Drogas Imagem: Reprodução

Com uso terapêutico de drogas psicodélicas, Austrália dá início a uma nova era

Jota Wagner
Por Jota Wagner

País é o primeiro no mundo a retirar a proibição de ecstasy e psilocibina para tratamentos específicos de depressão e trauma

Após a reclassificação do ecstasy e da psilocibina — substância encontrada em cogumelos (chamados pela galera de magic mushrooms) — pelo governo australiano a partir de julho do ano passado, médicos do país podem prescrevê-las para tratamentos terapêuticos de depressões agudas e transtornos de estresse pós-traumático (TEPT).

Agora, em um desenvolvimento histórico na medicina, psiquiatras australianos realizaram as primeiras sessões de administração de drogas psicodélicas em um ambiente clínico legal após décadas de proibição, conforme informou o Smoke Buddies. Dois pacientes receberam tratamento com terapia assistida por psicodélicos em Melbourne com medicamentos fornecidos por uma instituição de saúde mental do país.

A liberação vale apenas para terapias com acompanhamento médico, em doses e procedências controladas pelo governo. Ainda controversa, a medida tem sido considerada uma mudança de paradigma no tratamento de terminados problemas psiquiátricos.

O ecstasy vem sendo usado na Austrália para tratamento terapêutico de transtornos como síndrome do pânico e fobias, por exemplo, disparadas a partir de um evento traumático sofrido pelo paciente. Já a psilocibina é prescrita, por enquanto, para interromper processos de depressão continuada. Ambos não são recomendados para tratamentos de longo prazo.

A comunidade médica internacional está acompanhando com atenção a experiência australiana, que dá início a uma nova era, mais científica e menos apaixonada, sobre o uso de determinadas drogas psicodélicas para tratamentos terapêuticos. Na mira dos estudos, além do ecsatsy e dos cogumelos, estão o LSD e a ketamina.

Iniciamente sintetizadas para fins terapêuticos, tais drogas foram descobertas pelo pessoal do “uso recreativo”. Seu barato chocou a sociedade, preocupada com o abuso e o vício, criando discussões polarizadas que deram fins a estúdos contínuos sobre o assunto.

Basta recuperar a biografia de Timothy Leary para ilustrar a história recente. Psicólogo renomado, formado em Harvard, se tornou um grande advogado do uso do LSD, descoberto por Albert Hoffman em 1938, dentro dos laboratórios da Sandoz (Suíça), para fins terapêuticos. Foi preso nada menos do que 36 vezes nos Estados Unidos. Para intelectuais como Allen Gingsberg, Leary foi um “herói da consciência americana”. O escritor Tom Robbins o chamou de “um bravo neuronauta”. Já Richard Nixon, ex-presidente, citava Timothy Leary como “o homem mais perigoso da América”.

O MDMA, substância ativa das pastilhas de ecstasy, foi sintetizado em 1912 pelo laboratório Merck. Era usado de forma experimental em tratamentos psiquiátricos, até estacionar na glândula pineal da garotada, que a usava para dançar horas afinco com o coração cheio de amor sintético pela humanidade. Seu uso psiquiátrico começou a ser banido pelas autoridades do mundo todo a partir de 1985.

O assunto então começou a ser discutido sob a fumaça das granadas, jogadas de uma trincheira à outra por batalhões ideológicos opostos. Agora, quase 40 anos após a declaração de guerra, parece que a comunidade científica vai finalmente poder trabalhar sob a trégua da sociedade.

Ensina o dito popular que a diferença entre o remédio e o veneno é apenas a dosagem. O TGA (Australia’s Therapeutic Good Administration) defende que a “psilocibina e o MDMA são relativamente seguros quando usados em ambientes médicos controlados, sob a supervisão de profissionais corretamente treinados e em dosagens estudadas em testes clínicos”.

Opositores dentro da comunidade médica são mais cautelosos, alegando, inclusive, que medidas como essa podem causar uma imagem errada à população, de que tais drogas são seguras.

Enquanto os argumentos seguirem baseados em estudos e testes sérios, um novo horizonte se abre para um maior entendimento dos benefícios do uso de substâncias proibidas nos tempos da guerra às drogas — momento em que o estado acabou misturando remédio e veneno nas mesmas ampolas.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.