Toco faz 50 anos: mergulhe na história da casa que foi o berço dos festivais de música e lançou DJs como Iraí Campos e Marky
Onde já dançamos rock, disco e black music nos anos 1970, new wave e rock Brasil nos 1980 e house, acid house e jungle nos 1990. Bem-vindos à Toco, a casa noturna que completa 50 anos neste sábado (25)!
Início da década de 1970 na periferia de São Paulo, jovens passeiam pelas calmas ruas de um bairro que mais parece uma pequena cidade do interior, com apenas um mercado, uma farmácia e sua indefectível praça, que abrigava um antigo cinema.
Suas roupas e visual são típicos da juventude de 1972, cabelos longos, sapatos plataforma, calças boca de sino, muitas estampas florais e coloridas. Todos vão à escola pública, ainda uma instituição com respeitabilidade e confiança entre a população. É numa dessas escolas que encontramos a turma de Maria de Lourdes Crunfli, que planeja fazer uma festa de formatura no final do ano.
Lourdes e seu irmão, William, costumavam se reunir com amigos em casa para bater papo e ouvir música. Como ela diz, “boa música, como Chicago, Creedence, Bee Gees, Grand Funk, Led Zeppelin”, entre outros.
“Conversando com meu irmão sobre nossa ideia de fazer bailes pró-formatura, surgiu o interesse dele e seus amigos em participar desta empreitada,” continua. E assim foi, com uma série de festas sendo realizadas a cada final de semana em um local diferente.
“Eles cuidavam do som e da luz, e nós da promoção, de conseguir a casa e produzir o bar. No final do ano fizemos um grande baile e conseguimos pagar tudo! Foi um sucesso! Muitos casais se conheceram e casaram através dessas festas!”
O nome veio de Pitoco!
Após esse momento, a parceria com a turma do colégio se encerra e os amigos estão prontos para novos desafios. Naquele tempo, pipocavam em toda a cidade as tais equipes de som, grupos de jovens amantes de música, munidos de equipamentos de áudio e iluminação, que se organizavam como um time para embalar os bailinhos e comemorações que ocorriam a cada final de semana.
Assim, um tomava conta da luz, outro, do som, um terceiro, da parte administrativa e mais algum colocava as músicas para tocar, ou seja, era o tal do DJ. Junto a William na equipe estava Marco Antonio Tobal, que tinha um sobrinho de apelido Pitoco, mas que só conseguia pronunciar Toco, nome escolhido para batizar a equipe. A apoiá-los, estavam Romualdo Hatt e Luiz Mattos.
Após os primeiros anos realizando as festas de forma itinerante em casas e garagens, passaram para o salão paroquial da Igreja Belo Ramo. Depois, saltaram para alguns galpões e a quadra de esportes da Sociedade de Amigos da Vila Matilde, até se estabelecerem definitivamente no prédio do tal antigo cinema, o Cine São João, na Praça da Conquista. Ali, acompanhando os sonhos dos rapazes, a empresa decolaria para voos cada vez mais altos e se firmaria alguns anos depois como a mais importante casa noturna da cidade.
Como uma boa equipe, os sócios dividiam as tarefas, além de agregarem familiares e amigos ao trabalho. Tobal ficava encarregado da promoção dos eventos, Romualdo cuidava do jurídico e William cuidava do som e era o DJ. “Naquele tempo, o que rolava era rock! Fomos os primeiros a tocar Led Zeppelin, Pink Floyd e Queen!”, conta William.
O berço de um dos maiores DJs do país, Iraí Campos
Uma tarde, William estava atarefado, preparando equipamentos e músicas para a noite, quando um jovem passou por ali e, vendo a porta aberta, entrou. Perguntou se estavam precisando de DJ.
“Quer saber? Estou! Volta aqui depois para fazer um teste”, disse ele ao então DJ iniciante, ninguém menos que Iraí Campos ,que mais tarde se tornaria uma das grandes potências do país no quesito discotecagem.
Aprovado, levou junto o amigo Claudio Vizu, que ainda não era DJ, mas mexia com a iluminação. Iraí foi o primeiro DJ contratado da Toco, substituindo William, que passou a tocar com menos frequência, dedicando-se mais à direção da empresa — mas continuou nas noites de Flash Back aos domingos, uma das preferidas do público.
