Switched On A compositora brasileira Jocy de Oliveira, nos anos 1980. Foto: Divulgação/Contingent Sounds

Livro sobre pioneiras da música eletrônica latino-americana é obrigatório para clubbers

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Lançado por editora alemã, Switched On mapeia gênias da música desde os anos 50, incluindo as brasileiras Jocy de Oliveira e Vânia Dantas Leite

Esqueça os álbuns e EPs de techno ou house. Há muito tempo atrás, na metade do século XX, música eletrônica (ou eletroacústica) fazia parte da galera dos conservatórios e laboratórios de música clássica, distribuídos por universidades de todo o mundo.

Foi no meio acadêmico que maestros e estudiosos começaram a dar os primeiros passos aliando as novidades tecnológicas do mundo dos sintetizadores às composições, criando obras extremamente experimentais, muitas vezes fundidas a performances audiovisuais ou instalações artísticas. Avant-garde no talo!

Quando essas experimentações começaram a despontar no cenário artístico, uma porção de mulheres inquietas publicaram trabalhos relacionados à música eletroacústica. Muitas delas, na América Latina, incluindo o Brasil.

É isso que nos conta o livro Switched On – The Dawn Of Electronic Sound by Latin American Women, lançado pela editora alemã Contingent Sounds (em inglês, ainda sem tradução prevista), editado por Luis Alvarado e Alejandra Cárdenas, mas com textos de pesquisadoras e musicistas de todo o continente, entrevistando e resenhando obras de suas mestras pioneiras, responsáveis por lançamentos e estudos ente os anos 50 e 80.

Switched On

Capa de “Switched On”. Foto: Divulgação/Contingent Sounds

Na obra, compositoras como as brasileiras Jocy de Oliveira e Vânia Dantas Leite, além das colegas latino-americanas Alicia Urreta, Beatriz Ferreyra, Elsa Justel, Eulalia Bernard, Graciela Castillo, Hilda Dianda, Ileana Pérez Velázquez, Irina Escalante Chernova, Iris Sagüesa, Jacqueline Nova, Leni Alexander, Margarita Paksa, Marietta Veulens, Mónica O’Reilly Viamontes, Nelly Moretto, Oksana Linde, Patricia Belli, Renée Pietrafesa Bonnet, Rocío Sanz Quirós e Teresa Burga, contam suas histórias no mundo da experimentação eletrônica.

O texto é bojudo, profundo. Afinal, até mesmo as convidadas para resenhas e entrevistas são também estudiosas acadêmicas. Seguem fascinantes, no entanto, ao trazer à nossa vã perspectiva o tamanho dos desafios e a inventividade dessas garotas pioneiras.

Fazer música eletrônica nos anos 60 significava lidar com equipamentos de tamanhos monstruosos e sem memória, ou seja, a configuração das centenas de botões deveria ser anotada no papel, se você quisesse replicá-lo mais tarde. Também não era possível gravar uma sequência de notas e batidas, como hoje em dia. O primeiro sequenciador, inventado pela Roland, só foi lançado no mercado em 1983. O bagulho era bruto.

Foi nesse ambiente que estudiosas peruanas, chilenas, argentinas e, claro, brasileiras, meteram a cara. Uma dificuldade gigantesca em descolar equipamentos, urubus da ditadura metendo a cara nos ensaios e tentando entender o quão subversiva ou “comunista” era aquela performance, e um fluxo de de informação com tempo equiparável a uma viagem transatlântica de navio.

Switched On

A compositora argentina Beatriz Ferreyra. Foto: Divulgação/Contingent Sounds

O prólogo do livro já saúda o advento da internet, por tornar um projeto como este possível. Foi a partir dos anos 2000 que malucos propagadores de informação começaram a digitalizar os acervos raros dessas garotas e a publicar nos recônditos da web, para que fossem encontrados por garimpeiros do Hemisfério Norte, chegando até a ideia de contar, em livro, a saga de todas essas pioneiras.

Jocy de Oliveira (que chegou a estudar com John Cage), Vânia Dantas Leite e Sergio Antunes foram os primeiros brasileiros a estudar e gravar usando a recém-nascida música eletrônica. Suas obras entraram no hall de pesquisas obrigatórias no assunto e, sejamos francos, demoraram a ter seu reconhecimento fora dos meios acadêmicos. O que, para eles, nunca fez muita diferença. Eles jamais foram “pop”, e não estavam lá muito ligados em fama e glamour.

Mas para nós, que nos dizemos aficionados por música, fez uma falta enorme. Crescemos pagando pau para Stockhausen (que, inclusive, se apresentou em São Paulo, em 2001, com ingressos esgotados), sem saber que aqui, do lado de casa, tinha gente distribuindo ruidos, beeps e bloimps atmosfera afora.

Agora, com o lançamento de Switched On, que já pode ser comprado diretamente no site da editora, temos a oportunidade de passar a limpo a jornada de todo esse pessoal, bem como de outras guerreiras da música eletrônica latino-americanas. É livro obrigatório para todos os que se perdem e se encontram, semanalmente, nas pistas de dança do lado de cá da linha do Equador.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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