Fractal Mood é a dupla de ativistas do techno que trabalha no front e na produção de festas como a Capslock

Claudia Assef
Por Claudia Assef

Se você é assíduo frequentador de festas de música eletrônica em São Paulo, certamente já trombou com este nome nos line-ups: Fractal Mood. O “jeitão fractal” [fractais são aquelas estruturas geométricas com padrões repetitivos, uma imagem muito ligada a viagens psicodélicas] serve como identidade (quase) secreta da dupla de DJs e produtores de São Paulo Guilherme PicorelliHenrique Marciano.

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Henrique e Guilherme no comecinho do projeto Fractal Mood

Os dois se conheceram na Faculdade Belas Artes, e a ideia de criar um projeto juntos veio de um insight sobre a teoria dos fractais e o quanto ela era parecida com a mistura de gêneros musicais e com o jeitão despojado dos dois. Nascia, então, em 2007, o Fractal Mood.

Do começo sem muitas pretensões até hoje, quando Gui e Henrique se tornaram figuras obrigatórias no cenário de festas de São Paulo, tanto se apresentando como Fractal Mood quanto trabalhando na produção delas, lá se vão 10 anos de experimentações fluídas em diversas vertentes da música eletrônica, da house ao techno, passando pelo minimal e o dub.

No início de outubro, a dupla lançou pelo selo alemão Vinyl Vibes Records uma das faixas do EP Directions, com outros três artistas brasileiros (Rafael Moraes, Apoena e Color Field). Não foi o primeiro lançamento gringo, já que os dois já tiveram faixas lançadas pelos também alemães Get Physical (como parte da coletânea Brazil Gets Physical, mixada e compilada pelo DJ Davis), e pelo Kindisch, o EP Petit Terrible.

Ouça Baxa Uma Oitava, do Fractal Mood 

Fractal Mood é residente de festa Capslock desde 2013, além de manter uma parceria muito próxima de outros labels, como Mamba Negra e Soulset. Tem atuado no front, como DJs, e na produção das festas em São Paulo. E vestem a camisa, mesmo. Numa Capslock, por exemplo, em que o dress code dos DJs era montação pesada, os dois viraram drags lindas, montadíssimas.

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Guilherme virou cosplay da Hebe, e Henrique, uma drag bigoduda numa Capslock que teve como dress code DJs montadas

A gente bateu um papo com eles pra saber mais sobre o Fractal Mood. De quebra, eles gravaram um set exclusivo pro Music Non Stop, que você pode botar pra ouvir enquanto lê a entrevista. Aperta o play.

Music Non Stop – Como rolou de vocês começarem a produzir juntos?

Henrique Marciano – Nos conhecemos na faculdade. O Guilherme trabalhava no laboratório de áudio da faculdade Belas Artes e por lá iniciamos alguns experimentos com música, áudio e videoarte. Iniciamos também uma série de jam sessions com outros músicos. Nesse momento eu já discotecava, e o Guilherme tinha uma banda. Nosso primeiro som profissionalmente juntos foi para o site da Lomo (máquina fotográfica russa) no Brasil. A partir de então seguiram vários trabalhos de paisagem sonora em parcerias com artistas visuais, produção de trilhas (para algumas marcas) e também o início do projeto Fractal Mood, em 2007.

Guilherme Picorelli – Minha primeira lembrança do Henrique foi numa aula de antropologia visual, discutindo Marx. A partir daí, passamos a nos conectar através dos trabalhos da faculdade e nas festas que organizávamos. Na época, o Henrique havia acabado de voltar de uma temporada em Viena com um case cheio de pérolas musicais, e eu fazia parte de uma banda de indie rock chamada PaulaKadera – era folclore garantido! Foi nessa época que passamos a nos encontrar com mais frequência no laboratório audiovisual da Belas Artes, onde experimentávamos estéticas e técnicas de produção em áudio e vídeo.

