FOTOS DIEGO LUIS JARSCHEL
TEXTO CLAUDIA ASSEF
O Green Valley é um dos clubões mais comentados do Brasil. Aberto em 2007 num pedaço paradisíaco da Mata Atlântica, na festeira e turística cidade de Balneário Camboriú (SC), município com pouco mais de 100 mil habitantes que tem a noite como um dos pontos altos, o clube já disse a que veio na festa de inauguração, quando trouxe como atração principal um “padrinho” de peso, o eterno rei do techno, Carl Cox. Desde então, mantendo uma rivalidade produtiva com o vizinho Warung (cada um querendo entregar mais e melhor para seu público), o Green Valley cresceu em tamanho e virou um grande parque temático para quem curte música eletrônica e vive na região Sul do Brasil.
Nesses 10 anos de funcionamento, ganhou prêmios (foi eleito por duas vezes Melhor Clube do Mundo, em 2013 e 2015, pelo top 100 da revista DJ Mag) e viu alguns dos principais DJs e lives de música eletrônica do mundo passarem por suas cabines. Mesmo abrindo, normalmente, apenas uma vez por mês, a casa formou um público cativo, fiel, que vem crescendo a cada ano. Ganhou fama também por estar inserido no meio de uma natureza estonteante. Na última quinta-feira de 2017, dia 28 de dezembro, o Music Non Stop baixou pela primeira vez no Green Valley para acompanhar a festa Brazilian Bass com Alok, que reuniu quase 12 mil pessoas espalhadas por três pistas num terreno de dimensões nababescas, para entender qual, afinal, é o segredo do sucesso desse clubão.
Logo na entrada, quem chega é surpreendido por uma recepção de pé direito altíssimo, com direito a um enorme lustre que deixa a entrada com cara de hotel de luxo. Na minha imaginação, chegaríamos a um complexo dançante de chão de terra batida, cercado por samambaias e árvores exóticas. Mas não. O Green Valley hoje, apesar de continuar inserido no meio do mato, tem todo o luxo e facilidades de um clube que poderia tanto estar localizado em Tóquio quanto em Nova York.
Na noite em que estivemos lá, o line-up era um mix de artistas ultrapop, com Alok como headliner da pista principal, e nomes do underground, como o da dupla Lacozta, formada por L_cio e Daniel Cozta, e o craque Murphy, querido das pistas de techno mais aceleradas do Brasil e do mundo há pelo menos uns 15 anos.
Essa mistura de nomes certeiros para vender ingressos (e olha que estamos falando de milhares de ingressos) com sons mais conceituais, que podem ajudar a formar um público de paladar mais maduro no futuro, é uma ideia implementada recentemente no Green Valley, a partir de uma parceria do clube com o DJ e produtor San Schwartz.
“Quando as pessoas entram na música eletrônica, elas vêm atrás de um ídolo. Atualmente este ídolo é o Alok. Então elas compram ingresso pra vê-lo. Mas o intuito é mostrar pra essa molecada nova que existem outras vertentes de música eletrônica. Estamos tentando fazer isso no Green Valley com o projeto Underline, que eu criei junto com o clube”, diz San, que também é DJ residente do Green Valley. “Nosso objetivo é mostrar uma segunda opção de musicalidade. Esta festa com Alok, por exemplo, tinha um line-up muito pop, então a gente foi buscar um diferencial na pista 2, com tech-house, techno, pra não ficar uma coisa muito maçante. Em Santa Catarina, está muito forte esse estilo de Brazilian Bass, então a tentativa é trazer pessoas novas pra mostrar que existem outros tipos de som”, ele completa.
POP x UNDER
Quando San Schwartz classificou a festa como pop, ele não exagerou. Já faz pelo menos duas décadas que a música eletrônica saiu dos porões e nichos underground para as FMs e streamings da vida. E 2017 foi um ano bem emblemático nesse processo de quebra de paradigma, de propagação da música criada por DJs e produtores brasileiros. A música eletrônica saiu do after. Foi parar no topo das mais ouvidas nos streamings, no Youtube, na TV, na academia, até no supermercado enquanto você faz compras. Vivamos com essa realidade. Nesse contexto, Alok é tratado com tapete vermelho na Globo, do Faustão ao programa do Bial, e isso foi ele que conquistou. Agora de volta ao Green Valley.
