Em entrevista ao Music Non Stop, produtores explicam os bastidores do álbum Solar – Sun Ra In Brasil, a ser lançado dia 27, e dão aula sobre como brasileiros são vistos no mundo
“Só quando o brasileiro passa um tempo fora do Brasil, ele entende o diamante que a gente tem na mão”, me conta Marcos “Xuxa” Levy, produtor que, ao lado de Béco Dranoff, cuidou do álbum do projeto da ONG Red Hot, com brasileiros reinventando a obra do mestre doidão Sun Ra.
O disco Solar – Sun Ra in Brazil, que já tem três singles lançados e está programado para aparecer ao mundo dia 27 de outubro, traz uma seleção brasileira de artistas que imergiram para um projeto que apresenta os dilemas mais dolorosos do mundo atual (guerras e degradação do meio ambiente). Além disso, a obra propõe mudanças através de um exercício simples e prazeroso: prestar atenção às mensagens visionárias de gênios como Sun Ra ao mesmo tempo que dá palanque para nomes que trazem o novo, seja musicalmente, seja em suas origens, distantes do colonialismo cultural que toma conta do mainstream.
A nave mãe, a ONG Red Hot, surgiu em meio à epidemia de AIDS nos Estados Unidos, em uma época em que o preconceito e a estereotipação ignorante faziam tão mal quanto a doença. Um tempo em que era comum ouvir que o vírus era uma punição divina, em versão século XX do que a bíblia conta sobre Sodoma e Gomorra.
Seus fundadores, os amigos Leigh Blake e John Carlin andavam com a turma de Baskiat e Keith Haring (outro nome importantíssimo no uso da arte como conscientização do problema trazido pelo vírus HIV) em Nova Iorque. O objetivo principal era envolver grandes artistas da música pop em projetos dedicados à educação em relação ao tema.
O primeiro disco do projeto — Red Hot + Blue, de 1990 — foi uma homenagem à obra de Cole Porter. Para se ter uma ideia da “garotada” que encampou o projeto, nomes como Iggy Pop, Madonna, David Byrne, Jean Paul Gautier, Win Wenders e Nirvana, entre tantos outros de tamanho quilate, emprestaram seu talento criativo.
Com o tempo, a organização foi abordando outros temas importantes, como inclusão, justiça social e meio ambiente.
No novo disco, a escolha por Sun Ra começou com a explosão da guerra entre Rússia e Ucrânia.
“Putin começou a ameaçar a detonação de usinas nucleares lá da Ucrânia. Então, no começo do ano passado, o John Carlin lembrou que o Sun Ra tinha uma música chamada Nuclear War. Ele falou: “vamos fazer um single!”. O negócio foi evoluindo, com uma série de seis ou sete álbuns. O nosso [com artistas brasileiros] realmente é o primeiro” — contou Béco ao Music Non Stop, em São Paulo, em ligação que também incluiu Xuxa, de Salvador, para esta entrevista.
Jota Wagner: Quando é quando começou esse processo todo do álbum?
Béco Dranof: O tributo ao Sun Ra é um álbum conceitual e com intercepções em outras cidades. Vai ter sessões em Nova Iorque, em Los Angeles… Eu morei 32 anos fora do Brasil, né? Trabalho com o Red Hot desde os anos 90, no primeiro Red Hot + Rio. Fiquei muito próximo do John morando aqui. Acompanhando as discussões semanais, eu disse: “Vamos fazer um tributo global!”. Aqui, temos um afrofuturismo, uma afrobrasilidade. Nada mais natural. Ainda mais comigo estando em São Paulo. Começou em agosto do ano passado.
Então veio a ideia de chamar o Xuxa, que, além de talentosíssimo e amiguíssimo, é um cara que transita em todas as áreas musicais, do jazz ao pop eletrônico, ou o que você quiser. Está na Bahia, já morou lá fora. Liguei e ele tomou as rédeas artísticas. A gente fez muito brainstorm de artistas. Quem a gente quer chamar? Quem representa a cena hoje em dia?
