Gop Tun Festival Gop Tun Festival 2022. Foto: Divulgação

Do Facebook ao Canindé: como a Gop Tun ajudou a revitalizar a cena eletrônica de SP

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Caio Taborda fala sobre a história da marca, influência dos holandeses e a paixão que os move; terceiro Gop Tun Festival rola em 20 de abril

Dia 20 de abril, o Estádio do Canindé recebe o público do Gop Tun Festival para uma aula de geografia da música eletrônica. A curadoria do festival juntará, em uma mesma festa, o deus de Detroit, Robert Hood, o ícone do techno inglês, Surgeon, além de representantes da cena de Berlim e, claro, vários brasileiros.

A viagem pelo mundo surgiu das quatro cabeças que pensam a Gop Tun atualmente: Caio Taborda, Bruno Protti, Fernando Nascii e Gui Scott.

De festa pequena a protagonista da cena independente de São Paulo, responsável, inclusive, por redescobertas urbanísticas na cidade, a Gop receberá mais de 30 artistas em seu terceiro festival. Conversamos com Taborda sobre a história da marca, o ímpeto de deixar o emprego para se dedicar aos eventos e a paixão que move tudo isso.

Caio Taborda. Foto: Gabriel Quintão/Divulgação

Jota Wagner: Como você teve a ideia de começar com essa história de fazer festa?

Caio Taborda: Na verdade, eu sou formado em publicidade. Nunca exerci a profissão, eu sempre fui um cara que trabalhou em área comercial de empresa, antes de desistir de tudo. Há uns sete anos eu já não estava conseguindo conciliar mais as duas coisas. Era até meio engraçado, às vezes eu estava na balada e encontrava cliente do trabalho, tava de terno… Cheguei a ser essa pessoa.

Então eu falei: “cara, não dá mais isso aqui”. Decidi sair fora na cara e na coragem, pedi demissão com o intuito de focar na Gop mesmo. Fazer acontecer e virar.

Do que você sentia falta nas festas em São Paulo que quis trazer para a Gop Tun?

Cara, é engraçado, porque eu acho que a Gop Tun começou por um motivo que hoje talvez seja um dos seus maiores diferenciais, que era poder criar ali um ambiente onde a gente pudesse tocar o som que curtia. Hoje nós somos em quatro, mas na época éramos em sete.

A Gop nasceu como um grupo dentro do Facebook para troca de de músicas e resenha de festas. Fizemos nosso primeiro evento pensando em criar um espaço para que pudéssemos tocar aquilo que pesquisávamos. Também era um desejo fazer uma festa diurna, algo que na época era difícil de se ver por aqui.

Então a gente fazia umas festinhas pequenas em bares, falava com a galera, chamava os amigos, amigos de amigos. Todos já éramos DJs, ainda não tão profissionais. Vira e mexe aparecia uma data de algum clube mais legal, mas a gente sentia que não tinha esse espaço.

Gop Tun 2016

Edição da Gop Tun em 2016. Foto: Divulgação

Nesse primeiro momento, quais as maiores dificuldades que você encontraram?

Todas (risos)! Na verdade, a gente não sabia fazer festa, né? A gente foi na coragem em um momento em que a cena que conhecemos hoje ainda estava engatinhando, assim como nós.

Nessa mesma época, estavam nascendo outras festas, né?

A Selvagem estava começando, a Capslock também. Depois de um tempo vieram a Mamba Negra, a ODD, estava cada um começando do seu jeito. Eu acho que a maior dificuldade era não saber os perrengues que viriam.

A gente só pensa no que vai dar certo…

É, e aí eu acho que a gente foi descobrindo errando. E foi interessante porque aquelas festinhas serviram como um aquecimento para o que estava por vir. A gente criou a promoção, a gente alugou o som, a gente alugou uma casa, tinha um DJ de fora que estava no Brasil, o Crazy P. Foi em volta disso que a gente decidiu fazer a primeira edição da Gop Tun.

