The Beatles - Apple Boutique Foto: Reprodução/Apple Corps

Apple Boutique: a desastrosa aventura dos Beatles como empreendedores

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Loja foi o primeiro de uma série de desastres financeiros que vieram a partir da morte do empresário Brian Epstein

É dezembro de 1967. A esquina das ruas Baker e Paddington, em Londres, está em polvorosa. Centenas se aglomeram na porta do imponente edifício, todo pintado de branco, da Apple Boutique, a primeira peripécia dos Beatles na condição de empreendedores. Tudo foi pensado para ser diferentão. No convite para a inauguração, os quatro anfitriões pediam para os sortudos selecionados chegarem às 19h46, pois o desfile de moda começaria às 20h16. Os 50 convidados que chegassem primeiro ganhariam um porta notas exclusivo.

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Celebridades como Eric Clapton, Jack Bruce e Kenneth Tynan, entre várias outras figuras descoladas da cidade, incluindo obviamente os quatro integrantes dos Beatles e suas esposas, tomariam suco de maçã enquanto ouviam música árabe tocada na flauta por Simon Posthuma. Uma noite icônica no circuito de arte londrino, quando todos seriam apresentados a uma superloja com conceito completamente louco, psicodélico, transgressor. Só que não.

A Apple Boutique foi o primeiro de uma série de desastres financeiros que tomaram conta dos Beatles a partir do momento em que eles resolveram cuidar do próprio dinheiro, após a morte de Brian Epstein, o empresário que fez papel de tutor, professor, pai e, principalmente, gerente financeiro.

A morte de Epstein, por overdose de barbitúricos em agosto de 1967, foi uma surpresa. Desde o começo da banda até o momento da tragédia, Paul, John, George e Ringo jamais haviam pago um boleto na vida. O choque foi tamanho que o grupo decidiu não confiar em mais ninguém e gerenciar a própria carreira. De um dia para o outro, quatro caras que nunca haviam lidado com grana passaram a cuidar de uma verdadeira fortuna. Um desastre anunciado.

Na condição de investidores, os quatro integrantes resolveram que conduziriam seus investimentos com a mesma ousadia com que faziam música. Em apenas cinco meses após a morte de Epstein, seu primeiro projeto seria inaugurado. No dia da abertura, as reformas do prédio ainda não estavam concluídas, as apresentações atrasaram e a festa tinha muito mais gente do que o planejado. Um aperitivo do caos administrativo e financeiro que acabaria em menos de um ano. Em 31 de julho de 1968, a Apple Boutique fechava suas portas acumulando um prejuízo de incríveis 40 milhões de reais, em valores atualizados.

Durante o tempo em que ficou aberta, a boutique foi encavalando ideias mirabolantes que deram errado e consumiam o rico dinheirinho dos seus criadores. Para cuidar da loja, foram escalados um amigo de John Lennon, Peter Shotton, e a cunhada de George Harrison, Jenny Boyd. A loja, que vendia de tudo, não tinha um controle de estoque. O público vagava pelos andares sem supervisão, vestia uma roupa ou acessório caríssimo e saía sem pagar. Funcionários afirmaram que o comportamento de roubar coisas da Apple era “endêmico”. Mas os prejuízos não ficavam só nisso.

Logo depois da inauguração, o grupo achou que o visual branco do edifício de seis andares não estava suficientemente artístico, e encomendou uma pintura psicodélica para o coletivo de arte The Fool, que custou a fortuna de mais de dois milhões de libras (quase 15 milhões de reais, em valores atualizados). Tudo para deixar a parte de fora da loja mais bonitinha. Finalizado o mural, a subprefeitura da região deu um chilique. Moradores passaram a reclamar do colorido painel gigante que celebrava a vibrante Londres daquela época.

Apple Boutique

A fachada da Apple Boutique. Foto: Reprodução

Se o estimado leitor já se assustou com o furo n’água que a Boutique representou, prepare-se. A loja era apenas um dos empreendimentos da Apple Corporation que, além do comércio de arte, também envolvia uma gravadora, uma distribuidora, uma produtora de filmes e muito mais. Um emaranhado de negócios que, na cabeça sonhadora dos quatro, poderia funcionar.

De todos os rolês, a Apple Records foi a que deu certo, justamente porque dançava na pista em que os Beatles estavam mais do que acostumados, a música. Além disso, a empresa já nascia com um tremendo tesouro nas mãos: todo o material gravado e não lançado da banda, além de um networking de primeira. A gravadora lançou artistas do círculo de amizade dos quatro, como Ravi Shankar, Badfinger, Yoko Ono, Billy Preston e Hot Chocolate.

Mas de todas as ideias dos quatro de Liverpool, a Apple Boutique foi o negócio mais estapafúrdio, rápido e financeiramente desastroso. E o dia de seu fechamento foi uma prova do quanto os rapazes estavam de saco cheio da sua boutique. Em vez de fazer uma grande liquidação, simplesmente doaram tudo o que restava para quem estava visitando o local. No dia seguinte, Paul McCartney declarou que aquele, de fato, não era o lance dos Beatles.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.