Beyoncé Cowboy Carter Foto: Reprodução

Review: em novo álbum, Beyoncé bate recorde e desafia clichês

Maravilha
Por Maravilha

Com mais de 76 milhões de plays no Spotify, Cowboy Carter surpreende ao mesclar country, rap, folk e funk brasileiro

Lançado na última sexta-feira (29), o novo álbum de Beyoncé, Act II: Cowboy Carter, bateu o recorde como maior estreia global do Spotify de 2024 — reunindo mais 76 milhões de plays —, e também chamou atenção nas redes sociais. Só no X (antigo Twitter), a obra provocou mais de um milhão de comentários.

O disco apresenta 27 faixas em que a artista experimenta combinações entre elementos da música country, rap, folk, blues, gospel, soul, pop, ópera e o nosso querido funk brasileiro (como vimos na faixa Spaghetti, que ontem mesmo, 1º, teve sua ficha técnica atualizada, creditando os autores brasileiros de Aquecimento das Danadas, utilizada como sample). 

O experimentalismo e sua inconfundível criatividade e ousadia marcam esse trabalho que também é fruto da vontade da artista de expandir sua música para além de rótulos e limites criados pela indústria. Inclusive, Bey fez questão de frisar isso quando ela publicou no seu Instagram que Cowboy Carter “não é um álbum de country, é um álbum da Beyoncé”. Ela reivindica sua liberdade criativa para além de caixas que outras pessoas possam desejar colocá-la. 

Além da música, a obra também conta com uma identidade visual composta por fotografias e imagens que contêm símbolos conectados à história e política dos Estados Unidos e suas múltiplas faces — provocação ou patriotismo? No mínimo, polêmica. 

O LP mostra mais uma vez a potência, talento e sagacidade da sra. Carter, que aponta que gêneros musicais podem aprisionar a música, e busca romper com esse paradigma.

Essa discussão é um tanto quanto antiga, e não à toa. Como ela mesma sugere na primeira faixa: “Você muda de nome, mas não muda o seu faz de conta”; “Você pode me ouvir?”. Ainda em Ameriican Requiem, Beyoncé segue nessa lógica e desafia nossa percepção acerca do que determina uma música ser de um gênero específico ou não, e também faz alusão ao episódio que remete a 2016, quando recebeu críticas por sua performance no Country Music Awards. Ela propõe uma reflexão que vai muito além de estética: é sobre disputa de narrativas

Isso fica ainda mais evidente com a canção que vem na sequência. Trata-se de uma interpretação de Blackbird, de Paul McCartney. Essa obra foi escrita pelo ex-Beatle quando um grupo de estudantes afro-americanos matriculados na Little Rock Central High School, no Arkansas, em 1957, sofreu com o ódio coletivo que causou uma crise na cidade de Little Rock, onde os alunos foram impedidos de entrar na escola racialmente segregada por Orval Faubus, o então governador do estado.

Em seguida, Bey volta-se para sua relação consigo mesma em 16 Carriages, refletindo sobre os enfrentamentos presentes na tentativa de equilibrar carreira, maternidade e autocuidado. Em Protector, ela dialoga com suas filhas, mudando o foco para a família, e canta sobre amor próprio na introspectiva My Rose, onde podemos perceber a influência estética de uma canção que também ficou conhecida na voz de uma estrela, Michael Jackson (People Make The World Go Round).

E, apesar da Queen B reforçar o fato de este não ser um álbum de música country, em diversas faixas fica evidente a influência de elementos que marcam canções definidas como parte do gênero, como o próprio single Texas Hold’em e o cover de Jolene, de Dolly Parton.

Ao longo das 27 músicas, ao mesmo tempo que se experimenta criativamente, Beyoncé lida e compartilha visões sobre suas experiências como mulher, artista, mãe, esposa, empresária e pessoa negra na América. Ora acompanhada pela doçura áspera de um conjunto de vozes que remetem ao nascimento da soul (ou country?) music e suas relações com religiosidades múltiplas, música góspel e trabalho forçado, ora acompanhada por batidas modernas, rimas quentes e muita atividade, como em Spaghetti.

Um fato curioso e importante de ser citado é que ela vinha trabalhando no álbum há pelo menos cinco anos, e este seria o primeiro a ser lançado como parte da trilogia que engloba Renaissance, de 2022. Porém, a artista tomou a decisão de modificar seu planejamento ao considerar que, por conta da pandemia, o momento não estava favorável para a densidade desse trabalho e observou que seria mais adequado oferecer uma atmosfera mais festiva, de celebração. Depois de tudo o que vivemos, precisávamos de um pouco de diversão. Acertou, né?

Mesmo que Cowboy Carter tenha sido planejado para outro momento, o sucesso de seu lançamento em 2024 confirma que a hora era esta. Com uma obra densa, com muitas camadas de significados e leituras possíveis, diversas referências de diferentes naturezas, participações de ícones da música norte-americana (como Dolly Parton, Willie Nelson, entre outros) e mensagens importantes, Beyoncé relembra a todos que música e vida estão conectadas, e sua arte é livre.

Maravilha

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Maravilha é uma artista-multimídia, musicóloga, DJ, compositora, produtora musical e arte-educadora carioca radicada em São Paulo. Aqui no portal escreve e reflete sobre arte, música brasileira e toda a sorte de grooves. É também fundadora da Tremor Produtora.

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