The Greatest Night in Pop Imagem: Reprodução/Netflix

Review: “The Greatest Night in Pop”; quando negros se juntaram para salvar negros

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Documentário lançado pela Netflix conta o processo de reunir dezenas de superestrelas da música (e seus gigantescos egos) em uma causa beneficente

Um single que bateu todos os recordes de vendas. Milhões de dólares enviados para combater a fome na África. Um videoclipe que reuniu boa parte da nata da música pop mundial cantando juntinha em um mesmo estúdio. Este é o We Are The World que você conhece.

O processo de criação de uma música tem começo, meio e fim. As pessoas só escutam o “fim”. O trabalhão dos músicos, o talento do produtor, as estratégias de marketing, enfim, todos os elementos de construção daquilo que chegou aos nossos ouvidos sequer chegará ao conhecimento de quem não estava envolvido no processo.

Imagine então um projeto que envolveu reunir nomes que vão de Bob Dylan a Michael Jackson, além de dezenas de outros figurões da música mundial, em um mesmo estúdio, gravado para se transformar em videoclipe?

The Greatest Night in Pop, dirigido por Bao Nguyen e disponível a partir de hoje (29 de janeiro) na Netflix, conta os diversos “começos e meios” de um dos projetos mais ambiciosos da história da música.

O documentário é a estrada trilhada pelos produtores até chegar à “maior noite do pop”: o momento da gravação (tecnicamente complicada, para a época) da música que virou disco e juntou um dinheirão para uma causa mais do que nobre em 1985.

Conforme caminha, Nguyen vai catando suas pedrinhas e fotografando paisagens, desfazendo injustiças e explicando temas que, há 39 anos, encucavam quem revia as cenas de We Are The World. Como, por exemplo, onde é que estavam Madonna e Prince? Para ambos, a explicação é a mesma: treta na cena. Eles não integraram o time que iria salvar a África porque dois rivais, Michael Jackson e Cindy Lauper, integravam o projeto.

O filme também dá os devidos créditos ao verdadeiro criador da coisa toda, o jazzista e ativista (e amigo pessoal de Jorge Amado) Harry Belafonte. Foi ele quem, levemente enciumado ao ver Bob Geldorf botar em pé o megashow Live Aid, pegou o telefone e incitou Michael Jackson, Quincy Jones e Lionel Richie a comprar a ideia, com a provocação: “por que é que tem brancos ajudando a salvar os negros na África e não há negros ajudando a salvar os negros na África?”.

Entre dilemas e egotrips, The Greatest Night in Pop acompanha com imagens raras (item indispensável para qualquer documentário que se preze) a composição da música, os ensaios e a grande noite da gravação. Repassa também, através de depoimentos com os protagonistas ainda vivos, histórias internas e desconhecidas sobre o rolê.

Não se atreve, obvimente, a tirar o mérito da iniciativa. Nos anos 80, Geldorf, Belafonte e seus pares religaram o disjuntor do ativismo na cabeça dos grandes artistas pop em uma década assolada pela fome e pela Aids. A gravação derrubou muita gente que se equilibrava em cima do muro.

The Greatest Night in Pop vale como diversão, vale como documento histórico e nos lembra, em tempos polarizados como o nosso, que não dá para ficar sentado à beira do caminho.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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