Jeff Mills, o homem que veio do futuro, é uma das principais atrações do Dekmantel. Temos provas de que ele não é deste planeta, conheça

Sachi Garcia
Por Sachi Garcia

Que Jeff Mills não é deste mundo, muita gente deve ter percebido desde o começo de sua carreira de DJ nas rádios de Detroit no início dos anos 1980, onde já exibia sua maestria sonora nos seus enérgicos sets, a ponto de ganhar o apelido de The Wizard (O Mago). Mas foi com seu selo, Axis Records, que faz aniversário de 25 anos este ano, que Jeff passou verdadeiramente a viver as várias personas que giram em torno de um sólido eixo, que é a sua própria essência. Que ninguém se engane, ter várias personas não é sinônimo de pessoa mascarada, e sim de um desenvolvimento psicológico superior, capaz de incorporar e efetivamente viver diversas vidas, o que faz com que fortaleça ainda mais a sua autenticidade.

A fascinação de Jeff Mills pela ficção científica e o espaço sideral é notória e permeia grande parte de suas produções musicais

Provavelmente a mais forte entre as personas de Jeff Mills é o Man from Tomorrow (Homem que Veio do Futuro). Sua fascinação pela ficção científica e o espaço sideral é notória e permeia grande parte de suas produções musicais (Gamma Player, ART/UFO,  Alpha Centauri, Time Machine, One Man Spaceship, Contact Special, Something in the Sky etc.). Bem, eu mesma estava um dia, lá nos anos 90, ouvindo Jeff Mills no meu quarto, quando meu pai entrou e me perguntou: “você está tentando contato com E.T.s?” (rs).

Existe no mundo um sem número de teorias e hipóteses sobre a identidade dos OVNIs e seus tripulantes, e uma delas é a de que sejam os nossos descendentes que vieram nos visitar do futuro, provavelmente para nos alertar de algo. Então Jeff seria um alien, capaz de viajar tanto pelo tempo quanto pelo espaço? Suas feições quase não deixam dúvidas… Em todo caso sua estética transcende aspectos de raça e cultura, e nos remete a um ser que está fora do nosso campo “normal” de realidade.

Veja o DVD Exhibitionist Mix Complete

Porém é possível perceber logo que Jeff não veste tais personas apenas para a construção de uma imagética de marketing ou como mero entretenimento. Jeff Mills é um pensador. E como todo pensador é questionador. E quem questiona, comunica-se. Sim, ele é mestre nessa arte. Suas preocupações transitam pelo tempo e espaço, e embora pareçam mais direcionadas para o espaço sideral e o contato com vidas extraterrestres, se prestarmos mais atenção, entendemos que tratam-se muito mais dos habitantes da terra e seu habitat do que qualquer outra coisa.

Parece que o que o interessa é a parte psíquica, a mente dos seres humanos. Desde cedo como DJ e produtor de techno, ao pousar nos seus territórios de atuação, Jeff Mills desafia as convenções (acredite, existem convenções também neste mundo da música eletrônica), questionando a maneira como se desenrola uma noite de techno num clube ou festival, ou como poderia ir além de produzir “música para dançar”. Sua extraordinária habilidade mental e manual em mixar faixas deve ser tão natural e inata que expande-se para além das pick-ups e dos territórios “noite, festa, clube”.

Jeff Mills criando faixas novas no museu Rembrandt em Amsterdam

Um atrás do outro, Jeff cria projetos que mixam passado, presente e futuro, sons e imagens, cidades e não-localidades, dança e vídeo, techno com elementos tão diversos quanto cinema antigo futurista, orquestra, Rembrandt, túnel do tempo, Louvre e astronauta japonês, numa fantástica fusão de diferentes formas de arte. Com isso Jeff Mills desafia nosso modo de pensar e de estar no mundo, assegurando-nos de que o futuro da humanidade está na imaginação.

Se “o mundo é feito de linguagem”, para citar o filósofo, psiconauta e etnobotânico americano Terence McKenna (mas não é só ele, até a bíblia fala disso), então o que Jeff faz através de seus sucessivos projetos e apresentações é criar mundos novos. Todos esses experimentos são nada mais nada menos do que comunicação, pois o conceito de linguagem precisa ser visto como algo muito mais amplo do que meros sons que saem das nossas bocas. Comunicação não só com a audiência, mas também com os diversos parceiros que ele busca de diversas áreas de atuação. Essa busca constante do “outro” é o nosso desejo instintivo pela totalidade, segundo a ideia junguiana.

Seria Jeff Mills capaz de representar uma força criativa questionadora e impactante o suficiente para transformar o status quo da cultura?

Falando em Jung, o psicólogo suíço, que cunhou termos como “inconsciente coletivo” e “sincronicidade” e desenvolveu vasto trabalho sobre arquétipos e mitos, também se interessou profundamente pelo fenômeno dos OVNIs. No seu arriscado e ousado ensaio “Um Mito Moderno sobre Coisas Vistas no Céu”, publicado em 1958, Carl G. Jung descreve o arquétipo do UFO, com seu formato de disco, como uma mandala, um símbolo da totalidade, atribuindo ao fenômeno quase histérico dos UFOs o papel da busca coletiva da raça humana pelo “outro”. Sua interpretação não fica apenas no plano psicológico coletivo, defendendo que o fenômeno físico dos contatos imediatos possa ser explicado com o conceito da sincronicidade, significando a grosso modo que o que a imaginação humana cria em algum lugar aparece no plano físico. É a mesma ideia da máxima alquímica segundo a qual “O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima”. Não por acaso confirma também a ideia citada anteriormente de que “o mundo é feito de linguagem”.

Blue Potential – Jeff Mills & Montpelier Philharmonic Orchestra (2009)

Para completar a ideia de Jung, Jacques Vallée (cientista franco-americano no campo da matemática, computação e astronomia e um dos ufólogos mais originais e vanguardistas da atualidade) propõe o conceito de um “sistema de controle” que regula o estado corrente da humanidade. Seria uma over mind ou over soul, uma espécie de mente ou alma superior. Não se sabe a sua origem (e eu aposto que seja na realidade hiperdimensional), mas o que pode ser entendido é que ela envia informações para desafiar a força desequilibradamente dominante em vigor naquela era que esteja trazendo danos à humanidade. E isso da maneira mais absurda em termos de forma e mensagem. No caso dos fenômenos ufológicos que pipocaram depois da Segunda Guerra Mundial, o alvo a ser desafiado seria o racionalismo científico materialista e mecanicista, que trouxe muito mais destruição e morte do que qualquer outra coisa.

Ouça Blue Potential com a Orquestra Filarmônica de Montpelier

Esse elemento novo que chega para regular e compensar o desequilíbrio precisa ter uma força tamanha que efetivamente cause um impacto na sociedade, por isso é que as experiências relatadas pelos que fizeram contatos imediatos sempre são numinosas e arrebatadoras, capazes de transformar para sempre a vida daquela pessoa ou comunidade.

E não seria precisamente isto que Jeff Mills representa? Uma enorme força criativa questionadora e impactante o suficiente para transformar para sempre o status quo da cultura não só da música eletrônica, mas das artes de sua época. Ao derrubar a barreira existente entre diversas atividades humanas e, talvez o mais importante de tudo, ao modificar o estado psíquico e mental das pessoas com sua música e ações, Jeff nos transporta para um futuro mais completo, mais próximo da totalidade humana. Me parece uma descrição adequada para um Homem que Veio do Futuro, não?

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