A gente conseguiu sessões em São Paulo, em Salvador… O bicho aglutinou musicalmente muito rápido, sensacional!
Aquele disco da bossa nova, ele também teve essa coisa global?
Olha, teve três projetos muito ligados ao Brasil. Teve o Red Hot + Rio 1, de 96. Demorou dois anos para ser feito. Naquela época, pré-internet, tinha de mandar os arquivos pra cá, mandar gravar aí, devolver a fita… Você vivia rezando para que a sua fita não sumisse! (Risos)
O interessante é que são todas músicas originais. E combinações, principalmente de artistas não óbvios. Tinha o Caetano Veloso, o Sakamoto, a Cesária Évora, o Artho Lindsay, e essa fita dando 23 voltas ao planeta. Toda vez que eu postava no FedEx, eu falava: “meu Deus!”.
Era um tributo ao Jobim, com modernidades da época… Everything But The Girl, Sterolab, Sting, Milton Nascimento, Marisa Monte, Bebel Gilberto, Cazuza, e foi um impacto, né? Porque aquilo era muito inovador.
Em 98, a gente fez um sobre todos os países lusófonos que saiu no Brasil, mas foi pouco visto, que chamava Revolution Lisbon. Fizemos questão de representar todo o mundo. Artistas do Guiné, Cabo Verde, Timor… Porque a gente também tem isso, de achar nomes novos.
E aí tivemos também um tributo mais tropicalista, que virou um CD Duplo [Red Hot + Rio 2, de 2011].
Esse novo disco, com Sun Ra, é uma volta ao Brasil, mas por uma visão de jazz, afrocêntrica, de tudo o que está acontecendo aqui — esse New Brazil que está evoluindo na nossa frente. Em nossa sociedade, estão caindo mil fichas agora, né? O que é muito bom.
Até agora foram quatro singles. Dia 27 [de outubro] cai o discão todo.
[O disco sairá com versões editadas, mais curtas, para as rádios e plataformas, e “extended”, preferidas pelos DJs.]
Considerando o que aconteceu desde 1996, o que a globalização da informação e as tecnologias mais baratas trouxeram para a música brasileira?
Marcos “Xuxa” Levy: Cara, as novas tecnologias permitem muitas coisas, né? Os estúdios, não necessariamente, precisam ser grandes estruturas.
No pós-pandemia, todo mundo tem estúdio em casa, então é super possível você chamar quem quer que seja para participar do seu disco.Isso era uma coisa impensável há 10 anos, né? Hoje, a tela do computador é uma janela para o mundo!
Os arquivos digitais hoje te permitem tudo. Até uns dois anos atrás, você sampleava trechos da música. Agora você consegue samplear só o contrabaixo da faixa. O leque está ficando cada vez maior. Estou batendo o pino aqui, com tantas possibilidades!
Hoje em dia, a tecnologia usada em programas de produção musical permite que você isole um determinado instrumento de uma música pronta, e use em outra composição. Como, por exemplo, o contrabaixo.
Béco: Eu digo, Jota, que a internet, no Brasil, foi essencial, porque o Brasil é um país jovem, com sede de saber o que rolava no mundo. Na minha juventude, anos 80, em São Paulo, revistas e discos importados eram caros. Você só ouvia falar dos shows que estavam acontecendo no mundo.
Para ver qualquer imagenzinha, você tinha um clipe do Fantástico, um outro, não sei onde, e o amigo, que trazia uma fita VHS. Aliás, quando chegou o VHS a coisa começou a melhorar.
Essa geração atual nem imagina a sorte que tem de ter tudo na mão e no telefone. O acesso a oito trilhões de faixas, a história da música gravada no planeta, cabem no bolso. Você pode ver o show de quem quiser!
