Hackney Diamonds Foto: Reprodução/internet

Em tempos de guerra, Stones voltam com profético álbum de inéditas

Claudio Dirani
Por Claudio Dirani

Hackney Diamonds, primeiro disco de inéditas em 18 anos, chegou nesta sexta-feira (20), via Polydor

Em junho de 1965, a marinha dos Estados Unidos se aproximou do sul da costa do Vietnã pela primeira vez. Enquanto a guerra no continente asiático completava quase uma década, uma banda inglesa estava prestes a emplacar um single que não apenas se tornaria o seu maior hit, como marca registrada de seus shows: a indefectível (I Can’t Get No) Satisfaction.

Estamos na reta final de 2023. Isso quer dizer que já estamos prestes a completar 60 anos do feito atingido pelos Rolling Stones há seis décadas. Porém, apesar de falarmos de um passado distante, algumas coisas no mundo não mudaram desde então.

Uma delas é o horror das guerras. Enquanto Israel combate o Hamas após o massacre de 7 de outubro, os Rolling Stones entram em cena mais uma vez com Hackney Diamonds — a primeira coleção de inéditas desde 2005.

Embora bem distantes da política, há uma espécie de tom profético em algumas das 12 faixas do LP que chegou hoje às lojas digitais e online de todo o planeta.

Assim como Love and Theft de Bob Dylan foi  “messiânico” em sua chegada, exatamente no dia 11 de setembro de 2001, Hackney traz uma combinação de premonições, escape, energia e criatividade. Além das coincidências, o álbum deve ser abraçado como uma espécie de masterclass para as bandas atuais.

Não, nem é preciso ouvir o disco até o fim para concluir que o rock atual ainda tem muito — mas muito — a aprender com os clássicos.

A interpretação é de cada um. Certamente, quem enfrenta as dores de uma guerra como a atual em Israel deverá ler nas entrelinhas o que Jagger/Richards tentaram passar em Whole Wide World, uma das estrelas do álbum:

“Quando o mundo inteiro está contra você e seus amigos lhe decepcionaram e lhe trataram com desdém… Quando eles lhe botam para correr e você acha que está tudo acabado”, canta Jagger.

Mais do que Whole Wide World, a faixa 8, Live by the Sword (com Elton John) traz em seu título a semelhança com o lema das Forças de Defesa de Israel (Life by the Sword).

(Se isso não soar estranho para você, leitor, não sei mais o que pode ser.)

Eles cantam: “Se você vive pela espada, vai morrer pela espada. Se você vive pela arma, irá morrer pela arma, e se você vive pela faca, um dia irá acabar esfaqueado”.

Além das linhas inimigas: enfim, os diamantes 

Embora Hackney Diamonds tenha sido gravado apenas por Mick Jagger e Keith Richards da formação original, a presença de Charles Watts em algumas faixas é o suficiente para que o fã se sinta bastante confortável com a nova coleção de canções.

Isso significa (sem enigmas, desta vez!) que o conteúdo do sucessor do já longínquo A Bigger Bang (2005) é um mix de terra firme e upgrade da discografia do grupo.

Se as já amplamente rodadas Angry e Sweet Sounds of Heaven, desde setembro, indicavam que o melhor estava por vir, o restante do disco confirma esse prognóstico.

Para quem acompanha os Stones de perto pelo menos desde 1980, trago um testemunho de fé de que o 24º álbum de inéditas dos ingleses não é uma mera desculpa para sair em turnê (como se a banda precisasse justificar o que mais curte fazer).

Apesar de cedo ainda ser para cravar Hackney Diamonds no pódio de clássicos dos Rolling Stones, três faixas em especial têm potencial alto para eternizar o disco no Hall of Fame do grupo: Depending On You, Dreamy Skies e Driving Me Too Hard — o trio DDD

Depending On You” é aquele tipo de balada, arrisco dizer, impossível de ser composto por outra dupla que não Jagger e Richards. Ela traz uma onda nostálgica gigante, mas com trajes atualizados, garantidos pelo produtor do momento, Andrew Watts, que ainda recebe créditos na composição. 

Com um catálogo tão diverso — e uma carreira tão longeva — como a dos Stones, torna-se inevitável buscar referências passadas para definir o som. Talvez, uma reencarnação de Almost Hear You Sigh, mas com mais calor humano.

Já o segundo D do trio, Dreamy Skies, revisita Beggar’s Banquet (1968) com maestria. Quem é fã de No Expectations vai compreender essa analogia. Entretanto, cuidado: não se trata de um pastiche, nem dos Rolling Stones, nem da country music.

A ligação DDD termina com Driving Me Too Hard, outro candidato a hit — claro, se estivéssemos nos anos 1980 e 1990. A faixa traz um mix de timbres das guitarras ouvidas em Start Me Up com a estética de Keys To Your Love (exclusiva da coletânea de 2002, Forty Licks)

O resultado dessa equação musical é uma espécie de Best of do que você gostaria de ouvir e ver nos Rolling Stones no século 21, sem abandonar as raízes.

Leia mais da coluna de Claudio Dirani!

Claudio Dirani

Claudio D.Dirani é jornalista com mais de 25 anos de palcos e autor de MASTERS: Paul McCartney em discos e canções e Na Rota da BR-U2.

× Curta Music Non Stop no Facebook