Evento encerra sua sequência de dois finais de semana com grandes shows, surpresas, micos e projeções de como andarão os festivais em 2024
Fim de festa. Hora de centenas de milhares voltarem cansados e empoeirados para casa. Desmontem-se as gigantescas estruturas. Embarquem-se os artistas para casa. Paguem-se os cachês. E, finalmente, hora de olhar a planilha de fechamento financeiro.
Para quem não tem estas broncas para resolver, resta resenhar. Ao público, discutir nas redes sociais quais os melhores shows, criticar as falhas de estrutura e, em especial caso do Coachella 2024, comentar sobre as surpresas do evento, como o DJ set de Billie Eilish na tenda Lab. Aos jornalistas, além de passar a rodo tudo o que aconteceu e contar para quem não foi, resta sentar-se na poltrona predileta, encher a caneca de café e refletir: quais são os segredos que o evento deixou vazar nas entrelinhas sobre futuro (a curtíssimo prazo) dos festivais?
Olhando atentamente, dá para identificar no evento algumas tendências para o resto do ano. Algumas artísticas, mas a maioria, conjuntural mesmo.
Vender ingresso está cada vez mais difícil
Em janeiro, o Music Non Stop publicou uma longa entrevista com Zé Ricardo, diretor artístico que tem no currículo o Festival de Verão de Salvador, o Rock in Rio e o The Town. Segundo Ricardo, a partir de 2024, o público de festivais começaria a minguar. “As pessoas vêm comprando seus ingressos no cartão de crédito. Parcelando-os. Essas prestações logo vão se encontrar. Quando isso acontecer, as pessoas não vão poder mais ir a seis ou dez festivais”, contou.
E ele estava certo, a nível mundial. Esta gana pra ir em tudo quanto é evento foi um efeito da pandemia, quando passamos dois anos na seca. O Coachella deste ano, mesmo com todos os esforços feitos pela produção, vendeu 80% da carga de ingressos. Contabilizando pelo preço médio dos ingressos, são mais de 20 milhões de dólares que deixaram de entrar no caixa do festival.
Para montar o line-up, hora de ressuscitar artistas
Um curador de festival espalha o mapa de palcos na mesa e começa a quebrar a cabeça para preencher aquilo tudo. Geralmente, dividem os artistas a convidar em times que representam gerações diferentes de público. O que está bombando nas redes sociais no momento, para atrair a garotada, vai para uma pasta. Os artistas que cresceram junto com o movimento dos festivais a partir dos anos 00, e arrastam com eles muitos fãs, em outra. E uma terceira, digamos assim, vai para os grandes monstros da música antes da virada do milênio.
Só que, como vimos, a concorrência está cada vez mais braba, já que o público está tendo que escolher entre um ou outro festival para ir. É preciso fazer barulho. Chamar a atenção, tanto na quantidade, quanto na imprevisibilidade das atrações. Bandas clássicas com carreiras sólidas e constantes são legais. Mas aquelas com histórias problemáticas, brigas e confusos vai e vem rendem mais. “Corra pra ver, pois pode ser a última vez”, dizem as entrelinhas. Seguindo este pensamento, o Coachella trouxe No Doubt, Sublime e Blur.
O motor do Blur está batendo pino desde o ano passado. Damon Albarn e os demais membros vivem dizendo em entrevistas (sinceras ou não, logo saberemos) de que não dá mais para seguir com a banda. Pela segunda vez em cima do palco (no Lollapalooza de Buenos Aires em 2023 aconteceu o mesmo), Albarn avisa a plateia de que aquele estava sendo “o último show do Blur”.
No Doubt, desde 2008, segue num “finge que fumo mais vortemo” que seria capaz de deixar Adoniran Barbosa às gargalhadas. Desencontros como um integrante anunciar que a banda está compondo e trabalhando em material inédito enquanto outro avisa que não, não há composições novas rolando para o grupo. Durante o show, Gwen Stefani avisou ao microfone que a banda estava “totalmente olhando para o futuro”, embora a apresentação tenha sido nostalgia pura.
Já no caso do Sublime, há o componente trágico para sua ópera. Em 1996, o grupo deixou os palcos após a morte do vocalista Bradley Nowell. Retornou em 2023, com seu filho nos microfones, Jakob, para um show beneficente ao vocalista do Bad Brains, em Los Angeles. Deu liga, e o grupo fez bonito no Coachella, agradando aos quarentões e com fortes componentes de superação, para emocionar e chamar a atenção.
Escalar headliners que achávamos que nunca mais veríamos parece ser uma tendência para os próximos festivais. Apesar de grandes nomes dos anos 90 terem anunciado turnês de celebração de álbuns clássicos, como Moby e Air, por exemplo, o nosso C6 Festival escolheu o Soft Cell, banda que nunca veio ao Brasil e que anunciou recentemente “ser um celular velho com a última carga da bateria”.
Shows lotados de participações e surpresas
Festivais acontecem a rodo mundo afora. Alguns deles, inclusive, são dados a repetir headliners, ano a ano. O que era, até pouco tempo atrás, tiro certo, agora pode já não surtir tanto efeito. Se as pessoas já viram uma apresentação de um grande ídolo, por que não deixar passar e economizar um dinheiro?
Para evitar a fuga, e também para chamar a atenção, se destacando da centenas de shows “concorrentes” em um mesmo rolê, artistas apostaram forte nas aparições surpresa em cima do palco durante o Coachella 2024. J Balvin montou uma cenografia alienígena no palco e chamou Will Smith, com terno preto à la Men in Black para participar. Paris Hilton colou no Vampire Weekend. Lauryn Hill e Wyclef Jean se apossaram do show do filho de Hill, YG Marley, dando uma pinta do que veremos aqui em São Paulo, no baile de 50 anos da Chic Show. Se citarmos todos os penetras famosos que participaram das apresentações do evento americano, dá pra escrever um livro.
A tática não é nova. Já vem sendo utilizada em praticamente todos os festivais que vimos no último ano (no Coachella 2023, Snoop Dogg abriu o show da Anitta), mas como é receita de sucesso, deve tomar conta dos próximos. Daqui a pouco, se um artista fizer “apenas” a apresentação de suas músicas em performances perfeitas, ao final do show alguém no público vai dizer: “que chato, não teve nenhuma participação surpresa”.
Atacando de DJ
A apresentação supresa de Billie Eilish discotecando em uma das pistas do Coachella 2024 e o #fail da Grimes, que teve um treco quando o equipamento começou a falhar, chamaram tanta atenção nas redes sociais que é difícil não acreditar que, a partir de agora, estrelas da música vão acabar invadindo os line-ups das tendas de DJs dentro dos festivais, colocando em cheque a qualidade da música nesses locais.
Os grandes festivais geralmente pecam na montagem da programação para quem gosta de pistas de dança, passando longe do que é “tendência” ou, até mesmo, do que é clássico nesta cultura. Não obstante a esta falta de conhecimento sobre que acontece nas pistas do mundo todo, é provável que os curadores sigam pelo caminho mais fácil, convidando artistas que já estão por ali para “atacar de DJ”. A tendência vai gerar desde boas surpresas, como um astro mandando bem, ou com o som parando em meio a chiliques de que “o equipamento não está funcionando direito”, como vimos na edição deste ano.
Enquanto isso, o Coachella 2025 já foi confirmado para rolar entre os dias 11 e 13 de abril e 18 e 20 de abril. As vendas abrem a partir do dia 03 de maio.