduz ao êxtase sob um sample latino indecifrável. Vaca? Faca? Vida? Xinga-me? Pouco importa, já pode receber o selo de faixa que representa uma época.

135. DJ Rush – Get On Up (Chris Liebing Mix) [Pro-Jex, 2002]

Montado até a peruca, do alto de suas imponentes botas de pregos de 40 centímetros somados aos seus quase dois metros de altura, Isaiah Major é uma figura quase ameaçadora. Porém, nada mais agressivo no final dos anos 90 do que um de seus demolidores sets de um poderoso e contundente hard techno.

Nascido em Chicago, onde começou tocando em clubes como The Music Box e Playground, logo mudou-se para Berlim, onde seu som era muito melhor compreendido e aceito. Dentre um vasto catálogo de produções clássicas ,como Freaks on Hubbard, Motherfucking Bass, Spitball ou Djax Up Beats, pinçamos este avassalador remix de Chris Liebing para Get On Up, verdadeiro objeto sonoro com capacidade de dizimar multidões.

136. Tim Taylor – The Horn Track (Luke Slater’s Khufu Remix) [Missile, 2002]

Não falha nunca. A pista pode estar até vazia e desanimada, mas é só ouvirem o chamado da corneta ao longe, que batalhões de pessoas ensandecidas surgem de todos os lados. Tim Taylor acertou a mão na original, The Horn Track, um breakbeat nervoso que já balança as estruturas. Porém, o remix comemorativo de Luke Slater joga a pá de cal sobre tudo.

Ele a transforma em um 4×4 latejante, envolto por arpejos rebolativos que culminam no break arrebentado para soar o tal berrante do oriente. Com samples de C Cat Trance, do mestre Egyptian Lover, e um miado de gato maroto, cortesia do The Human League, a faixa é daquelas que faz até defunto dançar.

137. Thomas Krome – Bitches From Hell (Thomas Krome Resurrection Edit) [Corb, 2003]

A Suécia é terra fértil em produzir artistas de qualidade que produzem faixas de alta octanagem, como Adam Beyer, Christian Smith, Cari Lekebusch, Joe Mull e Jesper Dahlbäck. Aqui, quem dá a paulada é Thomas Krome, com as suas meninas do inferno alegrando a pista por onde passam.

Foi tarefa duríssima escolher entre a nervosa original de 98 ou o devastador remix de 2003, mas ficamos com este, um verdadeiro upgrade que a tornou um 4×4 ainda mais potente.

138. Agoria – La Onzieme Marche (Phil Kieran Remix) [Tekmics, 2003]

No passado, o francês Sébastien Devaud só tinha conseguido comprar um toca-discos, então, para treinar, ele mixava com músicas que tocavam na rádio de casa. Pontos para ele, que, após alguns anos, adotou o nome de Agoria e agraciou o mundo inteiro com a épica La Onzieme Marche, perfeita para ser apreciada quando tudo está bem encaminhado, a cabeça está feita e é tudo alegria.

A original é maravilhosa, porém o remix de Phil Kieran é ainda melhor, e acerta ao filtrar as batidas cozinhando o clima na medida certa até o break épico.

139. DK8 – Murder Was The Bass (Reworked) [DK, 2003]

Muito cuidado ao escutar esta track, pois há grande chance de se danificar os alto falantes de sua aparelhagem de som, cortesia de Jesper Dahlbäck em parceria com Thomas Krome, que, juntos, formam o DK8.

Como o próprio nome diz, um baixo matador carrega muito peso na bateria, junto de synths de buzina de um navio do inferno e breaks mais que cabulosos para aniquilar geral. A versão retrabalhada é garantia de ainda mais explosão na pista. Uso de capacetes obrigatório no recinto em que for colocada.

140. Chris Liebing – American Madness [Evolution, 2003]

E tome lenha! Um dos maiores nomes do techno alemão e mundial de todos os tempos, Chris Liebing tem uma trajetória repleta de grandes e importantes momentos na história do estilo, e continua relevante até hoje. Foi o inventor do schranz, um hard techno muito pesado, rápido e quase minimalista, que explodiu no meio dos anos 90, e também um dos primeiros a utilizar o computador para tocar com o Final Scratch.

