Inezita Barroso Inezita Barroso – foto: acervo TV Cultura

Hoje é o Dia da Cachaça. “Animamos” sua segunda com 20 músicas que enaltecem a “marvada pinga”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Hoje é o dia da cachaça.  Da pinga. Goró. Mé. Aguardente. “Aquela que matou o guarda”. “A água que passarinho não bebe”.

A bebida destilada oficial do país – a ponto de preocupar Raul Seixas quando viu o etanol tomar conta dos postos de gasolina – e matéria-prima da capirinha, o único drink nacional que tem um copo exclusivo homoloado por associações mundiais de coquetelaria, é assunto recorrente também nas músicas.

Com presença garantida nos discos de punk rock, do samba e de música sertaneja, mas também com alta participação criativa em outros gêneros musicais, a menção à cachaça varia: vai de verdadeiras honrarias e declarações de amor à avisos sobre seus efeitos não tão divertidos como aquela brisa que antecede a feijoada.

Preparamos uma lista fundamental com trinta músicas que tem a “marvada” como personagem, principal ou coadjuvante, acompanhada de uma playlist para ouvir enquanto bebe (oops)… perdão. Enquanto lê.

Nota do autor: esta matéria foi escrita acompanhada da cachaça do alambique do Luiz Gonzaga, de Louveira – SP, de qualidade atestada pelo Seo Maurício, renomado conhecedor do assunto. A músicas foram contribuições de uma dezena de amigos, também conosseaurs, via enquete nas redes sociais.

Desce mais uma garçon!!

1. A Marvada Pinga

O maior clássico cachaceiro da história da música, imortalizado por Inezita Barroso, tem autoria desconhecida. Até 1930 era cantada nos arrasta pés do interior paulista e conhecida com o nome de Festança no Tietê. A letra tem diversas versões e conta história de um caboclo apaixonada (pela pinga) que promete só largá-la quando morrer.

“Eu bebo da pinga porque gosto dela / bebo da branquinha, bebo da amarela / eu bebo no copo, bebo na tigela / pura ou temperada com cravo e canela / se é pinga, vou pingar no goela, oi lá”

Estava inaugurada a relação entre o sertanejo e a cachaça em forma de música.

 

2. Turma do Funil

“Chegou… a turma do funil / Todo mundo bebe, mas ninguém dorme no ponto / Ha ha ha há, ninguém dorme no ponto / a gente bebe e eles que ficam tontos”

Quem não cantou, a plenos pulmões (e enquanto surrava o fígado), esta marchinha nos blocos de carnaval! A música é de Mirabeau e foi eternizada por Vinícius de Moraes e Miúxa. A música tem uma introdução pouco conhecida, que descreve um bar caído, prestes a fechar, onde os poucos clientes e o garçon estão no fim da noite, quando pela porta entra um cordão de pinguços.

 

3. Eu Bebo Sim

Composta por João do Violão e gravada em 1973 por Elizeth Cardoso, Eu Bebo Sim é mais uma das músicas de quem está de bem com a … digamos… vida.  O famoso verso “tem gente que não bebe está morrendo” é a resposta perfeita para a mãe que pergunta se você vai beber de novo.  A obra, uma quintessência da cara de pau.

4. Por um rock’n’roll mais alcóolatra e adolescente

A divertida canção da banda paulistana Rock Rocket é uma espécie de “melô do bad drunk”.  Conta a história de um carinha que declara que vai sair para enxer a cara e arrumar confusão. “Hoje eu vou sair para provocar o coas, a discórdia e a anarquia / vou atingir o grau / de loucura”.

5. Pinga

Já a canção Pinga, do Patu Fu, segue aquele clima de fim de noite. Aquele clima de “porque é que a gente assim?” que prescede o “Jesus, nunca vais vou beber na minha vida”. Ritmo, harmonia e letra fazem clima para aquela conversa com a privada.

