Rádio Foto: Eric Nopanen [via Unsplash]

Como o rádio segue firme, forte e adaptado ao mundo dos algoritmos

Jota Wagner
Por Jota Wagner

No Dia Mundial do Rádio, perguntamos à radialista Patricia Palumbo: estamos voltando à era do radinho de pilha?

“O rádio ainda é, no Brasil, o maior veículo de formação e informação. O país é muito maior do que aquilo que a gente vive.” Assim começa a conversa com Patricia Palumbo, uma das maiores radialistas do Brasil, do alto de seus 40 anos de carreira em rádios como Rádio Cultura Brasil (onde comanda até hoje o programa Vozes do Brasil) e Nova FM.

Com a chegada da banda larga no país, no final dos anos 90, não faltaram previsões sinistras sobre o tempo de vida que ainda tinham as estações de rádio. Afinal, tudo passava a ser on demand. As pessoas tinham a liberdade para ouvir o que queriam, e quando queriam, diferente de um formato de programações em horários fixos. O lindo paraíso da informação permitiria liberdade total ao indivíduo, pronto para buscar seu conhecimento sem limites ou fronteiras.

Hoje, 25 anos depois, segue o rádio vivo, forte e centenário no Brasil. E no mundo da internet, apareceram parentes não convidados para a festa. Alguns, aliás, que nem sabíamos que existiam.

O desenvolvimento da rede inundou o usuário com tanta informação, tanto dado, tanta música e tanto site, que o cérebro humano resolveu construir um dique para represar o possível. A bagunça gerada pela democracia da informação fez todo mundo preferir a simplicidade das redes sociais a mergulhos diários na grande biblioteca universal.

E além dos Orkuts e Facebooks e TikToks, vieram também os canais com qualidade de informação pra lá de duvidosa e os algoritmos. Se a internet no Brasil ainda é uma bolha, o algoritmo ainda consegue dividir as pessoas em milhares de “bolhinhas”. E nelas, achamos que conhecemos o todo.

“O rádio segue sendo um dos veículos mais populares no mundo. E no Brasil não é diferente. Dentre as pessoas que o escutam, a média de uso é de cinco horas por dia. Como o país é continental, ele está muito presente na casa das pessoas.”

Mais do que isso, a mídia ditou formatos que, além de se eternizarem nas emissoras, estão sendo, cada vez mais, replicados pelos serviços de internet. Podcasts de notícias são ouvidos pela manhã. Os de notícias, esportes ou humor, durante a faxina de casa ou lavando a louça. Exatamente como as nossas vovós faziam.

“Os podcasts são programas de rádio. As pessoas ficam com o celular ali perto, ouvindo. É o novo radinho de pilha. Vejo isso em todo lugar” — segue Palumbo.

Patricia Palumbo

Patricia Palumbo. Foto: Divulgação

E não são apenas os podcasts que foram emulados das rádios. Playlists nada mais são do que uma réplica da programação musical das estações, sequenciais e com a escolha das músicas feitas pelos DJs (nas rádios) e curadores (nas plataformas).

Até as radionovelas, principal fonte de entretenimento na era pré-televisiva, estão pipocando nas plataformas, com produções que recebem investimentos capazes de trazer grandes estrelas do cinema para interpretar personagens no estúdio — caso de Selton Mello, que protagoniza a série França e o Labirinto, uma das muitas disponíveis no Spotify.

Mas o que tanto cativa as pessoas, de diferentes gerações, nesses formatos?

“Você coloca uma voz na sua cozinha, no seu jardim, no seu carro, e essa voz te faz companhia. A gente, que fala no rádio, muitas vezes encontra pessoas na rua, e elas sentem que têm uma intimidade imensa e longeva conosco, porque ouviram nossa voz por muito tempo. Isso vale também para o digital.”

O formato dos programas de rádio, agora transferidos para o digital, também oferecem o desconhecido que as pessoas precisam para descobrir coisas novas. Isso é a grande sacada, no campo musical. Como disse Gilberto Gil, as pessoas sabem o que querem, mas também querem o que não sabem.

João Gilberto ouviu Orlando Silva no rádio. Caetano Veloso ouviu Orlando Silva e João Gilberto na rádio. Quando perguntamos, por exemplo, para Maria Bethânia sobre isso, ela conta que o que ela ouviu no rádio formou seu gosto musical. Luiz Melodia conheceu jazz e blues pelo rádio”, continua Palumbo.

Isso não significa que as estações vivem dançando em um campo florido. A questão mercadológica deu uma tremenda bagunçada no setor, tirando espaço das que trabalhavam com programações mais criativas. Isso leva mais e mais gente para o mundo digital, nem que seja para ouvir programas e playlists copiados do formato radiofônico.

“Hoje, a gente tem uma questão seríssima que é a falta de originalidade das programações. Quando você zapeia o dial em São Paulo, é só notícia, religião ou a música que está pagando o jabá mais alto, e isso emburrece uma sociedade.”

Até mesmo antigos vícios foram cooptados pelas plataformas. Muitas playlists campeãs em ouvintes têm uma tabela de preços para artistas que querem furar a fila da curadoria e entrar direto na fila de reprodução. Uma reprodução do jabá, o preço pago paras as rádios para tocar a música que a gravadora está lançando.

A busca dos músicos por números de audiência nas plataformas — um lugar onde, a um clique, o usuário pode ouvir de Beatles a uma nova banda tailandesa — compromete até mesmo a criação artística e a condução de sua carreira. A distorção é clara. Ninguém, seja em festivais, casas de shows ou gravadoras, presta atenção no que está fora das plataformas, por mais limitadas que sejam para chegar aos ouvidos de todos.

“Medir o sucesso das coisas pelos meios digitais é um perigo. As plataformas mudam mais rápido do que o ser humano. A gente é refém desses algoritmos, das coisas que a inteligência artificial impõe, e a gente sai correndo para cumprir essas demandas. Então o sistema muda, as plataformas mudam. Eu vejo com certa preocupação essa necessidade e essa tremenda dependência que temos do mundo digital.”

Patricia testemunha nas ruas, e no meio musical, o poder que as rádios têm junto ao público “real”, físico.

“Eu tenho alguns depoimentos de pessoas que se educaram musicalmente com o Vozes do Brasil. A [cantora] Mariana Aydar ouvia o programa com o ‘tio da combi’, quando era muito menina [o Vozes do Brasil tem 25 anos]. O [rapper] Rael, quando o convidei para o radioshow que fizemos para celebrar 20 anos, me contou emocionado que foi trabalhando de motoboy que ele começou a ouvir o Vozes e despertar para a música brasileira — e que a música dele começou a nascer a partir do que ouvia no meu programa.”

A verdade é que o rádio, como uma entidade autônoma maior do que as estações e radialistas, uma espécie de Deus das ondas sonoras, está buscando sua sobrevivência deslizando para dentro das plataformas, conectando-se a outras gerações, mas com a mesma proposta. A de ser “uma boa companhia”.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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