Foi nesse período que o Henrique me introduziu na cultura de discotecagem, ele precisava de alguém para acompanhá-lo numa temporada de férias no beach clube DPNY, de Ilhabela. Como já tínhamos uma bela afinidade musical, fui convidado para passar a temporada com ele lá, foi minha primeira experiência como DJ.

Foi desse contexto universitário e da evolução da nossa carreira que passamos a desenvolver nossa técnica de produção sonora/musical, e nos orgulhamos de estarmos há mais de 10 anos na busca constante da nossa estética sem nos apressar com a necessidade (fútil ao meu ver) de precisar lançar músicas para nos alavancar como artista.

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Music Non Stop – Qual é a ideia por trás do nome do projeto?

Henrique Marciano – O nome do projeto diz muito sobre a ideia de não se limitar ao primeiro contato com qualquer que seja o objeto. Quanto mais perto você chega de um ponto, mais pontos surgirão. Basicamente seria essa a parte do fractal, e a palavra mood foi para que essa experiência não fosse algo muito engessado, que tivesse mood, humor e também dinâmica. Para não ser algo simplesmente matemático. Isso se aplica também ao nossos sets, que nunca se limitam a um gênero. A música eletrônica, para nós, naturalmente já é um não-gênero, então consideremos este ~espírito~ fractal essencial para o desenvolvimento da música, seja ela de pista ou não.

Guilherme Picorelli – Eu tenho uma vaga lembrança de ter uma conversa com o Henrique na cozinha da minha casa sobre a teoria dos fractais, onde a relacionávamos com a infinidade de coisas malucas que estavam ao nosso redor, a mistureba de estilos musicais que nos permeavam e o jeitão despojado da dupla (daí saiu o mood). Muitas pessoas nos perguntam quem é o fractal e quem é o mood, isso não existe entre nós. Ambos somos o Fractal Mood, mas o engraçado é que em cada gig, cada um recebe diferentemente o “fractal” e o “mood”.

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Music Non Stop – Além de tocarem como DJs vocês também ralam na produção de festas. Vocês estão envolvidos com quais labels de festas?

Henrique e Guilherme –  Nos envolvemos com os projetos com os quais temos uma ligação filosófica. Para nós, não vale a pena retribuir e expandir nosso conhecimento e técnica com núcleos que não estejam alinhados com nossa visão de mundo, atualmente aprofundamos nesse campo, justamente por acreditar que existe uma bolha imensa no mercado de eventos. As agências de publicidade ganham sempre o tal do BV (que consideramos propina mesmo) de prestadores de serviço e fornecedores em geral, e um evento que deveria custar X acaba custando 5 x. Para que não deixássemos nosso conhecimento e potencial escorrer nas mãos de produtores com esse perfil, preferimos verticalizar o projeto Capslock, do qual fazemos parte como DJs desde 2013. Outro ponto importante é nossa visão sobre a música. Ela simplesmente não existe sem um palco adequado. Após alguns meses de experiência com a festa Capslock, iniciamos uma parceria com a festa Mamba Negra e a Soulset.

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Paulo Tessuto, Henrique, L_cio e Guilherme: as lyndas DJs da Capslock especial Montadas

Music Non Stop – Como vocês diriam que estamos em São Paulo em termos de know-how de produção de festas?

Henrique Marciano – São Paulo é uma da principais capitais de eventos do mundo. São mais de 250 eventos por dia na cidade. Com certeza temos uma mão de obra muito qualificada, a questão das festa não fica distante disso.

Guilherme Picorelli – Eu só posso avaliar as festas que fazem parte do nosso núcleo e, levando em conta que em menos de 10 horas montamos os melhores sistemas som do mundo, toda a estrutura necessária de portaria, bar e caixas, acredito que São Paulo esteja caminhando em direção a uma maturidade e independência tanto na produção de eventos quanto de público, que não vive mais uma “fase” de suas vidas, para realmente viver um “lifestyle”. Finalmente estão aprendendo a viver em harmonia com a diferença de idade entre as pessoas, sendo possível assim se manter em uma constante vivência da cena.

