Nelson D no Amazonia Mapping 2023 Nelson D – foto: divulgação

“A Amazônia não é uma floresta. É um universo”. Conversamos com Roberta Carvalho, criadora do Festival Amazônia Mapping

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Festival Amazonia Mapping completa 10 anos em 2023 mostrando, de dentro para fora, a beleza, o caos e a complexidade das “diversas amazônias”.

Percy Harrison Fawcett, a figura real que inspirou Indiana Jones, se embrenhou pela Serra do Roncador rumo à selva amazônica em busca da cidade perdida de Eldorado, desapareceu e deixou relatos quase mágicos sobre a floresta. Os irmãos Villas-Bôas seguiram o mesmo trajeto, em sua expedição Roncador-Xingu, contactando, mapeando e escrevendo sobre a população indígena local. Marechal Rondon atravessou a floresta “hostil”, cartografando a região.

Fawcett era inglês, Claudio e Orlando Villas-Bôas, de São José do Rio Pardo (SP). Rondom, da então capital federal, Rio de Janeiro.

Nos grandes jornais vemos matérias sobre desmatamento, garimpo, grileiros e a expansão agropecuária. Quicá um especial do Globo Repórter sobre as belezas da floresta de árvores ancestrais e animais espetaculares.

A própria série Cidade Invisível, gravada em Belém e com a inédita temática dos seres elementais do folclore local, tem sequer um protagonista amazônida. Nem o Boto Cor de Rosa escapa. Seu intérprete é Victor Sparapane, nascido no Guarujá – SP.

Parece que o termo “lugar de fala” se aplica como nunca, no que se refere à Amazônia. E é isso que o Festival Amazônia Mapping tenta inverter, em seus dez anos de vida. “A Amazônia precisa falar em primeira pessoa”, conta a paraense Roberta Carvalho, diretora artística (ao lado de cantora Aíla)e artista multimídia do FAM, na conversa que tivemos.

“No lugar de floresta amazônica, temos o universo amazônico. De florestas, rios e cidades, de complexidades, beleza e caos”.

A região tem, obviamente, grandes centros urbanos, uma criação artística pujante, intensa e, principalmente, relevante para o mundo.

Roberta Carvalho

Roberta Carvalho – foto: divulgação

Desde que surgiu, o Amazônia Mapping procura mostrar ao resto do Brasil e do mundo, um panorama da região contada por amazônidas, através da arte, da tecnologia e da música.

Em 2020 o evento migrou, por obrigatoriedades pandêmicas, para o mundo virtual e realizou, no começo deste ano, a edição FAMVR23, toda construída, usando a engenharia dos games, no metaverso, em uma ilha criada a partir de cenários da região. Além disso, propôs uma conexão artística entre São Paulo e Belém. Tudo isso sem conflitos com a programação habitual do FAM. No segundo semestre, a edição “real” (que termo cringe!) já está confirmada. Acontece dias 23 e 24 de junho, em Belém, e dia 01 de julho em Alter do Chão.

“Quando se fala da Amazônia, se pensa muito no bioma. A amazônia é cidade, é floresta e é gente. São muitas amazônias, não é só uma. Trabalhar no metaverso é uma forma de exercício de linguagem, de ocupação deste espaço, ocupação cultural, ocupação poética destes lugares. A ideia do FAMVR23 é estender a experiência. Não acredito na ideia deste metaverso como uma contrariedade ao nosso universo real. As coisas estão caminhando juntas. Acho que é mais uma maneira de ocupar este outro espaço, que coexiste com que já temos”.

O resultado da última edição no metaverso pode ser acessado, gratuitamente e de qualquer lugar do mundo, no site oficial do FAM. Imergindo ali, podemos passear por predios mapeados e acessar diversos palcos, onde se apresentaram artistas como Nelson D ao lado da paulista Bianca Turner, Aila, DJ Meuri, Crisálida e vários outros (veja a programação completa no final desta matéria).

Ao propor a contação da história através da visão de quem vive a Amazônia – e de sua ideia de mundo experienciando este ambiente – o FAM cria uma autoridade artística através, justamente, de uma identidade artística que mescla o futurismo com a ancestralidade. “Pensar o futuro é pensar a Amazônia”.

Apesar de estarmos controlando a pandemia e assistindo à volta massiva dos festivais presenciais, Roberta acredita que a experiência virtual seguirá. “Não sei se já estamos no momento de apontar as tendências. Eu acho que a realidade virtual é um passo interessante. Não está só na arte e nos games, mas na educação e nos processos terapêuticos. Há alguns entraves como o tamanho e o preço dos óculos de realidade virtual. Mas este hardware também está em evolução. Não dá muito pra prever mas entendo que há umas janelas de expansão”.

Com isso, o FAM apresenta também ao mundo uma amazônia tecnológica, e abre a discussão sobre como a tecnologia também pode jogar a favor, não só da arte, mas da floresta.

“Quando a gente fala de Amazônia, existe uma imagem construída que se compõe de muitos estereótipos, que não são legais para a floresta, para as pessoas, para o entendimento das diversas amazônias que existem dentro dessa complexidade. Eu acho que o Amazônia Mapping, além de outros festivais, contribui para uma outra visão. E quando a gente coloca o nosso festival no mesmo patamar de outros festivais do mundo, de certa forma estamos demonstrando a força e a potência pela voz dos artistas, pela força de quem constrói as tecnologias, traz uma visão muito mais ampliada do que o resto do brasil e o mundo conhecem.

Confira a programação completa do FAMVR23, e agende-se para a próxima edição.

Música e Imagem: Nelson D + Bianca Turner

Música e Imagem: Aíla + Jean Petra

Música e Imagem: DJ Meury + PV Dias

Performance: Rafael Bqueer

Vídeo Mapping: Resiste! / Roberta Carvalho

Vídeo Mapping: microdosys + ilumina chebel / Trilha: Irû Waves

 

 

 

 

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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