Paul McCartney Paul estreia a Got Back Tour em SP. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Como o show de Paul McCartney me aproximou da memória de meu pai

Claudio Dirani
Por Claudio Dirani

Um mix de saudade e eletricidade marcou a 15º performance do ex-Beatle vista por este repórter

Ao pisar no Allianz Parque às 19h40 da quinta-feira, 07 de dezembro, para testemunhar a Got Back Tour — e meu 15º show de Paul McCartney em 33 anos de um relacionamento quase familiar —, não foi o baixista dos Beatles que invadiu, de cara, minha mente.

Há mais ou menos dois anos, estava na casa de minha irmã assistindo a alguns vídeos do YouTube quando me deparei com o MTV Unplugged de McCartney, gravado com sua banda da época, incluindo Paul “Wix” Wickens, que permanece há mais de três décadas em seu time.

Mostrei o vídeo para o meu pai e ele imediatamente me pediu o link. Não que ele desconhecesse o material. Mas o resgate das imagens do longínquo 1991 o animou bastante para curtir de novo o seu ídolo de infância. Por isso, sim. Em vez de Paul, meu pai, que também se chama Claudio, entrou na minha mente, e permaneceu durante as quase duas horas e 40 minutos da apresentação da Got Back Tour — a primeira de três que acontecerão em São Paulo até domingo (10).

Confesso que estava disfarçadamente animado para rever o músico. Além de cumprir meu ofício para o Music Non Stop, sou fã. Mas o momento ainda não é dos mais propícios. Em 13 de setembro, quase três meses atrás, perdi a minha referência nesse planeta como homem. A morte de meu criador, entretanto, não me atingiu de forma melancólica no show.

O efeito, por mais estranho que soe, foi exatamente o oposto. Eu explico o motivo.

Paul McCartney

Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Paul McCartney tem 81 anos — quatro a mais do que meu pai conseguiu aproveitar na terra. Além de compartilharem uma geração dourada, outra característica os mantêm ligados.

As pessoas com melhor idade, quando colocam tudo de si no que fazem, tendem a ser superiores a qualquer jovem. Mesmo com um setlist bem parecido com o de 2019 (ano de sua mais recente passagem pelo Brasil, com a Freshen Up Tour), consegui me surpreender com quase todas as músicas apresentadas no Allianz Parque na quinta-feira. Isso sem falar na abertura com um inesperado “boa noite, mano!”.

Algumas inclusões (nada que seja raro, entretanto) ajudaram no processo dessa redescoberta do ex-Beatle como artista e performer. O lado B de 1964, She’s a Woman, por exemplo, que havia sido resgatado em 1991 no MTV Unplugged, voltou pesado e com um vocal ardido, amplamente superior.

Já a faixa Birthday, do The White Album (1968) — que não costuma ser das obrigatórias —, também soou renovada. O mesmo valeu para Jet, que parecia ter sido composta em 2023, tamanha a energia da performance.

Paul McCartney

Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Os cuidados minuciosos de Paul com os clássicos que jamais sairão de seu repertório também foram dignos de nota — ou melhor, de uma escala musical inteira.

Let It Be, o hino da dissolução dos Beatles, permanece desde 1979 no menu McCartneyano. Desta vez, entretanto, o fraseamento e a solidez de sua voz deram aval para que a música permaneça pelos próximos 30 em suas incursões pelos palcos mundiais. Na mesma linha, pode incluir aqui outras estrelas que aparecem desde as primeiras formações do Wings  na escalação, como Live And Let Die, Let Me Roll It e Band On The Run

Nada de errado em buscar inspiração no passado

Paul McCartney

Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Claro que meu grau de exigência sobre o que desejo ouvir e ver ao vivo me torna sempre mais crítico. Faltaram músicas de seu trabalho mais recente, McCartney III, ou até, quem sabe, uma rendição do single Now and Then, para marcar o lançamento da última canção gravada pelos Beatles.

Minha cobrança, considerada pelo fã mais causal exigente, caiu totalmente por terra quando deixei o estádio, perto dos primeiros minutos desta sexta-feira. Meu pai foi um grande publicitário, e até os últimos dias de sua passagem pela Terra, foi minucioso. Seu padrão como produtor gráfico sempre foram as obras mais clássicas da profissão. Nem que elas se embasassem no passado.

Sem desprezar, de forma alguma o novo, reforço aqui a filosofia de que não há nada de errado em buscar o passado para se inspirar e perpetuar sua passagem pelo mundo como artista. Assim fez Paul McCartney em seu primeiro show paulistano da Got Back Tour. Assim meu pai fez durante seus mais de 50 anos como profissional e fonte de minha inspiração como homem. 

Repertório Got Back Tour: 07/12, São Paulo

Paul McCartney

Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Can’t Buy Me Love
Junior’s Farm
Letting Go
She’s a Woman
Got to Get You Into My Life
Come On to Me
Let Me Roll It
Getting Better
Let ‘Em In
My Valentine
Nineteen Hundred and Eighty-Five
Maybe I’m Amazed
I’ve Just Seen a Face
In Spite of All the Danger
Love Me Do
Dance Tonight
Blackbird
Here Today
New
Lady Madonna
Jet (Wings)
Being for the Benefit of Mr. Kite!
Something
Ob-La-Di, Ob-La-Da
Band on the Run
Get Back
Let It Be
Live and Let Die
Hey Jude
I’ve Got a Feeling
Birthday
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (Reprise)
Helter Skelter
Golden Slumbers
Carry That Weight
The End

Claudio Dirani

Claudio D.Dirani é jornalista com mais de 25 anos de palcos e autor de MASTERS: Paul McCartney em discos e canções e Na Rota da BR-U2.

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