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Uma manhã de domingo como outra qualquer na Mamba Negra

Acredito que é somente dessa maneira, acolhendo todos que queiram fazer parte de um movimento e investindo tecnicamente em conhecimento, que podemos manter nossa cena independentemente dos interesses de empresários acumuladores de capital e assim manter os interesses artísticos e financeiros de uma classe artística.

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Music Non Stop – Em que momento da vida vocês pensaram: “pow, vou dar um jeito de a música eletrônica ser meu ofício”?

Henrique Marciano – Desde quando eu tinha uns 10 anos queria que a música fosse meu ofício… nessa época eu já tocava com meu tio no seu grupo de samba, desde os 8 anos. Na escola de música, a partir dos 11 anos, conheci pessoas com a qual formamos uma banda (Microfonia), que durou seis anos. Mas poder viver mesmo de música só se tornou realidade em 2005 e, desde então, vivo disso.

Guilherme Picorelli – A música (independentemente do gênero) está comigo há muito tempo. Já passei por diversas bandas, estúdios de gravação e o laboratório audiovisual da faculdade. O divisor de águas foi Ilhabela, onde foi possível passar a viver com o dinheiro que a música proporcionou.

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Music Non Stop – Como é o esquema de criação musical de vocês, fazem tudo junto no estúdio ou já trazem coisas de casa?

Henrique Marciano – Fazemos músicas juntos e também separados. Isso é muito interessante, porque às vezes eu inicio um arranjo, passo para o Gui, ele evolui, aí volta pra mim. Às vezes, ele que começa. O corte final sempre fazemos juntos, nós dois compomos música, mas o cara que faz a mix final é o Gui.

Music Non Stop – Que outros artistas novos bacanas vocês têm ouvido?

Guilherme Picorelli –  Novo é relativo. Tem artistas jovens e tem a música que é nova na minha realidade. Ultimamente tenho ouvido muito Fat Freddys Drop, o álbum novo do Stimming e The Emperor Machine.

Fat Freddy’s Drop – Hope For A Generation (álbum completo, 2016)

Music Non Stop – E, claro, tenho que perguntar, como foi pra vocês tocarem de salto agulha, collant e peruca?

Henrique Marciano – Foi uma experiência única. Foi bem interessante porque a ideia é poder incorporar o espírito da festa. Sempre estivemos conectados nesse sentido, como uma peça de um grande quebra-cabeça. Importante esse movimento todo em relação às liberdades e escolhas individuais. Toda manifestação que possa criar consciência sobre a repressão tem que ser promovida.

Guilherme Picorelli – Essa foi uma oportunidade única, numa edição especial da Capslock em que todos tocaram montados. Eu fiquei irreconhecível, tipo uma Hebe Camargo, ninguém me dava oi se eu não fosse me identificar. Adorei! Chato mesmo foi a montagem, mais de duas horas entre maquiagem e troca de roupas. Admiro e respeito muito todos que passam por isso constantemente. É preciso muita paciência e coragem para enfrentar o processo e o preconceito.

Próximas datas Fractal Mood

Noise Jumpers
Sexta, 21, a partir das 22h
Ideal
Rua 23 de Maio, 310, Salto-SP
Line-up: Paulo Tessuto, Fractal Mood, Pedro Amaral, Akula_Hampton, Guillë, KaioBarssalos, Carriel e Zarref
Preço: R$ 30

Capslock Entra Numas de Festa Sem Sal (Pró-Sal)
Sábado, 22, a partir das 19h
Local a ser anunciado
Line-up: Paulo Tessuto, Renato Cohen, Shadow Movement, Amanda Mussi, Fractal Mood e Vantonio
Preço: R$ 40 (3o lote), R$ 50 (dinheiro na porta) ou R$ 60 (cartão); quem vier de bike ou de macacão de operário paga R$ 30

Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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