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Opinião: Como a Virada Cultural de São Paulo foi parar na UTI

Virada Cultural

Foto: Reprodução

Cada vez mais descaracterizado, evento se transforma em uma versão urbana das festas agropecuárias

Os rumos que a administração pública deu para um dos mais democráticos, corajosos e inventivos eventos culturais da América Latina são chocantes. Criada em 2005, durante a gestão de José Serra em um distante tempo em que ser de direita não significava fazer apologia ao obscurantismo, a Virada Cultural nasceu como uma tropicalização das Noites Brancas, realizadas anualmente em Paris desde 2002. Foi se desenvolvendo ano a ano, chegando a quatro milhões de pessoas vagando de um palco a outro, no Centro de São Paulo, com 24 horas ininterruptas de intervenções artísticas.

A experiência era doida. Insetos Gigantes no Vale do Anhangabaú de um lado e show de Cesária Évora de outro. Dinossauros do rock progressivo brasileiro num palco e Leci Brandão no outro. Racionais MC’s e Thaíde em uma rua, lutadores mexicanos de lucha libre num ringue ao lado. João Bosco mandando um som numa esquina e Booker T Jones em outra. Acabou.

Os objetivos originais da Virada Cultural, enterrados recentemente, eram claros:

Difícil? Utópico? Talvez. Mas sem utopia não haveria a Brasília de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Não haveria avião, metrô, celular… Ao promover, nos últimos anos (2017, 2022, 2023 e agora), a descentralização da Virada e apresentar uma programação presente em qualquer festa agropecuária (mercado milionário, diga-se) do interior do país, a Prefeitura de São Paulo não cumpre nenhum dos propósitos originais do evento.

O mote de 2024, A Virada Cultural Do Pertencimento, já escancara certo plano maquiavélico. Quer dizer que o Centro Histórico, agora, não pertence a quem é da periferia? A todos os paulistanos? Claro que o argumento oficial não é este. Ao descentralizar os palcos por diversas regiões da cidade, a prefeitura leva cultura às regiões mais distantes. Mas espera aí… Esta é a função da Secretaria de Cultura durante todo o ano!

Espalhar o rolê para todos os cantos provoca outro efeito: o de “cada um em seu quadrado”. Cada casta devidamente resguardada em sua área urbana original. Uma vergonha.

Certa vez, entrevistando o lendário DJ Hum em um workshop para o Sesc Guarulhos, falávamos sobre o encontro de rappers semanal da Estação São Bento. Cada crew chegava de trem, vinda dos quatro cantos da cidade, e trazia uma informação diferente do hip-hop. No Centro, se confraternizavam, fundiam tais informações e evoluíam artisticamente. É sobre isso.

Tirar o protagonismo da região e pulverizar o público em 20 palcos diferentes, distantes, enfraquece a Virada Cultural e mata o turismo. Esvaziar o Centro para ocupar o novo Vale do Anhangabaú e terraços de edifícios históricos, festas com ingressos a mil reais. A quem interessa?

Durante mais de uma década ocupando a zona central, é óbvio que a Virada nunca foi perfeita. Houve problemas de segurança e depredação. Mas culpar a população periférica, restringindo seu acesso ao centrão, é um absurdo. Durante todo o ano o poder público nega aos paulistanos da periferia educação de qualidade, moradia, transporte e segurança alimentar. Trata a região central como lata de lixo, e então exige, uma vez a cada 365 dias, que todos compareçam de terno e gravata, tomando clericot e pedindo que, por obséquio, a polícia mantenha seus cassetetes em repouso. Sem noção.

Finalmente, para aplacar as críticas sobre o mirrado número de atrações e manter a população no nível mínimo de atividade intelectual, a Secretaria de Cultura investe o dinheiro público em atrações fáceis, presentes em qualquer evento privado organizado às pencas. Novos artistas, que precisam de espaço, ou os provocadores, propositores e inacessíveis, nem pensar.

A menos de 15 dias do evento, a organização divulgou uma programação com os nomes “já confirmados” — 70 em 18 palcos. Historicamente, a Virada Cultural já teve mais de 400 atrações.  E pera lá! Como assim, “já confirmados”? O resto do line-up será divulgado quando?

A bagunça na comunicação arrebenta com qualquer potencial turístico do evento, já na UTI, uma vez que ninguém toparia viajar e se hospedar na cidade para escolher apenas um dos quase 20 palcos distantes um do outro. Não é mais possível transitar entre linguagens e culturas diferentes, graças à Prefeitura de São Paulo.

É de chorar.

Abaixo, a localização dos palcos e as atrações confirmadas até agora.

Palco Anhangabaú

Dia 18

17h – Léo Santana
20h – Joelma

Palco São João

Dia 18

18h30 – Àttooxxá e Karol Conká

Dia 19

0h30 – Kannario + Baile da DZ7
3h30 – Deekapz e Mu540
14h – Cassiane

Palco Parelheiros

Dia 18

17h – Banda Mel
19h – Planta e Raiz
21h – Veigh

Dia 19

11h – Duo Badulaque
13h – Eliezer de Tarsis
17h – Raça Negra

Palco Campo Limpo

Dia 18

19h – Elba Ramalho

Dia 19

13h – Trupe Trupé

Palco Rio Diniz

Dia 18

20h – Marcelo e Rayane

Dia 19

10h – Território do Brincar
16h – Arlindinho

Palco Capela do Socorro

Dia 18

17h – Roberta Miranda

Dia 19

13h – Circo Spacial – Uma Parada Mágica
17h – Solange Almeida

Palco Guarapiranga

Dia 18

18h – Billy SP
20h – Ilê Ayê

Dia 19

10h – Circo Spacial – Uma Parada Mágica
14h – Ton Carfi

Palco Heliópolis

Dia 18

19h – Francy
21h – Júnior Vianna

Dia 19

17h – Silvanno Salles

Palco Rio Ipiranga

18h – Caio Costta
20h – Maneva

Dia 19

14h – Thalles Roberto

Palco M’Boi Mirim

Dia 18

17h – MC Davi
19h – Paula Matos

Dia 19

13h – Sainha de Chita
15h – Kemilly Santos

Palco Itaquera

Dia 18

17h – Major RD
19h – Vulgo FK

Palco São Miguel

Dia 18

17h – MC Paiva
19h – Toni Garrido

Dia 19

15h – Geraldo Azevedo

Palco Itaqueruna

Dia 18

18h – Maskavo
20h – Marcos e Belluti

Dia 19

14h – Padre Alessandro Campos

Palco Butantã

Dia 18

18h – Baile do Simonal e Leo Maia

Dia 19

13h – Queen Live Kids
15h – Eli Soares
17h – Rastapé
19h – Maria Rita

Palco Pirajussara

Dia 18

18h – Lia de Itamaracá e Natasha Falcão
20h – Brisa Flow

Dia 19

10h – Território do Brincar
14h – Victin

Palco Freguesia do Ó

Dia 18

17h – Edi Rock
19h – Marvill

Dia 19

13h – Banda Fera Nenem
15h – Nicoli Francini

Palco Rio Piatã

Dia 18

18h – Marquinho Sensação

Dia 19

14h – Sarah Beatriz
16h – Sandra de Sá

Palco Parada Inglesa

Dia 18

19h – Xamã

Dia 19

13h – Abrakbça
15h – Bruninho e Davi

Palco Cidade Tiradentes

Dia 18

17h – Vou Pro Sereno
21h – Cortejo Afro

Dia 19

11h – Marcados
12h – Funk SPzinho
13h – Maria Cecília & Rodolfo
15h – Dexter e Salgadinho
17h – Psirico
19h – MC Hariel

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