Eu morei 32 anos em Nova Iorque, promovendo a música brasileira. No começo, realmente era muito difícil. Eu cheguei em 88 e peguei os anos 90, que foram muito bons para o Brasil. Teve desde o Michael Jackson e depois o Paul Simon na Bahia, com o Olodum; teve Sting na Amazônia, Nirvana falando de Mutantes…
A cada seis meses tinha um descobrindo o Brasil… David Byrne como um dos grandes incentivadores da MPB, lançando compilações de samba, relançando Tom Zé, que estava esquecido, e hoje é reconhecido como uma das figuras centrais da música brasileira…
O Tom Jobim falou que a saída da música brasileira era o Galeão. A saída da música brasileira, agora, é a internet!
Daqui de SP, eu sei o que está rolando em São Luís do Maranhão, em Teresina, fuçando dia e noite na internet.
A gente é que tem que mostrar o nosso tesouro musical para fora. Isso é uma coisa que ainda falta, eu acho. Artistas terem sites em inglês, em espanhol… Nós não sabemos nos colocar com a marca MPB, com o tesouro que a gente tem, e que o mundo admira e quer consumir. Agora, a geração atual é incrível. O que se faz de música bacana no Brasil, né? Pelo amor de Deus, de tudo… da mais eletrônica, até a mais folk.
E é como o Xuxa falou: com o barateamento da produção, então… O difícil, hoje em dia, é você conseguir espaço.
Xuxa: E uma coisa que eu sinto nessas novas gerações, é que são muito preparadas.
Tecnicamente? Ou em todos os sentidos?
Xuxa: Ao mesmo tempo que horizontalizou a parada, porque é tanta informação, e aí você vê um monte de gente sabendo muito de muita coisa, só que de uma forma muito superficial.
No entanto, aquele que é nerd, que quer estudar, esse cara tem a faca e o queijo na mão.
Porque, no meu tempo, quando eu queria, sei lá, entender um arranjo do Quincy Jones, eu tinha que ir na Biblioteca Nacional.
O Béco deu uns exemplos de artistas internacionais vindo fazer coisas aqui. Sting, David Byrne, Michael Jackson… sempre pela narrativa da favela ou do meio ambiente. Na opinião de vocês, o artista brasileiro que quer se se internacionalizar precisa falar de Brasil? Eu, por exemplo, quando tinha banda nos anos 90, abominava as coisas daqui. Eu queria ser o The Jam…
Xuxa: Cara, uma coisa que eu que eu acho que é fundamental é o brasileiro sair do Brasil, em algum momento, porque só quando ele sai do Brasil ele entende o diamante que ele tem na mão, e que ele nunca se ligou.
É muito louco, né? Porque assim, eu também, como você, Jota… Eu queria ser o Michael Jackson. Eu sempre paguei pau pros gringos, até o dia em que eu fui morar fora e vi que, quando eu falava sobre um partido alto, um baião, todo mundo parava e ouvia!
É muito engraçado. Quando você mete a cara, percebe como todo o mundo estica o tapete vermelho para o Brasil. Mas, para o músico brasileiro, que faz música brasileira.
É a mesma coisa que chegar um grupo sueco querendo fazer pagode aqui no Brasil. A gente vai bocejar.
Béco: E ao mesmo tempo, o Brasil é feito de fusão, né? Bossa-nova foi uma evolução com o jazz, a Tropicália foi uma evolução com o rock, o manguebeat foi uma evolução com a eletrônica, com o hip hop.
Chico Science é uma figura muito fundamental. Ele fez a música brasileira chegar para a garotada, né? Então eu sou da geração dos 80. Eu cresci com Titãs, Paralamas, Legião… Todos eram artistas incríveis, mas que tinham uma sonoridade muito gringa. Tudo focado numa influência muito forte de fora. Aí veio o manguebeat, e o chapeuzinho de palha virou cool.