Esse movimento dessas festas independentes revolucionou São Paulo, né, cara? O que você acha que detonou isso?

Eu acho que a gente estava passando por um momento em que tinha poucos lugares na cidade com uma diversidade musical tal qual a gente queria entregar nas nossas festas. Tinha um lance burocrático por trás dos clubes que ajudou esse movimento. Os clubes eram caros, cheios de regras, fila para ir no banheiro, para ir no bar, cadastrar impressão digital…

E também teve uma cena muito forte de uma geração anterior. Havia um hiato. Mas o principal era que, naquele momento, a cena estava corporativa demais, apesar de explorar e lançar novos artistas. Tinha pouca arte e muito negócio.

Quando todas estas festas independentes surgiram, a ideia era propor uma experiência completamente diferente.

Gop Tun

Showcase da Gop Tun no Rio, em 2019. Foto: Divulgação

Como veio a ideia de fazer um festival?

A gente acaba entrando nessa, às vezes, sem nem saber.

Até porque vocês escolhem lugares não convencionais…

Não só escolhemos lugares não convencionais, como a gente faz algo com um nível de detalhe muito grande. Nossos primeiros festivais foram em 2017 e 2018, com o Dekmantel SP. Foi a nossa primeira experiência produzindo algo desse porte, e rolou uma troca muito legal, aprendemos muita coisa com os holandeses. Foi nesse momento que talvez a gente tenha sentido pela primeira vez a adrenalina que é produzir um festival.

Foi o Dekmantel que despertou em vocês a vontade de transformar a Gop Tun em um festival?

Não, não. Eu acho que a gente sempre sonhou em ter um festival. Pouco antes do Dekmantel, já tinha ventilado isso. As festas já estavam crescendo, recebendo, sei lá, duas mil pessoas. Foi algo natural.

A gente mora em um país de dimensões continentais, numa cidade que é uma das maiores do continente. Então, a gente está acostumado a lidar com números que são muito diferentes dos das outras cenas do mundo. Quando falamos para alguém da Europa que fazemos festas para duas, três mil pessoas, o cara responde: “isso é um festival!”.

Inclusive, a gente aprendeu que fazer um festival não é simplesmente botar o nome de festival e fazer algo um pouco maior do que a festa que você sempre faz. Implica em muitas outras coisas.

O que vocês mais aprenderam trabalhando com os holandeses?

Ah, os caras são muito profissionais. Eles fazem parte de um mercado de festivais que talvez seja um dos maiores do mundo. Lá tem faculdade pra quem quer fazer produção em festival, eles têm o ADE que movimenta a cidade toda, têm 350 festivais acontecendo em um mês só em Amsterdã, uma cidade que é um ovo. Eles estão num outro nível em termos de conhecimento técnico, criativo, de marketing e tudo mais.

E a história do Dekmantel é muito, muito semelhante à história da Gop Tun. Foram dois amigos de infância que sempre tiveram paixão pela música, sempre gostaram de tocar e de ir na contramão do que todo mundo ouve. E eles começaram fazendo uma festa que virou um festival. Rolou uma aproximação muito forte, eles viraram nossos amigões.

Azymuth no Dekmantel São Paulo 2017. Foto: Divulgação

Achei muito interessante que no line-up deste ano tem representantes de Detroit, tem o Surgeon, que é britânico, tem a galera de Berlim… Isso foi proposital?

Cara, eu acho que no final das contas a curadoria do Gop Tun Festival é uma xerox aumentada da festa. A Gop Tun sempre foi esse evento que gostou de propor música do mundo inteiro. No primeiro festival, tivemos DJs de 12 países diferentes. Acaba acontecendo pelo nosso DNA mesmo, de querer explorar, trazer gente, de acompanhar não só artistas, mas cenas.

E São Paulo? A cidade já tem uma cara, musicalmente falando, ou um som que dá para reconhecer como sendo daqui?