Iraí Campos comandou as cabines durante os anos 1980, época em que a casa funcionava até meia-noite, no máximo uma da manhã, pois ainda não tinha alvará para a madrugada. Com capacidade para quatro mil pessoas, não foram poucas as vezes em que atingiam lotação máxima, e a festa acontecia também lá fora, com a paquera rolando solta, as meninas fazendo footing ao redor da praça e os rapazes em bandos apreciando as carangas com som em volume máximo — por carangas, leiam-se Fuscas, Brasílias e Opalões rebaixados, com vidro-fumê e motor envenenado.
E todos também curtiam e se divertiam nos estabelecimentos vizinhos, como o Pilequinho, Bar do Alemão e a sorveteria Chup’s.
Rádios, DJs e casas noturnas no mesmo barco
Graças à reputação da casa, muitas portas se abriam para os DJs, como conta Campos:
“Uma vez fui até a rádio Bandeirantes e encontrei os DJs Gregão e Greguinho, que estavam iniciando um novo projeto com disc-jóqueis lá. Perguntei se tinha vaga e eles disseram que não. Quando me virei para ir embora, o Gregão perguntou: ‘onde você toca?’. Quando respondi ‘na Toco’, ele falou na hora: ‘opa, pode voltar, quando você quer tocar?”.
Alguns anos depois, também devido ao sucesso da Toco, Iraí conseguiu algo muito improvável: dois programas de rádio, um na Bandeirantes FM e outro na Jovem Pan, no mesmo dia e horário, sábado, às dez da noite.
A Toco sempre foi conhecida por ter equipamentos de ponta em suas instalações, fossem os toca-discos, amplificadores, luzes, telões ou qualquer novidade que aparecesse no mercado. Tinham por hábito realizar periodicamente grandes reformas no local, mudando a decoração, cores e atualizando os equipamentos.
Seis meses após a reforma de 1988, com os DJs tocando uma linha mais focada na black music, sentiram que precisavam de uma mudança e convocaram os dois residentes das casas irmãs, Contra-Mão e Califórnia, para dar uma chacoalhada na galera. Eram Vadão e Cadico, que tocavam um som mais focado na house music, e deu super certo!
A house e a acid house estavam bombando em todo o mundo, eles passaram a tocar a novidade ali e resposta do público foi imediata!
Tomorrowland? A Toco investia algo em equipamentos de ponta
Assim como as reformas na parte estrutural, frequentemente os equipamentos eram atualizados com o mais moderno que havia.
“Não bastava termos o melhor, era preciso ter em primeiro lugar. Íamos para o exterior visitar as casas noturnas e observar o que havia de novidade, que logo seria incorporada aqui”, conta Vadão.
Desde as potências, decks, efeitos, iluminação, raio laser e telões, tudo era de última geração. Nessas mudanças, a casa chegou a ter um escorregador na entrada e uma máquina de espuma que levava todo mundo à loucura. Também lançaram vários discos com os sucessos das pistas, como o LP Toco House Hits, que vendeu centenas de milhares de cópias.
“E de tempos em tempos fazíamos uma festa de trocas dos equipamentos, a DJ Night, com vários convidados que vinham para tocar. Estreávamos os novos equipamentos e os antigos eram sorteados entre o público!”, completa o DJ.
A Toco foi um fenômeno nunca visto, com gente se deslocando de todos os pontos da cidade para curtir a noite num pequeno bairro da Zona Leste paulistana, como descreve o frequentador Francisco Eliton Alves:
“Sou da Zona Sul, sempre tive um sonho de conhecer a Toco, até que um dia alugamos um ônibus e fomos todos para lá. Fiquei impressionado com a multidão que se concentrava na entrada da danceteria, tinha iluminação até do lado de fora! Foi uma noite incrível, uma das mais felizes da minha vida!”.
O sucesso estrondoso reverberou em todo país e obrigou os DJs a saírem em turnê, convidados a tocar e divulgar a marca ainda mais. Faziam isso praticamente toda semana, levando na bagagem o inevitável case de discos contendo os maiores sucessos que bombavam na casa, aguardados ansiosamente como uma mensagem que vem de longe.