Em 2003, veio o excelente álbum Evolution, intenso, profundo e visceral, com momentos introspectivos e pegada industrial. American Madness é uma cacetada certeira para uma pista cheia de gente cabeçuda que não usa armadura. Poderia ser: Dandu Groove, Disorder And Chaos ou Tunox, como Collabs 3000.

141. Ricardo Villalobos – Dexter [Playhouse, 2003]

O chileno Ricardo Villalobos foi um dos principais responsáveis pela explosão do minimal techno na virada do século, com músicas com poucos elementos, muito dub, cliques e blips em mixagens longas e precisas. Os puristas podem xingá-lo de frito-passa-mal ou fazer disso divertidos memes, contudo, uma coisa que ninguém tasca é seu inconteste talento.

O excelente álbum Alcachofa extrapolou o circuito da música eletrônica com belíssimas canções, como Easy Lee ou a maravilhosa Dexter, a nossa selecionada.

142. Monica Kruse – Latin Lovers [Planet M, 2003]

Todos já ouviram falar que a música latina é quente, e do poder que exerce sobre as pessoas. Pois a nossa querida Monika Kruse botou mais pimenta na receita e acrescentou, à já chacoalhada base dos porto-riquenhos do Zafra Negra, uma sagaz colagem de seus elementos, gerando um contagiante produto final.

Resultado: as pernas passam a se mexer inexplicavelmente assim que a faixa começa. É mambo, e salsa, e merengue, e é techno!

143. Bryan Zentz – D-Clash [Intec, 2003]

O norte-americano Bryan Zentz gosta de dizer que já foi skatista profissional e que chegou à música eletrônica após curtir hardcore de bandas como Minor Threat, Bad Brains, Crucifix e Discharge, hip-hop de Mantronix, Public Enemy e Eric B & Rakim, além de Cabaret Voltaire, Skinny Puppy e Tackhead. Belo caldo!

Receita de D-Clash: um piano afanado de Saure Gurke, do Aksak Maboul, e refogado à la Detroit, não mais que uma xícara de tribal não farofento e só um sample de vocal temperado de house. Mexa tudo com a colher dos anos 2000 e está pronta a faixa que sustenta qualquer clubber faminto por dançar. Foi uma luta não ter colocado nenhuma das delícias que assina como Barada, verdadeiras guloseimas acidificadas.  

144. Cirez D – Control Freak [Mouseville, 2003]

Mais um artista a surgir na Suécia que viria a explodir em todo o planeta, Eric Prydz, muito antes de se tornar um astro de EDM e pop-dance farofa, lançava produções de techno sob o nome de Cirez D, em seu selo Mouseville. Tem quem vá chiar, mas o fato é que ele realizou ótimas faixas, como Knockout e esta Control Freak. Recheada de ruídos, viradas sintéticas e rebatidas, tem a pegada robusta típica das produções do país nórdico, perfeita para os grandes salões.

145. Anderson Noise & Paco Osuna – Noisier [Noise Music, 2003]

Incansável batalhador em nome do techno, nos anos 90, Anderson Noise trabalhou em loja de discos, organizou festas em lugares inusitados, como manicômios, loja de carros e prédios tombados e, é claro, tocou muito. Seu nome se tornou conhecido e sinônimo de festa boa em sua Belo Horizonte, e não tardou para alçar voo pelo país e alcançar o primeiro escalão do techno brazuca, e depois mundial.

Lançar suas próprias produções e ter seu próprio selo foi apenas consequência óbvia e, assim, pelo seu Noise Music, já são mais de cem lançamentos até hoje. Ah, e tem ainda sua sensacional biografia escrita pela nossa chefona Claudia Assef.

Separamos a energética Noiser, feita em parceria com o espanhol Paco Osuna, um empolgante 4×4 cheio de groove, pulsação e um irresistível zumbido que, aos poucos, preenche a faixa.

146. DJ Murphy – Tem Lenha! [Definition, 2003]

No final dos anos 90, desponta um dos maiores peritos na arte da discotecagem chamada de turntablism, realizando uma desconcertante mixagem em dois, três ou até quatro toca-discos. Com rara habilidade, DJ Murphy controlava esses canais carregados de um hard techno inclemente, chamado de lenha, que soavam como locomotivas prestes a descarrilar, mas que ele colocava nos trilhos com notável perfeição.