Chegamos cedo, pra passagem de som do Lacozta, por volta das 20h A dupla de São Paulo veio como headliner da pista Underline, tocando no mesmo horário do Alok. “É um responsa, interessante também porque quem escolhe estar na nossa pista no mesmo horário dele vai entrar em contato com algo novo”, diz L_cio. “É legal porque quebra um pouco o preconceito. Pode ser uma porta de entrada para um som diferente, para pessoas que estão chegando agora. De repente a pessoa que foi procurar um banheiro, deu de cara com a gente e ficou por lá. Até a atmosfera da pista estava bem diferente, era mais dark, mais a ver com o som”, diz Daniel Cozta.
Esse clash de culturas faz parte do DNA do clube, segundo seu diretor artístico. “O Green Valley sempre será uma mistura de vanguarda e tradição, buscando um equilíbrio entre ditar e seguir tendências”, diz Juba Jacomino. “É uma mistura do contemporâneo com o que está vindo pela frente. O clube preza acima de tudo pelo respeito e pela felicidade do público, oferecendo música eletrônica de qualidade, independentemente do segmento. Nosso papel é buscar talentos e trazer para dentro de casa. É isso que o público espera ver no Green Valley”, completa.
Sobre este mix pop x under, ele resume: “se prender a um único estilo é chato demais, não queremos limitar a mente das pessoas, até porque existe boa música em todas as vertentes. Está no DNA do clube essa diversidade de atrações. Então para nós há espaço tanto para Ricardo Villalobos e Carl Cox quanto para Hardwell e Martin Garrix“, finaliza Juba.
RECÉM-SAÍDAS DO SALÃO
Uma volta pelas três pistas lotadas do Green Valley vale como um pequeno estudo antropológico da noite na região. Ok, um estudo de boteco, mas vale mesmo assim. Assim como no line-up, 100% formado por homens (cadê as meninas?), o público segue papéis bem preestabelecidos no que tange aos gêneros: meninas desfilam produções caprichadas, cabelo devidamente escovado, vestido agarrado no corpo (bandagem em alta), maquiagem e salto alto. Os rapazes também investem na mesma estética arrumadinha das meninas – aqui não tem espaço pra look largado ou pra montação clubber.
A diversidade que encontramos no som, a ideia do mix de gêneros, não se reflete no público, e os valores dos ingressos não parecem ser o motivo, já que, por exemplo, para a próxima abertura da casa, no dia 10 de fevereiro, com Vintage Culture como headliner, outro ídolo do momento, há ingressos disponíveis a partir de R$ 40 (meia-entrada de pista feminino).
Fica a impressão de que, apesar de muito movimentada, a cena de música eletrônica da região ainda pode crescer muito e, principalmente, ser mais inclusiva. Todos ganhariam se existissem mais cores na paleta, sem contar o duro que as meninas precisam dar pra estarem sempre com visual de quem acabou de sair do salão de cabeleireiro. A noite, afinal, também foi feita pra extravasar, pra viver aquela parte da vida que o dia a dia não permite, para escapar da tensão do trabalho e de outras obrigações, não é?
“Minha percepção é que esse tipo de house comercial, big room, atrai mais um pessoal da classe média alta”, diz Gustavo Ractz, DJ e frequentador dos clubes da região. “Mas vejo que eles estão tentando mudar o target dos clientes, parece pelo menos. Talvez pela aceitação de outras vertentes de house e techno o público possa mudar”, conclui Ractz.
Entre os muitos acertos, merecem destaque o sistema de som impecável e a cenografia dos palcos. Já a questão das áreas VIPs, onde o acesso é limitado para quem pagou mais caro pelo ingresso, bate como uma ideia segregadora e datada. Fato é que, se o Sul do país está fazendo história na construção de um novo público para a música eletrônica no Brasil, certamente o Green Valley merece um capítulo à parte.
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A jornalista Claudia Assef viajou a convite do Green Valley