Bolachões que eram garimpados nas viagens que faziam, principalmente a Nova Iorque. O DJ Cadico conta 46 viagens para lá em busca de músicas e novidades. Uma das marcas da casa eram as vinhetas que eram produzidas nos EUA, no mesmo estúdio da Banana Power, outra boate histórica da noite paulistana, localizada nos Jardins.
A mãe dos festivais brasileiros
A busca constante por equipamentos deu origem à maior empreitada dos rapazes e um momento histórico para o showbizz nacional. Estavam Tobal e William andando pela Avenida Paulista quando, no vão do MASP, se depararam com um telão onde estava sendo exibido um show de laser. Foram até lá e na hora decidiram que queriam aquilo para uma festa.
Quem trazia os equipamentos era o roqueiro de mil e uma artimanhas Billy Bond, da icônica banda Joelho de Porco, que algum tempo depois encontrou-os e falou: “Olha, tem um amigo meu de Beverly Hills que está trazendo o Queen para a Argentina e não tem ninguém para fazer esse show no Brasil”, como lembra Tobal.
Pronto, foi o que fizeram, e o Queen, no Morumbi, trazido pela Toco em 1981, foi o primeiro grande show de rock em terras brasileiras — e um passo enorme no ramo do entretenimento.
“Foi aquela loucura que todo mundo sabe e serviu de base para o Roberto Medina fazer o Rock In Rio”, completa.
A Toco definitivamente abriu os caminhos para os grandes concertos e festivais no país.
Criaram a WTR, uma empresa de eventos que possibilitou a expansão do negócio. Abriram outras casas, como Califórnia e Contra-Mão, uma Toco em São Caetano e passaram a trazer grandes astros internacionais em espaços maiores, como Faith No More, Ramones, a-ha, New Order, Siouxsie and The Banshees, PIL e Shakira.
Fizeram shows com praticamente todos os grandes artistas brasileiros, como Gilberto Gil, Milton Nascimento e Simone, e absolutamente todos expoentes do rock dos anos 1980, como Barão Vermelho, Capital Inicial e Blitz, que fez sua estréia na cabine da Toco.
Com o passar dos anos, William e Tobal tornaram-se gigantes do entretenimento; o primeiro, com a produtora Mondo e depois com a Move Concerts, e o segundo, com o complexo Espaço das Américas, Vila Country e Áudio.
O irmão mais novo da família Crunfli, Carmo, também trabalhava na Toco, e após algum tempo saiu de lá para abrir outra icônica danceteria na zona leste, a Overnight, na Mooca.
A histórica residência de Marky
Nos anos 1990, um garoto estava começando em outra boate concorrente, a Sound Factory, na Penha. Suas performances estavam causando furor e trazendo cada vez mais público, que enlouquecia com a novidade.
Era o DJ Marky, que, além de atrair muita gente, também fazia vários DJs irem até lá para apreciar seus sets. E foi assim que Vadão e Ricardo Crunfli chegaram até lá. Bingo! Na mesma noite, bateram o martelo para fixar a residência histórica de Marky na Toco.
Contudo, o DJ tocava um som que era chamado de underground à época, com muito hardcore e breakbeat, bem diferente do padrão. Ficou acertado, então, que ele tocaria numa segunda pista, a tal “boatinha da Toco”, tendo ali total liberdade para suas estripulias — só pedradas, como Prodigy, Bizarre Inc. e Altern 8.
Foi um sucesso estrondoso, com o público entupindo a pequena pista. Chegou ao ponto de se cobrar uma taxa extra para quem quisesse vê-lo. Com tanta gente indo até lá especialmente para assistir suas performances, foram obrigados a fazer com que ele se apresentasse por uma hora, todas as noites, na pista principal.
Marky também ficou encarregado das matinês de domingo, onde educou o gosto de uma nova geração para as novidades que estava trazendo ao país — particularmente o jungle e o drum’n bass, que viriam a estourar alguns anos depois na sua residência no Lov.e Club, e em festivais como o saudoso Skol Beats.
Nessa época, o DJ morava no Tatuapé e conta que todos os dias pela manha ía de metro até o Centro.
“O pessoal descobriu que eu viajava naquele horário e eu ía dando autógrafos durante todo o trajeto!”, lembra.