Eu tive as sorte de conviver com o Chico um pouquinho lá fora. Eu vi aquele show dele no Central Park, que ele abriu para o Gil [1995]. No dia seguinte, tinha uma matéria de uma página no New York Times sobre ele.
Esse é um cara que se foi muito antes do que deveria ir, né?
Béco: Ele era muito visionário, mas deixou a centelha necessária, né? Ele deixou aquele ideia de que dá para fazer uma MPB nova, brasileirona, fodaça, nordestina arretada…
Este é o Brasil que a gente finalmente está descobrindo. Mas demorou de 30 a 40 anos. Começou lá atrás.
Voltando pro novo disco: a curadoria é uma delícia e é um fardo. Que parâmetros vocês usaram pra pra selecionar quem entraria?
Xuxa: Quando o Béco me chamou, eu conhecia o Sun Ra de uma forma genérica. Conhecia o disco Space Is The Place, [a música] Nuclear War. Quando vi que o projeto estava virando o de um álbum, comecei a mergulhar mesmo. E são mais de cem discos. Fiquei três meses só ouvindo o cara. Ouvindo e discutindo com o Béco quem poderíamos chamar. Foi uma loucura!
O grande lance do Sun Rá, que eu achei muito louco, é a mensagem. Ele dizia que tinha sido abduzido!
Ele era muito louco, no melhor sentido da palavra.
Xuxa: Né? Era um cara que era meio que um arranjador, um pianista de jazz, clássico de big band. Esteve nos primórdios do country, dessas orquestras dos anos 30/40 americanas…
E de repente, nos anos 50, o cara aparece com um figurino completamente alucinado. Até sua fala tinha mudado. Uma fala mais lenta, um olhar mais perdido, reapareceu dizendo que tinha uma missão, de avisar ao povo negro que ele vai se libertar, que vai rolar uma diáspora negra do Planeta Terra… E na música ele dava alguns dados, datas, centenas de informações. Eu achei isso muito legal.
E acho que o jovem brasileiro vai se interessar mais por isso do que pela sonoridade desse free jazz, porque quem não conhece mais ou menos ouve e acha que é um bando de doidão improvisando. Só que, quando você começa a ouvir com atenção, você vê que não é nada disso. O cara era super metódico e tinha uma disciplina, uma consciência total do que fazia.
Sun Ra também foi o precursor da música independente. Montou sua própria gravadora, a Saturno Records, e era dono de seus próprios fonogramas. [Ele e seus colegas de banda] Administravam sozinhos, pois moravam todos juntos, na mesma casa. Eles tinham uma postura, um método de se fazer música, que era muito curiosa. E influenciou muita gente depois.
A gente vê Sun Ra no George Clinton, no Afrika Bambaataa, Earth Wind & Fire…
Tim Maia…
Xuxa: É! No Tim Maia, pô! Isso, aliás, é uma coisa que eu depois fiquei pensando, Jota. O disco Tim Maia Racional tem muito a ver com Sun Ra. De uma forma inconsciente, né?
Aí é que eu pirei. “Cara, como que eu vou transmitir essa mensagem do Sun Ra pro jovem brasileiro, de preferência o jovem conectado ao movimento afrofuturista?” A gente fez uma lista gigante de possíveis artistas que têm conexão com o afrofuturismo. Acho que esse foi o primeiro passo.
Começamos a telefonar, e era foda porque eu precisava fazer o disco em determinado tempo, e eram poucos os que tinham a agenda, porque era bem no final do ano. Estava todo mundo ocupado.
Tinha que ter Baiana System, por exemplo. E todos os artistas que a gente convidava ficaram amarradões. Me deu uma baita de uma coceira. Espero que a Red Hot faça um volume dois, porque aí a gente consegue fazer com mais tranquilidade, já organizando agendas, pois todo mundo quer fazer Sun Ra.
Só que, infelizmente as agendas não eram possíveis. Afrocidade seria muito legal. O Àttooxxá. Salvador tem um movimento afro futurista fodido.