Acredito que sim. Hoje existe uma sonoridade que de certa forma vende São Paulo muito bem pra fora do Brasil. É algo mais recente e sinto que ainda é só o começo. Nomes como o Badsista, RHR e tantos outros produtores e DJs criaram sonoridades extremamente autorais e originais que descrevem muito bem o que é a cidade.

Temos incríveis representantes da cena paulistana levando essa musicalidade pra fora e circulando nos principais festivais de música eletrônica do mundo. E é muito legal ver a nossa cena tão bem representava e reconhecida fora do país.

Acho que o pós-pandemia de fato marcou. Eu estava no ano passado no Dekmantel, em Amsterdã, e eu falei com dois, três artistas, em momentos diferentes, que me disseram a mesma coisa sobre o som de São Paulo. É muito legal ouvir isso.

Gop Tun

Os quatro DJs e sócios da Gop Tun. Foto: Divulgação

Vocês estão recebendo reconhecimento do poder público?

A gente sempre se preocupou em estar próximo do poder público, porque a gente precisa dele, nem que seja por uma formalização de alvará. Estamos há 12 anos fazendo a Gop Tun. Já enfrentamos três gestões da cidade, uns cinco secretários. Gestões diferentes, com valores e posições diferentes.

Depois do primeiro Dekmantel, fomos recebidos pelo vice-prefeito de São Paulo, na época o Bruno Covas. Ele nos chamou para bater um papo, porque se interessou pelo que a gente havia feito. Apresentamos um dossiê.

O Bruno era esse cara que tinha como prioridade colocar São Paulo no mapa internacional de eventos. Foi a partir desse momento que a gente começou a ser notado, e aí começou a ser convidado para participar de Virada Cultural, de fazer parte do calendário da cidade nesse sentido.

É claro que ainda falta muito para que o mercado de eventos seja reconhecido proporcionalmente à sua colaboração econômica. Entre os maiores percalços que enfrentamos, estão as trocas de gestão e as mudanças que elas trazem. Às vezes para o bem, às vezes atrapalham. Foram poucos os secretários de Cultura que tiveram cuidado e preocupação na valorização da cena eletrônica independente da cidade.

Talvez falte o engajamento da cena para cobrar o poder público. Dificilmente você vai ter algo vindo de mão beijada. Foram diversas as iniciativas que aconteceram de reuniões entre integrantes das festas e tudo mais. Sempre tinha muita discussão, muita gritaria, e a gente nunca conseguiu evoluir para ações coesas, como vemos em Berlim e outras cidades superculturais do mundo.

No final de 24 Hour Party People tem aquela cena fantástica, de manhã, que os caras terminaram a festa, tão fumando lá em cima, e sobe outro ali pra agradecer pela noite maravilhosa que ele teve…

Essa é a vida de qualquer produtor de eventos. Por que você continua fazendo algo em que você se fode tanto? É única e simplesmente por conta da paixão. Foram inúmeras as festas icônicas em que a gente recebeu mensagens do público. Teve uma mensagem recente que eu quase chorei. “É isso, é por isso que a gente faz o que a gente faz!”

Eu acho que pra mim esse estalo deu no primeiro Dekmantel. Nunca tinha feito algo daquele tamanho, e eu vi aquela massa de gente, todo mundo absurdamente feliz, eliminando os demônios que a vida traz. Proporcionar essa catarse coletiva talvez tenha sido o que me motivou.

E adicional a isso foi o fato de minha mãe ter ido nesse festival. Foi muito legal vê-la ali, interagindo com o artista, com o público. Ela é tão animada e dança tanto, que no final das contas o público começou a reconhecer a mãe do Caio ali.

A gente já passou por muitos momentos muito incríveis, já passamos por momentos horríveis. E mesmo quando eu passei por momentos horripilantes e traumáticos, eu sabia que eu não ia parar.

Serviço

Gop Tun Festival 2024

Data: 20 de abril de 2024 (sábado)
Horário: das 15h às 08h
Local: Live Stage Canindé – Rua Comendador Nestor Pereira, 33, São Paulo/SP
Ingressos: via Ingresse
Mais informações no site oficial

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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