Se tudo começou como uma equipe de som e sua administração jogava como um time, nada mais natural que seu público fosse como uma torcida. Outro diferencial da Toco são seus fãs incondicionais, que muitas vezes têm uma paixão parecida com algumas fanáticas torcidas das nossas agremiações esportivas. Calculando que eram cerca de dez mil pessoas por final de semana por algumas décadas, dá para imaginar o tamanho dessa torcida!
“Só nos demos conta disso ao descobrir pela internet”, diz Vadão. “Passamos, então, a fazer as festas da Toco” — eventos esporádicos nos mesmos moldes de uma grande noite de antes, com som e luz de qualidade, os DJs consagrados, uma banda ao vivo e a torcida fanática!
É uma turma que tem amor incondicional pela Toco e se faz presente em cada festa, comemoração e em seus vários grupos de internet, com milhares de membros. Muita gente se conheceu, namorou e se casou por causa da Toco.
Neste sábado (25), com certeza algumas centenas desses fãs estarão reunidos no festão que irá rolar a partir das 21h no Ginásio do Corinthians (Rua São Jorge, 777 – Tatuapé), tendo como atrações DJ Cadico, DJ Ricardo Crunfli, DJ Vadão e a banda Ultraje a Rigor. Os ingressos podem ser comprados aqui.
Orgulho da Vila Matilde
Uma das mais amadas casas noturnas de São Paulo, a Toco foi particularmente um orgulho para os moradores do bairro Vila Matilde e região, onde a praça até hoje é conhecida por Praça da Toco. Quem esteve lá não esquece jamais. E olha que as memórias são muitas!
“Quando trabalhava de bilheteiro, só eu devo ter vendido mais de mil ingressos para um show do Ritchie”, conta Ricardo Crunfli. Ou na noite dos Mamonas Assassinas, em que estava presente Morten Harket, vocalista do a-ha, que, ao ver aquela loucura no palco, pediu para participar.
“O Dinho fez que ia cantar um cover de Take On Me e desafinou geral, então, de repente, tem a entrada de Harket para delírio da galera”, continua.
Teve também o “no-show” do Tim Maia:
“Estava tudo certo, com a banda dele na casa, com o som já passado, mas ele se trancou no quarto do hotel e foi impossível tirá-lo de lá”, completa.
Ou quando montavam uma banheira para realizar o quadro da Banheira do Gugu com a própria Luiza Ambiel, ali mesmo, em plena pista. Mais noites inesquecíveis com shows de SNAP!, Culture Beat, Erasure, Company B, ou uma matinê com mais de 3.500 pessoas para ver o Sergio Malandro!
Passaram por lá dezenas de grandes DJs, como Ricardo Guedes, Gregão, Andy, Grace Kelly Dum, Barney, Badinha, Julinho Mazzei, Julião e tantos outros. Porém, em 1997, a cena paulistana já havia mudado bastante, com dezenas de novos espaços em vários pontos da cidade, e com casas noturnas menores, com capacidade para 600 pessoas em média.
Já não havia também o mesmo apelo de antigamente, a ponto de fazer as pessoas se deslocarem até um bairro distante, com tantos clubes em regiões mais centrais. Eis que, após um desentendimento com o proprietário do imóvel, veio a decisão de fechar as portas. O grupo ainda continuou com a abertura do Cabral e mais tarde o Caipiródromo, mas a icônica Toco estava definitivamente fechada.
Contudo, as comemorações da Toco sempre foram especiais, com grandes festas no Ginásio do Corinthians ou no Ginásio do Ibirapuera, como quando trouxeram Information Society, Technotronic, a-ha e KC And The Sunshine Band.
Com o advento da internet e a descoberta de que possuem tantos e tão fieis fãs, eles continuam com as comemorações, como essa de aniversário de 50 anos. Espere por muita animação, dancinhas e gente se abraçando e chorando ao reencontrar amigos e amores de longa data. Tudo sob o comando dos DJs Vadão, Cadico e Ricardo Crunfli tocando os hits que marcaram época na pista de uma das mais importantes casas noturnas do Brasil.
FESTA 50 ANOS DA TOCO
Sábado, 25/6, 21h
Ginásio do Corinthians
Rua São Jorge, 777 – Tatuapé
Atrações: DJ Cadico, DJ Ricardo Crunfli, DJ Vadão e banda Ultraje a Rigor
Ingresso: R$ 125 (quinto lote)