Ivan Lins Ivan Lins . Foto: Reprodução/Youtube

Por que o resto do mundo enxerga Ivan Lins de forma tão diferente dos brasileiros

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Show inédito do cantor e compositor brasileiro com a Jazz Sinfônica vai ao ar neste domingo (08)

Artistas podem ser lidos de muitas formas. Como os lados da moeda, Ivan Lins tem duas: uma, com a imagem vista pelos brasileiros, e outra, pelo resto do mundo.

Na ativa desde 1971, quando estreou com o sensacional álbum Agora, pela gravadora Philips, o compositor acaba de lançar nos Estados Unidos, pelo Resonance Records, o novo disco My Heart Speaks, com participações de bambas como Dianne Reeves, Jane Monheit e Tawanda.

O Resonance é um dos selos mais respeitados do jazz, criado por George Klabin, autoridade na cena desde os anos 60, e fã confesso da obra do compositor carioca.

O lançamento corrobora uma das grandes verdades de Lins: o que os brasileiros pensam e sentem, em relação à sua obra, é completamente diferente do resto do mundo.

Ivan Lins e Orquestra Jazz Sinfônica

Ivan Lins e Orquestra Jazz Sinfônica. Foto: Divulgação/TV Cultura

A real é que nós temos um conhecimento bastante raso sobre o que o cara realmente é, possivelmente contaminados pelos grandes sucessos populares que ele, sempre acompanhado de seu piano, emplacou nas rádios e TVs. Baladas como “Depende de Nós”, “Madalena” e “Rei de Espadas”, por exemplo. Geralmente, deixa de ser citado até mesmo entre seus grandes pares, como Gil, Caetano e Chico.

Do lado de lá da cerca, Ivan Lins é cultuado como um dos maiores jazzistas do mundo. Não é “world music”, nem “bossa nova”, nem “ethnical”. É jazz. Purinho da Silva. O mesmo acontece com seu colega, Milton Nascimento.

Uma pausa para um causo

Cambaleava eu, nos primórdios do século XXI, de madrugada, pelas vielas do bairro baladeiro de Barranco, em Lima (Peru). Ouço um som agradável, vindo de uma pequena casa, antiga e detonada, que abrigava um centro cultural com cara de inferninho do centro de São Paulo. Resolvo entrar, e fico de queixo caído ao me deparar com o show de um baita guitarrista de jazz, já na casa dos 70 anos, acompanhado de seus dois filhos, um no piano e outro na bateria. O homem tinha recurso. Viajava com dedos rápidos e precisos pelo braço de sua guitarra, com a naturalidade de quem coça a orelha.

No intervalo do show, munido de coragem ébria e total falta de elegância, parti pra cima do meu novo ídolo, de feições incas e expressões ancestrais. Elogiei, berrei ao seu ouvido e acabei metendo a mala de que era brasileiro. Ele permanecei silencioso, deu um micro sorriso de canto de boca, um quase inaudível “gracias” e voltou para o segundo ato. Eis que, para surpresa esfuziante deste que vos escreve, o cara olha para os filhos, troca umas palavras e desce a mão em uma versão instrumental, visceral e cheia de improvisos, da música de Ivan Lins, “Quem Sou Eu?”, de 1972. Uma reinterpretação longa que, para mim, teve a duração de uma vida.

“Toma essa, brasileño!”, disse o guitarrista, no idioma da música. Eu dei piruetas no ar, enquanto ouvia. 

Nota do autor: vasculhei os recônditos do cérebro — e da internet — para encontrar a identidade do guitarrista inca e lhe dar o devido crédito, sem sucesso. 

O episódio narrado é apenas o meu testemunho sobre a idolatria de Ivan Lins fora do país, mas o que não faltam são evidências no mercado fonográfico. Sua obra é reeditada, regravada e compilada por selos internacionais o tempo todo, e sempre no universo do jazz. Os especialistas são encantados pela sofisticação de seus arranjos e, principalmente, pela inventividade de suas melodias.

A Jazzwise é uma das mais prestigiadas revistas do estilo do mundo. Vejam como foi o tratamento dado pela redação ao seu mais recente álbum:

Ivan Lins na revista Jazzwise

Quatro estrelhinhas e escolha do editor!

Neste domingo, nós, brasileiros, teremos uma oportunidade de comprovar toda essa qualidade na TV aberta. A Cultura transmite um show inédito de Ivan Lins, ao lado da Orquestra Jazz Sinfônica, com regência de ninguém menos que Ruriat Duprat, filho do arranjador Regis Drupat.

O espetáculo foi gravado no Teatro B3 e faz todo o sentido. Lins, além de jazz, sempre foi “sinfônico”, e prima por arranjos de muitas camadas sonoras. Vista-se com a melhor roupa, apague as luzes da sala e venha entender por que o mundo todo se rende a ele!

Serviço:

Ivan Lins e Orquestra Jazz Sinfônica

Domingo, 08/10 – 20h

TV Cultura

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

× Curta Music Non Stop no Facebook