Anatomia de uma Queda Imagem: Reprodução

Em cartaz no Brasil, ‘Anatomia de uma Queda’ transforma espectador em investigador

Amandha Monteiro
Por Amandha Monteiro

Denso, complexo, incômodo e belo, filme vem com a brilhante de direção de Justine Triet

Com indicações de melhor filme, melhor atriz, melhor direção, melhor roteiro e melhor montagem em alguns dos maiores festivais do mundo, incluindo o Oscar, Anatomia de uma Queda é denso, complexo, incômodo e belo.

Com a maravilhosa direção de Justine Triet, o filme conta a história de Sandra Voyter (Sandra Hüller), uma escritora que vive em um chalé nos Alpes com o filho (Daniel, interpretado por Milo Machado-Graner) e um marido de comportamento estranho. O longa é marcado por problemas de comunicação. O filho sofreu um acidente e perdeu a visão; marido e mulher têm nacionalidades e línguas diferentes, por isso, decidem adorar uma terceira língua, que nem um nem o outro falam com fluência.

Mas isso é só a ponta do problema. Enquanto ela é uma escritora de sucesso, ele é um escritor frustado convalescendo da culpa do acidente que levou à cegueira do filho. À volta deles, está tudo congelado, com neve pra todo lado. Ela parece ser querida. E num dia aparentemente normal, do lado de fora da casa está o corpo desse marido, que nós, espectadores, nem tivemos tempo de conhecer.

Você faz ideia de que a forma como duas gotas de sangue estão na parede podem provar que uma pessoa foi empurrada da sacada? Mas quem teria empurrado? O que surpreende demais é a capacidade da direção de fazer de você um investigador, que, no começo, tem a certeza do que aconteceu: o cara caiu!

Você pode optar por ficar com essa primeira certeza, ou decidir se quer continuar abrindo a próxima “matriosca” para ver o que tem dentro; há muita história dentro da história. Em determinado momento, tudo está tão incerto que dá vontade de escolher no que acreditar. Esse efeito é amplificado graças aos enquadramentos da câmera, brilhantemente bem-escolhidos pela diretora.

No fim das contas, trata-se de um drama humano. Então, sempre que possível a câmera é mais crua e funcional do que artística, como se fosse a de um jornalista que está cobrindo o caso, ou como se as imagens viessem da câmera de segurança do carro ou da casa. Há também muitos big closes, proporcionados por enquadramentos indiscretos que fotografam o sentimento de quem está sendo olhado.

Em uma narrativa tão turvada, em que nada é o que parece, é como se o objetivo fosse nos deixar enxergar a pupila da personagem, em busca da verdade.

Anatomia de uma Queda deu a Justine Triet o prêmio de maior prestigio no último festival de Cannes, o Palma de Ouro. Além de diretora, a artista é roteirista e editora, o que justifica a belíssima montagem. A atuação da Sandra Hüller é realmente espetacular, assim como a do jovem Machado-Graner.

O filme está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Amandha Monteiro

Amandha Monteiro é diretora e roteirista. Membro da Academia Brasileira de Cinema, formada em Comunicação, com pós em cinema e licenciatura em artes cênicas, reúne em seus trabalhos diversos saberes nas vertentes artísticas. Seu vocabulário de conhecimentos artísticos 360 construíram, ao longo dos anos, um olhar sensível e apurado para o cinema e o teatro. Amandha já foi diretora e roteirista de TV, e hoje roteiriza e dirige para algumas das grandes empresas brasileiras, em campanhas institucionais e lives. No teatro, é coautora e protagonista de "Amor e Ódio em Sonata", sobre a vida do escritor russo Leon Tolstoi — primeiro espetáculo brasileiro a ser convidado pelo governo russo para temporada no país. No cinema, foi protagonista do longa "O Perfume da Memória", dirigido por Oswaldo Montenegro, ganhador de vários prêmios em festivais mundo afora. Louca por arte e por tudo o que expanda a alma, Amandha produz diariamente seu conteúdo exclusivo sobre cinema, em que o critério é a qualidade. Uma curadoria única, gêneros diversos, e seu olhar sobre as obras em tom provocativo e bem-humorado.