Regal86

Talento do techno mexicano, Regal86 toca sexta na festa da Tijolo Records em SP

Chico Cornejo
Por Chico Cornejo

Trazido pelo selo com base em São Paulo e Nova Iorque, o artista falou sobre sua trajetória ao Music Non Stop

Trajetórias artísticas começam com um ímpeto apenas, um momento de epifania ou de arrebatamento que acaba por definir tudo o que virá depois. Num cenário como o atual, em que vemos talentos e propostas pululando por todos os cantos, constância na dedicação e consistência na musicalidade acabam contando mais do que qualquer outro aspecto na construção de uma carreira.

Muitos abandonam essa trilha, atraídos por oportunidades que demandem menos sacrifícios e concedam satisfações profissionais mais frequentes. Felizmente, não foi a decisão tomada por Regal86, produtor e DJ de Monterrey — capital do estado de Nuevo Leon, uma metrópole industrial cravada no meio de um vale de montanhas do nordeste mexicano — que começou a fazer som da mesma forma que trabalha ate hoje: fuçando no FL Studio e tirando suco de cada uma de suas funcionalidades.

Tudo fundido num denso preparado rítmico que ele serve das mais diversas formas, desde sets acachapantes a faixas contundentes, ambos trazidos a nós em 2023 pelos esforços do selo brooklyniano-paulistano Tijolo Records num EP repleto de potentes ferramentas pisteiras. Para coroar um ano de conquistas e crescimento do coletivo, o mexicano é o convidado de honra da festa Tijolo Records Apresenta Regal86, nesta sexta, em São Paulo.

Conversamos com ele sobre esses momentos seminais de um trajeto que o trará até nós e da fonte de um apetite criativo inquebrantável que o levará ainda mais longe.

 

Music Non Stop: Como foi que essa aventura musical começou?

Regal86: Eu ainda vivia em Guadalajara e tinha um emprego como designer quando decidi investir mais tempo nesse âmbito da minha vida que realmente nunca deixou de existir. E, na real, eu comecei rimando, como tantos outros beatmakers. Dai me liguei que estava pagando para ter um material que nem me agradava tanto e, no fim das contas, a base e 90% da faixa. Sabia que conseguiria fazer melhor, bastava aprender. Baixei o Fruity Loops em 2009-2010 e não levou muito tempo para eu começar a vender também, por 13 doletas cada.

Nessa época eu tinha 15 anos e trampava numa loja que vendia saladas. Desde então, sempre dei um jeito de fazer som, mesmo quando ainda estava na faculdade e trabalhava, pois é o que mais amo fazer. Isso rolava paralelamente à rotina de escritório e funcionou porque sou bem focado e nunca deixei a bola cair em nenhuma dessas frentes. Eventualmente eu fui me distanciando do Boombap que curtia tanto, me interessando por outras coisas e me dedicando a criar em outros formatos, mesmo porque todo mundo nessa cena estava começando a soar muito parecido.

Music Non Stop: Quão complicada era a coordenação de todas essas atividades diárias? Alguma delas interferia na outra ocasionalmente?

Regal86: Foram dez anos dessa vida dupla e a minha disciplina foi o que me manteve produtivo em ambas. A parte de produção não era tão conflitiva com o meu emprego, já que eu chegava em casa e sentava no computador e me concentrava em fazer música. Foi quando as gigs chegaram que os conflitos começaram, trazendo a exaustão que é normal quando você tenta gerenciar essas vidas paralelas.

O fato de eu ser bastante organizado ajudou muito e eu nunca faltei ao trabalho ou perdi uma data, algo de que me orgulho bastante. Tinha 23 anos e abria meu computador às 06h da manhã todo dia já com um plano desenhado, o único tempo perdido era no traslado para o trabalho. Assim prossegui por um tempo, inclusive com o meu projeto que acabou ganhando bastante notoriedade de fazer uma track por dia, eu me impus esse desafio e deu certo. É tudo uma questão de comprometimento.

Music Non Stop: Quando e como foi que “grande transição” aconteceu? Aquela que te levou a dedicar 100% da sua vida ao fazer musical?

Regal86: Foi mais ou menos quando me mudei para o DF (Cidade do México), e não foi sem percalços.

Em 2019 teve um técnico que apagou simplesmente TUDO do meu HD, pencas de samples com os quais eu alimentava um banco para poder criar minhas músicas. Foi aí que eu decidi transformar minha mentalidade para criar um método de trabalho mais sólido e não me ver mais nesse tipo de situação

O que também mudou ali foi como eu via a minha remuneração vinda da música como algo viável. Os números do Bandcamp já estavam praticamente no mesmo patamar do meu salário. O que permanece igual é a essência do que e de como faço.