6. O Ébrio

Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer
Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou.
Apedrejado pelas ruas vivo a sofrer.
Não tenho lar e nem parentes, tudo terminou…

Se você não pensar seriamente sobre seus hábitos alcoólicos após ouvir este clássico do Vicente Celestino, é porque realmente você não tem vergonha nenhuma na cara. A música, gravada em 1946, conta a história de um triste homem que após ter fama e fortuna perdeu tudo e se afundou na cachaça.

Assim como outras músicas desta lista, ela denuncia os perigos do alcoolismo na vida de uma pessoa. Triste fim de um artista. Você pode acabar assim, ou talvez com o Sérgio Reis.

7. Pinga Ni Nim

Sérgio Reis, antes de ser procurado pela justiça por usar sua fama para deflagrar ideias conspiratórias e anti democráticas, foi o responsável por um dos maiores clássicos enaltecedores da cachaça.  “Nessa casa tem goteira / pinga ni mim” ressoou pelas rádios de todo o país em 1987 e se tornou um enorme sucesso.

Não se sabe se foi o excesso de pinga ou seu abandono que causou o dano cognitivo atual. Mas cuidado!

 

8. Demais

Gravada por Mayza em 1957 e com composição de Tom Jobim e Aloyísio de Oliveira, “Demais” se divide entre o “Eu Bebo Sim” e o “Ébrio”.  Todos perguntam porque é que eu bebo demais e vivo de bar em bar. É para que esquecer mesmo.

Esquecer do quê? Me esqueci.

9. Vamos Farrear

Hora de dar um tempo na fossa para voltar àquele momento em que a música está alta, todos estão gritando, sorrindo e dançando, e que nós todos estamos acometidos da certeza de que somos as pessoas mais legais e interessantes da face da Terra.

Vamos Farrear, do Pinduca, é uma ode à inconsequência rock’n’roll, apesar de ser um carimbó.

“Vamos beber cachaça, esta gente / Vamos farrear / A cachaça é gostosa / Ninguém vai ser embriagar”

Ledo engano.

10. Cachaça não é Água

Gravada por Carmen Costa e Colé em 1953, a música é uma das grandes marchinhas atemporais de carnaval.  Conta com uma bronca da mulher em um marido cachaceiro chegando em casa.  Mas do primeiro verso em diante, segue um libelo hedonista.

“Pode me faltar amor / disso até acho graça / só não pode me faltar / a danada da cachaça”.

Ooooooooh danaaaaaada!

11. Eu Inezito

Tatá Aeroplano, o trovador psicodélico paulista, não só homenageou Inezita Barroso como transformou seu nome em um verbo para descrever o ato de chamar “dois, três amigos” e baixar o pé na jaca.

Gravada em 2016, a canção apresenta a dualidade humana com versos que vão de “todo dia, eu acordo, eu decido, que vou largar este velho vício” e depois, lá pelo meio da música, completa-se (?) com “estou bêbado, estou louco, estou assim e não quero nem saber o que vão achar de mim”.

Pois é…

 

Nota do autor 2: cada dose têm sido suficientes para 5 verbetes. Perdoem qualquer erro ortográfico

12. Movido a Álcool

A construção da música composta por Raul Seixas e gravada em 1979 é uma amostra do genial e peculiar senso de humor do artista em seu ápice.

“Porque o posto anda comprando tanta cana / Se o estoque do boteco / Já está pra terminar? / Derramar cachaça em automóvel / É a coisa mais sem graça /De que eu já ouvi falar”

Pensa que termina por aí? Não. Raul ainda manda um “Veja, um poeta inspirado em Coca-Cola, que poesia mais estranha ele iria expressar”.

13. Garçon

Voltemos um pouco para o momento “bebo para esquecer”.  Na música de Reginaldo Rossi,  massivo sucesso radiofônico de 1987, a cachaça é coadjuvante. Mais do que isso, é aquela companheira, aquela amiga de peito aberto para ouvir nossa lamentação. Para sorte do garçon. Não fosse a cachaça, sobraria para ele.

