Review Gop Tun Festival: cirurgia cerebral até o Sol nascer
Laerte Castagna traz os destaques da terceira edição do festival da Gop Tun
Neste final de semana, rolou a terceira edição do Gop Tun Festival, na área social do clube da Portuguesa, no Canindé, em São Paulo. O festival sofreu uma baixa importante quando o furão Robert Hood cancelou (mais uma vez) sua vinda, a poucos dias do evento. Os organizadores agiram com rapidez e eficiência e trouxeram para seu lugar o live a dupla Octave One, uma das mais celebradas do techno e house de Detroit. Foi um tiro na mosca, e seu som encaixou perfeitamente na sequência do line-up.
A primeira parte foi dos brazucas, com destaque para Benjamim Sallum, Bárbara Boeing e Capetini. Chegamos para ver os donos da casa, os Gop Tun DJs, mandarem seu som sempre para cima, o que alegrou e deixou quente a pista do Main Stage. Após anos de experiência fazendo festa e tocando em eventos como Time Warp, Dekmantel, Primavera Sound e Rock in Rio, os caras sabem como conduzir e fazer seu público se divertir e dançar.
Uma das boas coisas dos eventos na Lusa é que não é preciso andar muito de um palco a outro, facilitando aquelas fugidas para ver um pouco do que está rolando nas tendas próximas. Foi o que fiz, dando um corre até o Não Existe para conferir a DJ Marcelle, holandesa que performa em três toca-discos soltando as bolachas mais díspares e inusitadas sobre bases viajantes e outras trilhas dançantes. Às vezes, pode soar como uma colcha de retalhos mal-costurada, mas o resultado final foi positivo.
Volto correndo para o Main Stage para ver o Octave One, que acabou se tornando a principal atração. A dupla dos irmãos Burden mostrou a que veio em uma apresentação que dosou com equilíbrio a house e o techno, mantendo o povo dançando e feliz. É verdade que houve um problema técnico e o som parou com pouco mais de meia hora de set, mas quando voltaram, bombas como Blackwater e I Believe deram conta de manter todo mundo no grau.
Aproveitando essa parada forçada, novo pique para conferir Marie Davidson e seu tão incensado live, que na verdade era um set híbrido, como ela mesma revelara ao Music Non Stop. Faltou, no entanto, uma comunicação melhor, pois muita gente foi preparada para uma moça operando máquinas analógicas e outras traquitanas, quando, na verdade, ela basicamente discotecou e cantou sobre as próprias bases. É claro que é ela quem pilota tudo, mas às vezes fica um retrogosto de karaoke electro-house. Mesmo assim, se trata de uma artista com domínio de palco e controle da audiência, e o público amou e ferveu de monte.
Terminado o Octave One, chega a hora de uma das mais aguardadas duplas da noite, Octo Octa & Eris Drew, tacar fogo no piso e botar todo mundo para bater cabelo com sua house energética e divertida. Mas tínhamos outros planos, e nos dirigimos ao Supernova para pegar a Cashu fechando seu set que sempre agrada demais. Foi ótimo para deixar o povo preparado para a braba da noite, Helena Hauff.
A alemã veio pela quarta vez ao país e mostrou o porquê de ser considerada um dos principais nomes do electro da última década. Foi um caminhão de beats radioativos de techno, breaks, acid, EBM e dubstep, mixados com maestria em uma sequência irretocável. Electro sinistro, sombrio, gélido e distópico. Muitas faixas próprias que ela produz exclusivamente com máquinas analógicas, quase sempre em take único e prensadas em vinil. Sim, o set é em vinil.
Não dá para mentir. É claro que eu estava animado em ir ao Gop Tun Festival e sua farta oferta de artistas das mais diversas tendências da música de pista. Contudo, grandes nomes e outros que despontam seriam bônus, pois o que realmente queria era uma consulta com o doutor Anthony Child, mais conhecido como Surgeon, um dos mais respeitados artistas do techno, com seus serviços requisitados por nomes como Thom Yorke e Lady Gaga. Oriundo da industrial Birmingham, na Inglaterra, o cirurgião é notório em realizar uma música inovadora, densa, hipnótica e, por vezes, brutal e perturbadora. Suas influências abarcam o rock industrial, krautrock, electro, dark ambient e dub.
E foi o que aconteceu. Em duas horas, fomos esmagados pela massa sonora que vai se formando a cada intervenção que opera nos controles. E não há espaço para viradinhas acrobáticas, bombação e morde-assopra; o que se ouve é uma sequência de atmosferas que vão se acumulando conforme ele determina. São transições sobre transições, proporcionando a construção de um set coeso e sólido, em um monólito sônico complexo e perfeito. Falando assim, poderia soar maçante e apenas cerebral, mas é aí que reside mais uma característica impressionante do cientista: a capacidade de fazer dançar com uma música tão fora da caixa.
É impressionante como Surgeon domina a construção do set desde o início, soltando as faixas precisamente umas sobre as outras, como combustível que vai se depositando em nossas pernas, com expertise em utilizar as frequências, particularmente o grave, para controlar a pista. Há quase uma abstração durante algum tempo, como que em um congelamento, para logo retomar o curso com energia renovada. Mais impressionante ainda é notar que ele consegue manter a audiência, que na maior parte não conhecia seu som, interessada e dançando o tempo todo uma música complexa para os padrões de pista. O artista detém um profundo senso estrutural, em crescendos de raspagem metálica, percussão precisa e anticlímax para um resultado final magistral. Genial.
Os berlinenses do Herrensauna se beneficiaram da cirurgia realizada pelo nosso herói para entrar com os dois pés no peito com o som que a molecada mais gosta: techno pesado, rápido e, por vezes, um hard trance viajante. Assim, a galera pôde continuar pulando até o sol nascer. No Não Existe, acontecia um dos B2Bs mais aguardados da noite, com BADSISTA e RHR detonando a explosiva mistura de grime, dubstep e muito pancadão, que botou todo mundo para ferver. No palco principal, Palms Traxs encerrava a festa para uma multidão feliz e satisfeita. Saldo final, positivo demais. Quando é a próxima?