Permaneci acordando as 7h da matina para ir produzir e não digo que foi tudo instantâneo, demorei uns dois meses para encarar aquilo como um serviço que demandava certas coisas, tipo estruturar uma rotina, fazer tabelas, estabelecer metas.

O mexicano Regal86, um dos expoentes do techno mexicano. Foto: Divulgação

Music Non Stop: E as datas fora do seu país, como tudo evoluiu para elas surgirem?

Regal86: A primeira vez foi em 2018, quando me chamaram para tocar na fronteira, ali em El Paso, no Texas. A menina fez uma festa ali e gostava do meu som, teve gente que colou e também acabou curtindo. Dali a seis meses, um amigo dela me convidou para retornar, e assim foi rolando. Agora, uns anos depois, me encontro aqui, rumo a São Paulo, Medelim…

Music Non Stop: Essa evolução do corre inevitavelmente trouxe mais obrigações, certo? Isso implicou na contratação de um time para lhe auxiliar com essas demandas?

Regal86: Só agora, há muito pouco tempo mesmo, que descolei um agente nos EUA e outro para cuidar de datas na Europa. Sempre cuidei de todos esses aspectos da minha carreira sozinho, desde as produções até as capas de cada lançamento. Era bem coeso porque tudo partia das mesmas fontes de inspiração: de desenhos animados e quadrinhos.

Então, eu criava uma trilha musical para essas narrativas e também uma interpretação visual minha. Um lançamento ficava meio que preparado num único final de semana. Eu terminava os sons, dava os últimos tapas e ajustes, concebia e finalizava os visuais, subia tudo para a plataforma e estava pronto.

Music Non Stop: E você pensa em expandir sua atuação por mais frentes, como um selo ou algo assim?

Regal86: Pilho muito em criar uma plataforma e tive um selo por algum tempo, durou uns dois ou três anos. Gosto da ideia de prover uma oportunidade como as que precisei em algum momento da minha trajetória até aqui, tanto que ainda mantenho um canal no meu Instagram para que qualquer um possa me mandar suas produções. Mas, neste momento, quero angariar mais recursos para fazer tudo direitinho e poder também lançar em formatos físicos.

Agora o objetivo é guardar grana para poder colocar tudo isso em prática, de uma maneira bem estruturada e sustentável para todo mundo envolvido, seja no médio ou no longo prazo. Sempre ponho preços acessíveis.

Music Non Stop: Falando em selos, como foi que rolou a conexão com a Tijolo?

Regal86: A ponte foi estabelecida através do Kush Jones [artista nova-iorquino que se apresentou na edição passada do evento ligado à gravadora], quando fui tocar em Nova Iorque e fui apresentado ao pessoal da gravadora por ele. Nos entendemos bem desde o início e o resto estamos vendo e vivendo neste exato instante.

Music Non Stop: Agora falando de recursos para produção, o FL Studio sempre foi a sua ferramenta primordial, mas seu processo foi incrementado por algum outro software ou hardware no decorrer dos anos?

Regal86: Absolutamente nada. Eu produzo exatamente da mesma forma desde o começo e tem me bastado até aqui. O único upgrade de estúdio em que investi foi nos monitores de retorno, algo que era bastante necessário e ajudou na qualidade final do áudio das minhas músicas. E não é algum tipo de elogio da carência em prol da criatividade, como se eu me inspirasse na precariedade, mas eu simplesmente aprendi a fazer o que quero e preciso dentro dessas limitações e não vejo porque mudar.

Saber o que fazer com o que você tem é fundamental e, por isso, eu nunca regulo conhecimento, sempre procuro compartilhar o que sei com qualquer pessoa que me consulte. E não me refiro ao trivial, mas técnicas de produção mesmo, coisas mais específicas que farão a diferença para qualquer um. Jamais quero me tornar um dos vilões que encontrei quando estava começando.

Music Non Stop: Além deste EP e da tour pela América do Sul, o que mais vem por aí?

Regal86: Procurei manter minha atenção e criatividade concentradas em meu perfil como produtor e DJ, promovendo meu trabalho autoral. Mas, no próximo ano, tendo já me organizado ao redor de um plano, pretendo me dedicar mais a remixes e colaborações. De resto, quem já me segue ou acompanha o que construí até aqui, sabe que as coisas continuarão do mesmo jeito, com condições acessíveis para qualquer um que queira conhecer e obter o que faço.

Imagem: Divulgação

Serviço

TIJOLO RECORDS APRESENTA REGAL86

Sexta, 10 de novembro, 22h
ZIG Studio
Avenida Pacaembu, 33 – São Paulo, SP
Line-up: RHR, SIXX4SIXX, Eram, Suelen Mesmo, Young Clubber, CESRV e Regal86
Ingressos: a partir de R$ 80,00 via Shotgun

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