“E para matar a tristeza / Só mesa de bar / Quero tomar todas / Vou me embriagar / Se eu pegar no sono /
Me deite no chão”

Pobres garçons. Principalmente os que trabalham em karaokês.

14. Pinga com Limão

Além de homenagear o mais fiel companheiro da cachaça, o limão, o Premeditando o Breque gravou em 1986 esta singela, simples e direta declaração de amor à marvada.  A letra se resume às palavras “pinga”, “limão” e “feijoada”, com raras exceções.

Nota do autor 3: Inexplicavelmente, as doses têm sido suficientes para completar três verbetes. Como dizia vovô: “maooooooooh esse copa tá furado”.

15. Pagode na Casa do Gago

Jà que o tema feijoada vou trazido à tona pelo Premê, vale aqui mencionar a música que exalta o consumo da cachaça como remédio para segurar a fome, truque bastante usado pelos amantes do mal porre e cujo preço é geralmente cobrado à vista no fim da noite.

O Gago, que atrasou o rango a ser servido no pagode, sugeria à rapaziada “tomar mais um limão”. Conselho obedecido com fervor.

Original de Bezerra da Silva, e composto por Gracia do Salgueiro, o som foi regravado por um montão de gente: Leci Brandão, Zeca Pagodinho e Molejo, entre outros. O ano de gravação original eu esqueci.

16. Hino do Álcool

Dentre os diversos lançamentos de punk rock dedicados à pinga, bebida financeiramente acessível aos buracos underground que nos recebem, Hino do Álcool, do Gritando HC, é o mais solene.

Letra, música, vibe… aqui não tem dilema moral. A gente gosta, a gente bebe, a gente festa, e bora lá.

 

17. Um Copo de Pinga

Titãs flertam com o sertanejo raiz em uma canção singela, inocente e sincera, como é todo porre de pinga do meio de semana.

“Da garrafa eu faço a vela / da prateleira caixão / eu quero é que me enterrem com um copo de pinga na mão”. Um minuto de reflexão gravado em 1995.

Para usar a palavra coach da moda: resiliência!

18. Beber até Morrer

Falando em enterro e caixão, é importante saber que nem tudo são flores. Neste caso, uma coroa de flores.  João Gordo e seu Ratos de Porão questionam a vida bebum e a inércia cachaceira em Beber Até Morrer, de 1989 . Vale ressaltar que a banda ainda lançaria um outro ode à cachaça, bem mais festiva, em 1995.

“Porque será que o homem quando foge de si mesmo  / se afoga na bebida ou se droga sem parar / será que a vida imposta é perder um vale tudo / ou viver sempre chapado é melhor do que lutar?”

A gente sabe o porque: pra esquecer, uai!

 

19. Cachaça

Vontade de beber pinga também pode ser um momento de profunda contestação existencial. Melhor dizendo, todas os porres o são, não é?

Pois o Vanguart, com sua sensível elegância, também abordou o tema. Vamos farrear! (hicup)

E me atinge da melhor maneira / Como cânhamo ou cachaça certeira / Pra antecipar a quarta-feira / Eu vou sair / Talvez te encontrar / São cinco e meia da manhã /E cadê?”

20. Chiclete de Horletã

Antes de ser um Trapalhão, Mussum foi um sambista de primeiríssima linha, solo ou com seu conjunto Os Originais do Samba.  Grande apreciador do “mé”, como dizia, gravou está simpática homenagem à cachaça. Perfeita para terminar esta festa em forma de lista músical.
“Meditando em seu divã só penso na carestia / Que aumenta a cada manhã / Oh, meu deus que bom seria /Se eu comprasse alcatra ou chá / Mas o dinheiro já nem dá /Pro chiclete de hortelã”
Nota do Autor 4 (em lágrimas): Eu te considero pra caramba! Eu te considero um irmão pra mim! Estamos juntos! Sempre! Pro que der e vier!”

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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