E aí vieram outros que foram naturais, que também são amigos: BNegão, Xênia França, Max de Castro…
Béco: Tiganá Santana, muito importante.
Xuxa: Tiganá é uma sumidade, né? Ele é doutor em cultura afrobrasileira, o cara fala iorubá, é professor da UFBA.
A primeira pessoa que eu chamei foi um cara com quem eu trabalhei na Europa chamado Munir Rossn. O Brasil conhece pouco. O Munir é um guitarrista, baixista, virtuoso. Aquele cara que é um absurdo. Hoje trabalha com o Quincy Jones.
Ele é de Alagoas, de uma família cigana. A história dele é muito louca. Aos 12 anos, baixou em Salvador para morar num bar. Foi sem a família e começou com essa idade a tocar em bandas de Axé. Foi crescendo e se mudou para a Europa. Quando o conheci, estava tocando com a banda dele lá, a Weather Report.
Trabalhamos muito na Europa, mas depois ele mudou para Los Angeles. Nunca mais o tinha visto, até convidar para esse projeto. Ele é um cara estratégico.
Liguei pro Jonathan Ferr…
Pianista…
Sim, outro que é afrofuturista pra caramba…
[Xuxa preparou uma playlist para cada artista convidado, que escolhia, a partir dela, qual música gravar para o álbum.]
A Orquestra Afrosinfônica [que gravou ao lado da cantora americana Jazzmeia Horn] também tem uma história super legal. Eles são do Candomblé. Então me responderam: “calma, Xuxa, não é assim, a gente é do fundamento. A gente não pode gravar qualquer música. Espera, porque temos de conversar com os nossos guias e ver qual música podemos regravar”.
A resposta demorou, até que o Bira [o maestro Ubiratan Marques] me falou que fariam Astro Black, uma faixa meio biográfica do Sun Ra. Ele se considerava um “Astro Black”. “Só que vamos fazer cantando um tema do Orunmilá, o deus da criação, junto. Não uma frase de cada vez. As duas ao mesmo tempo.”
Béco: Essa track, toda vez que eu ouço, eu vou morrer arrepiado, porque ela é tão inusitada, inédita. Tem aquela fusão da voz com todo aquele arranjão. A música é linda, não tem como não ficar totalmente arrepiado.
Xuxa: Outra coisa que rolou é que eu queria que o jovem brasileiro se conectasse com esse disco e entrasse no universo da poesia do Sun Ra. O cara tem livros de poesias interessantíssimas.
Aí eu liguei pro Fabrício Oliveira, o ator que fez o Simonal no cinema. Ele foi para o estúdio e fez a versão em português dessas poesias.
Vai ser prensado em vinil também?
Béco: Já foi. Sai dia 17 de novembro. São poucas cópias. Quem pegar, pegou.
A gente está num momento em que o mundo está virado de ponta cabeça, né? Como se o planeta estivesse dizendo para nós: “Vocês já não são mais bem-vindos aqui. Vocês beberam demais na festa, tá na hora de ir pra casa”. Para qual causa esse projeto vai servir agora?
Béco: Todos os projetos da Red hot são muito atemporais, e também, tinham muito do momento. O primeiro, Red Hot + Blue, foi no auge da onda do HIV. As pessoas morrendo, e na era Bush não ser falava em HIV, na imprensa. Não se falava nem em Nova Iorque, onde estava todo mundo morrendo. O John teve essa intuição mágica.
Ele não era do music business. Ele era um advogado de entretenimento, mas tinha acesso ao catálogo do Cole Porter. Conhecia o David Byrne, pela cena da arte. O John é muito ligado à arte. Era amigo do Keith Haring, do Basquiat. Curtiu muito Nova Iorque e aquela cena vibrante, do CBGB’s… Ele te conta sobre o primeiro show do Talking Heads, tem histórias incríveis.
