Wu Tang Clan - Once Upon A Time in Shaolin A caixa em que “Once Upon A Time in Shaolin” foi guardado. Foto: Reprodução

Álbum mais valioso do mundo vai ter rara audição em museu australiano

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Once Upon a Time in Shaolin, do Wu-Tang Clan, tem apenas uma cópia disponível em todo o planeta

Quando o assunto é valorizar o próprio passe, o grupo de rap nova-iorquino Wu-Tang Clan deu aula para os colegas. Preocupados com o efeito que a pirataria havia causado na noção de “valor” de um trabalho musical, o rapper RZA e sua gang tiveram uma ideia sensacional. Gravaram secretamente, entre 2006 e 2013, o álbum Once Upon a Time in Shaolin, e produziram somente uma cópia física do disco.

Isso mesmo. Não tem em streaming, não foi para as rádios, teve suas masters deletadas e, até o anúncio de sua exposição para o público exclusivamente no museu MONA, na Tasmânia (Austrália), a única vez que se tem conhecimento de uma audição de Once Upon a Time in Shaolin foi em uma audição no MoMA, o famoso museu de arte moderna de Nova Iorque, para 150 convidados, em 2015 (ano de seu lançamento). A turma era formada por colecionadores de arte e críticos musicais, escolhidos a dedo.

Depois da superprivada festinha de audição, a obra foi guardada de volta em sua caixa de prata ornamentada com pedras preciosas, dando a ela ares de tesouro, e colocada em leilão. O disco foi arrematado por um milionário da indústria farmacêutica por dois milhões de dólares, se tornando o álbum mais valioso da história da música. Poooonto pros meninos!

O Wu-Tang Clan tomou todos os cuidados para marcar este golaço. Ninguém, além do grupo e equipe, soube de seu longo processo de produção. O LP foi colocado a leilão com um contrato de que não poderia ser apresentado a ninguém por 88 anos — ou seja, até o ano de 2103. Depois disso, deveria ser distribuído de graça.

Assim como todo item sagrado, Once Upon a Time In Shaolin trouxe maldições e azares para quem o tocou. Logo após a venda da caixa, veio à tona a notícia de que seu comprador era ninguém menos do que Martin Shkreli, considerado o “empresário mais odiado do mundo” pela imprensa americana, acusado de inúmeras fraudes financeiras, que o levaram à falência.

RZA declarou que não conhecia a biografia de Shkreli e só se deu conta que o grande tesouro do rap caiu em mãos erradas pelo que viu na imprensa. Afirmou também que o Wu-Tang Clan decidiu doar uma “parte considerável” do dinheiro descolado com a venda para instituições de caridade.

Mas Once Upon a Time in Shaolin não ficou muito nas mãos de Martin. Para pagar o prejuizo que o mano deu no mercado americano, o Departamento de Justiça confiscou seus bens, incluindo o álbum, e o vendeu, em novo leilão, por quatro milhões de dólares para uma empresa especializada em NFTs, a PleasrDAO.

Os novos compradores reveleram ao público seu desejo em tornar o álbum acessível a todos, mas graças às regras do contrato preparado pelo Wu-Tang Clan, qualquer audição pública só poderia rolar com autorização do grupo. Foi este acordo que permitiu, ainda sem data definida, que mais alguns sortudos consigam ouvir as músicas de Once Upon a Time in Shaolin.

O museu, que conseguiu o disco emprestado para a exposição Namedropping, promoverá uma série de listening parties para convidados, e somente uma parte da obra será tocada. Segundo a Billboard, as audições do disco vão rolar entre os dias 15 e 24 de junho, duas vezes por dia. Algumas das 31 faixas do álbum permanecerão secretas — no MoMA, em Nova Iorque, somente 13 minutos do disco foram ouvidos. Assim como rolou naquela ocasião, todos serão revistados, para evitar que algum espertinho entre com algum dispositivo de gravação escondido.

À época do lançamento, o Wu-Tang Clan, em nota à imprensa, declarou:

“A indústria da música está em crise. O valor intrínseco da música foi reduzido a zero. A arte contemporânea vale milhões, graças à sua exclusividade. Ao trazer um conceito usado por mais de 400 anos na arte para a música, oferecendo o disco como um valor de commodity, um trajeto similar às obras de arte, desde sua criação, até a exibição e a venda, nos esperamos inspirar e intensificar debates urgentes sobre o futuro da música”.

Genial!

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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