Watergate Foto: Reprodução

Opinião: fechamento do Watergate expõe ferida mundial na cena clubber

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Jota Wagner comenta sobre o sintomático anúncio de encerramento das atividades de um dos mais celebrados clubes de Berlim

Os administradores do cultuado clube de música eletrônica Watergate, situado às margens do Rio Spree, em Berlim, divulgaram na última terça-feira o fechamento definitivo da casa, ativa na capital alemã desde 2002 e um dos principais pontos da cidade para se ouvir dançar house e techno. A casa deve operar até o fim do ano, e não terá sua licença renovada.

Há muito tempo, Berlim se consolidou como uma das principais cidades do mundo para a cultura notívaga, atraindo turistas festeiros de várias partes para experimentar um lugar onde a música e a cultura DJ tomaram conta da cidade, com incontáveis opções de diversão. A má notícia é mais um recado para o mundo sobre o futuro da cultura clubber. O Watergate é um dos mais celebrados clubes do planeta, e Berlim, a cidade que vive em torno desse cenário cultural. Se está ruim para eles, imagina para as demais metrópoles. Londres viu fechar quase metade de seus clubes no período pós-pandêmico. Basta rodar por São Paulo, dona da maior cena noturna da América Latina, em busca de um lugar para dançar às duas da madrugada, para entender como anda feia a coisa, ainda mais se tivermos idade suficiente para fazer a comparação com a mesma São Paulo de duas décadas atrás. Sofrível.

Mas quais as causas da tamanhas dificuldades que os clubes estão passando no planeta? Vista como irreversível por muita gente, um ponto de convergência entre o pessoal da noite, incluindo o dono do Watergate, Ulrich Wombacher, boa parte da culpa vem dos festivais de música.

Em alta desde 2021, os megaeventos trazem consigo características que dificultam a vida de quem cuida de um empreendimento que depende de um público semanal: têm ingressos caros, capazes de sequestrar a capacidade financeira da galera para gastos com festas, além de inflar os cachês artísticos, uma vez que muitos DJs estão com agenda cheia circulando por festivais em diversas partes do mundo. Wombacher ainda cita a pressão financeira gerada por outros custos, como staff, energia e aluguéis (um bom clube geralmente precisa estar em um lugar diferentão da cidade. No caso do do Watergate, uma bela vista para o Spree).

Não se trata apenas das planilhas financeiras e sua implacável matemática, no entanto. Há um aspecto cultural importante envolvido no cenário atual da música. As novas gerações não cultivaram a mesma afeição pelos clubes do que as anteriores, preferindo muito mais eventos ao ar livre aos inferninhos cheios de gente e música. Os pontos de encontro, aquele clube onde você sabia que encontraria gente conhecida todos os finais de semana, foram substituídos pelo convívio diário em redes sociais ou aplicativos de mensagens.

O conjunto de fatores resultou em um encolhimento de público e, consequentemente, de dinheiro circulando nesse tipo de entretenimento. Pelos menos a médio prazo, não há nada que indique uma reversão desse quadro, exceto um agravamento tão grande das condições climáticas capaz de tornar inviáveis os eventos a céu aberto. Mas ninguém vai torcer por isso, não é?

No Brasil, há diversos estudos dedicados a mapear o crescimento dos festivais, mas ainda nenhum levantamento sobre o encolhimento das casas noturnas. Em Londres, a Night Time Industries Association publicou uma pesquisa com notícias nada agradáveis. Um terço das casas fechou durante a pandemia, e outro terço disse adeus desde então. A mudança cultural se reflete em todos os extratos da sociedade, desde prefeituras, que pegam cada vez mais pesado na concessão de licenças, até a população, que tem demonstrado cada vez menos paciência com o movimento gerado por empreendimentos próximos às suas casas. Um movimento, mais uma vez, facilmente perceptível em São Paulo.

Ficar de olho nas soluções propostas pelas cidades europeias pode ser uma boa saída para nós. Donos de clubes têm se associado cada vez mais e cobrado ações públicas de reconhecimento do valor cultural de uma pequena casa de shows ou clube, além de ações para garantir sua sobrevivência. Com programações semanais e capacidade de dar espaço para novos artistas (coisa que os festivais jamais conseguirão fazer na quantidade necessária para movimentar um cenário), esses locais são imprescindíveis para a respiração da cultura. Sua importância raramente é devidamente respeitada e, quando acontece, muitas vezes tarde demais.

Pressionar as secretarias das cidades brasileiras é primordial para garantir um refresco. Claro que a solução também precisará passar pelos próprios empreendedores culturais, que precisarão encontrar formas de cativar novamente uma geração que ainda não viu graça em frequentar semanalmente o mesmo lugar (pelo menos enquanto não tem festival, poxa!) e ventilar as contas bancárias das pequenas casas.

Enquanto isso acontece, ainda receberemos mais noticias ruins, como a do fechamento do Watergate, e seguiremos transitando por ruas cada vez mais desertas nos centros das grandes cidades.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.