Tomorrowland Bélgica Foto: Reprodução/Youtube

Por que e como o Tomorrowland surgiu na Bélgica

Bia Pattoli
Por Bia Pattoli

De 1958 aos dias de hoje: entenda a relevância da Bélgica para a música eletrônica

Que o Tomorrowland é um dos festivais de música eletrônica mais consagrados do mundo, não é exatamente novidade. Mas talvez o que muita gente não saiba é que o festival belga surgiu lá em 2005, em uma cena que já acontecia e estava estabelecida há décadas.

Tudo bem que quando falamos de Bélgica, a correlação com a música eletrônica não acontece da mesma maneira como quando pensamos em italo disco, techno alemão ou a french house. Mas o país tem uma relação com a música eletrônica que provavelmente começou muito antes em relação aos seus vizinhos mais famosos. E não só isso, há quem diga que as raves partiram de lá!

Edgar Varése entra em cena

Para contar essa história, temos que começar por 1958, quando rolou a Feira Mundial de Bruxelas (Exposition Universelle et Internationale de Bruxelles). A feira tinha como objetivo mostrar avanços tecnológicos e exposições culturais, e incluiu atrações não tão legais como um zoológico humano.

O ponto é que foi nesse evento que Edgar Varése, um dos principais precursores no uso de meios eletrônicos na composição musical, apresentou sua obra Poème Électronique, uma peça eletroacústica de oito minutos que foi apresentada em um pavilhão com mais de 400 alto-falantes, e que banhou os visitantes em uma performance com sons, luzes, cores, arquitetura e imagens.

Ali, as pessoas tiveram um gostinho do que estaria por vir nas décadas seguintes.

DJs de órgãos automáticos

Essa demonstração de música contemporânea veio a calhar no cenário do país da época. A Bélgica é conhecida por ter sido um campo de batalha da Europa ao longo da história. Esse tipo de cenário ajudou os belgas para que, nos momentos de calmaria, buscassem maneiras de se divertir. E foi lá no início do século XX que começaram a surgir os clubes.

A música vinha de órgãos automáticos alimentados por papel cartão perfurado, dando a cada instrumento do órgão as notas musicais. E nessa época existiam até os Cardboard Jockeys — seletores de músicas para esses órgãos.

Chegam os discos, e surge o popcorn

Mas com o advento do disco prensado, esse sistema foi eventualmente substituído. Entre 1960 e 1970, a Bélgica viveu uma inundação de discos importados, o que, por sua vez, fez surgir uma espécie de novo gênero musical, o popcorn. Os DJs da época tocavam prioritariamente soul music, mas ao invés de tocar nas 45 rotações por minuto, baixavam para 33 rpm.

A vez do EBM

Como sempre, situações globais afetam o cenário cultural, e na Bélgica não foi diferente. Nos anos 80, surge o EBM, sigla para Electronic Body Music. Um som seco e duro, com um pé no punk, mas feito com sintetizadores e sequenciadores.

Apesar de o gênero ter se popularizado em diversos países, um dos nomes mais conhecidos é justamente belga: o Front 242. Vale mencionar que foi nessa época (mais precisamente, em 1983) que surgiu o selo belga R&S, que posteriormente viria a lançar nomes como Aphex Twin, James BlakeJuan Atkins.

Até que um dia — ou melhor, uma noite — de 1987, na Antuérpia, o DJ Dikke Ronny resolveu tocar a faixa EBM Flesh, de A Split-Second, em 33 rpm, com o pitch no +8. Nascia o New Beat.

O gênero se desenvolveu, agregando ainda referências de estilos como new wave hi-NRG, e foi o precursor do hardcore dance dos anos 90, que também se desenvolveu na Bélgica, junto a Holanda e Alemanha.

De club crawling ao surgimento da I Love Techno

No início da década de 1990, uma nova cena começou a surgir no país: a dos clubbers viajantes. Os jovens saíam de casa na quinta-feira e viajavam por diversas cidades atrás de clubes — uma espécie de adaptação mais intensa do movimento de pub crawling (ir a diversos pubs em uma noite).

Os estabelecimentos não tinham hora pra fechar, então as pessoas faziam uma espécie de tour que durava até quatro dias — e muitas vezes, viajavam até mil quilômetros em um único final de semana. Tomavam banho em postos de gasolina nas estradas e partiam para a próxima pista.

Não demorou para que pessoas de outros países começassem a ir para a Bélgica só para experimentar isso, e também não demorou para que as autoridades locais tomassem medidas para fechar os clubes. Alguns até foram demolidos.

É aí que as raves entram em cena. Uma das mais icônicas dessa época é a I Love Techno. A primeira edição rolou em 1995, em Ghent, para 700 pessoas. O line up levou nomes que fazem inveja até hoje: Jeff Mills, Richie Hawtin e Daft Punk.

No auge do que então se tornou um festival, a ILT teve público de 40 mil pessoas.

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Flyer da primeira edição da I Love Techno. Reprodução

Tomorrowland rouba (e estabelece de vez) a cena

Em 2005, quando o Tomorrowland fez sua primeira edição, dá pra dizer que os belgas estavam mais do que calejados na cena eletrônica. O festival começou com um público de 8.700 pessoas e em três anos já estava batendo 50 mil.

Para além do line up, ele sempre focou no aspecto multimídia. Com telas, luzes e o que mais existia à disposição, os palcos se tornaram uma atração à parte. O evento virou uma espécie de explosão de estímulos, tanto auditivos como visuais — não muito diferente do que Edgar Varése esperava atingir lá em 1958.

A diferença é que o Tomorrowland ganhou o mundo, e atualmente leva esse jeitinho belga de curtir música eletrônica para outros lugares também.

 

Para quem quiser saber mais sobre essa história, recomendo o livro Rave Little Belgium e o filme The Sound of Belgium.

Tomorrowland Brasil
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