Logo já estaria ganhando o mundo e deixando o povo passado em festivais por toda Europa, sendo aclamado como um dos melhores DJs do planeta. Em 2003, lança sua primeira produção pela Definition, do alemão Christian Fischer  a emblemática e taxativa Tem Lenha!, poderosa interseção dessa pancadaria do hard com atabaque e temperada com sample de Casaca de Couro, do genial Jackson do Pandeiro. Tem até uma sanfoninha marota para botar lenha na fogueira de São João.  

147. Dynamo City – One Night In Hackney [Stay Up Forever, 2004]

Dois dos mais queridos e respeitados DJs do coletivo Stay Up Forever, o carismático Chris Liberator, junto a seu parceiro de crime D.A.V.E. The Drummer, criaram a paródia definitiva em cima de One Night in NYC, do The Horrorist (a famosa historinha do cara que dá uma bala para a menina).

Em One Night In Hackney, tudo acontece com um cara que visita Londres pela primeira vez e vai parar no famoso bairro de Hackney. Ali, a tal noite começa no sábado e termina no fim de segunda-feira — tudo movido a ecstasy, ketamina, ácido, speed e cerveja, e temperado por um acid techno sujo e pesado. Parece deveras aprazível, não é mesmo?

148. Anthony Rother – Father [Subliminal, 2004]

Pioneiro, visionário e futurista são termos frequentemente utilizados para descrever o alemão Anthony Rother, nome que ocupa um lugar no pódio do electro, realizando com primazia a sua fusão com synthpop, italo disco, techno e mesmo punk. Com faixas seminais, como Sex With Robots, Red Light District, Destroy Him Robots ou mesmo em seu projeto mais pop, Little Computer People, Rother ajudou a firmar o electro de batidas mecânicas, vocais robóticos e timbres singulares para as melodias pungentes que constrói.

Operando sua coleção de sintetizadores e aparelhos analógicos, realiza apresentações lendárias, como a que fez no clube Lov.e, em 2007. Outra faixa que faz a memória afetiva passar por cima de qualquer convenção ou racionalidade, Father marca essa fase de quando ele aqui esteve para fazer história.

149. Nathan Fake – The Sky Was Pink (Holden Remix) [Border Community, 2004]

Junto com a onda do minimal e dos sons mais calmos e viajantes, surgiu uma nova leva de produtores buscando referências nas antigas produções de trance e progressive house. Nathan Fake sintetiza esse momento com expertise em The Sky Was Pink, lançada pelo selo Border Community, de James Holden, responsável pelo maravilhoso remix da faixa.

Apesar de ter sido tocada à exaustão, basta uma nova audição para se comprovar que sua força e beleza permanecem intactas.

150. Alloy Mental – Fire (Chris Liebing Remix) [White, 2005]

Desde a metade dos anos 90, a seara eletrônica foi invadida por um público roqueiro cansado da mesmice e caretice que havia tomado o rock. Na essência, o techno sempre foi terreno fértil e aberto a novas experimentações, então os roqueiros já gostavam do som pesado do schranz e do techno cabeçudo permeado por ruídos e timbres industriais. Agora, tinham o cardápio acrescido de guitarras e vocais que remetem ao heavy metal e EBM, Nitzer Ebb e Ministry.

Formado por Martin Corrigan e Phil Kieran, o Alloy Mental acerta essa fórmula com primor, e o remix de Chris Liebing dá ainda mais peso à equação virtuosa.

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Laerte Castagna

Cresceu ouvindo o rock dos anos setenta e acompanhou in loco as explosões do punk, do pós punk e da música eletrônica. Vagou e se jogou pelas pistas esfumaçadas de clubes e after-hours em subterrâneos e telhados paulistanos. Bagunceiro amador, apaixonado por música ao vivo, discos e fitas, assuntos sobre os quais escreve. Dedica-se à confecção de playlists reais e ultra reais para festeiros em repouso ou expansão de consciência.