Então, cada disco tem uma temática. Foram 31 até agora. Os primeiros 20, muito ligados à temática da AIDS. Depois, começou a abrir para o assunto das drogas, da redução de danos.
Eles iam desde o hip hop até o country. Johnny Cash falando sobre este tabu, sobre os riscos…
O episódio de 11 de setembro já foi um soco na barriga. Mudou a história do planeta. Então, veio a pandemia, que mudou novamente. Agora, as questões climáticas. Tá tão forte, tão acelerado. A Amazônia também vai mudar tudo, se a gente não acordar.
Projetos como o nosso são gotas no oceano. Eles têm essa coisa de: “ouça, pense e eduque-se”. A gente fez uma parceria com uma organização inglesa muito legal, que chama Music Declare. Eles têm muito acesso a artistas pop, e o slogan é incrível: “No music on a dead planet”.
Não vai ter música num planeta morto mesmo, e nós já tivemos umas cinco paradas, né? Já foram-se os dinossauros, muito bicho, os continentes já andaram, e esses últimos cem anos foram os piores. A raça humana detonou esse planeta. Tem plástico saindo da orelha dos bichos na praia!
A participação dos artistas é muito importante para chamar atenção, criar conscientização.
E isso fica para sempre, não é? Essa marca, o áudio.
Béco: Fica para sempre. Sim, agora você está competindo com milhares de outros estímulos. Muito cruel esse lado. Antigamente tinha menos música, você ouvia mais discos, ele viravam parte da sua vida, você ia pra Trancoso ouvindo o novo do Caetano, virava o som daquele verão e você nunca mais esquecia. Hoje em dia, a música está muito “background” para essa garotada, não é?
Vocês trabalharam com artistas de todos os tamanhos, em diversas fases de carreira e com diversos modos de pensar. Hoje em dia, tem como um artista não se posicionar?
Xuxa: Eu não sou nenhum guru, mas a música mudou muito. Até pouco tempo atrás, ela era um bem. Quando você ia em uma loja comprar um disco, você escolhia e, quando voltava para casa, aquele disco era o seu disco.
Ele pertencia a você, você o consumia de outra forma: olhava milimetricamente a capa, os créditos, escutava todos os detalhes do arranjo, imaginava o que aquele artista estava querendo dizer. Você comentava, chamava pessoas para escutar junto. Então tinha essa coisa de um disco ser uma propriedade sua.
Hoje em dia, os jovens estão muito mais ligados na persona do que na música em si. O que esse artista comunica, com quem ela se comunica e qua sua intenção com essa comunicação? E não estou falando só de música, mas de texto, de postura, de estilo, tudo.
O que me deixa até um pouquinho triste, por um lado, é que eu vejo que a música é tipo 30% de um projeto artístico. Quando um artista não se posiciona, ele está sem uma perna. As pessoas querem saber o é que essa pessoa, qual é o posicionamento dela. Sem se posicionar, o seu trabalho não gira. É fundamental.
É um caminho sem volta. As pessoas estão muito mais conectadas com os artistas do que eram antes.
Béco: Uma a palavra de um artista querido vale R$ 30 milhões de qualquer político, de filme, televisão, de qualquer campanha careta. Com uma frase, uma camiseta, um slogan, um sticker bem colocado, você faz a cabeça de muita juventude por aí.
Agora, tem muito artista que não se posiciona, mas que faz doações para ONGs, ou que tem suas próprias fundações.
Um exemplo foi quando convidamos o George Michael para o Red Hot. Ele falou: “eu quero fazer!”.
Eu sabia que ele era ligado à bossa nova, que tinha um namorado brasileiro. Na época, recebemos um fax dizendo que ele estava interessado, mas tinha que ser com a Astrud Gilberto, e que só poderia ser no prazo de oito meses. Falei: “Parem tudo, vamos esperar!” E, graças a Deus, esperamos.
Todo mundo sabe aqui que tem que tem que ajudar a transformar a realidade.