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Primavera Sound 2023 encerra com show épico do The Cure e aula sobre uso do espaço em Interlagos

Robert Smith durante show do Cure no Primavera Sound SP 2023. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Marina Sena, Beck, Bad Religion, KL Jay, Mc Carol, TOKiMONSTA e The Blessed Madonna também brilharam no segundo dia

Texto por Claudia Assef e Flávio Lerner

Fotos por Tati Silvestroni e Observadordaimagem

Com uma apresentação que mais parecia uma missa, com o público atento a cada movimento de seu pastor, o mítico grupo britânico The Cure encerrou as atividades da segunda edição do Primavera Sound São Paulo 2023. Foram mais de duas horas e meia de show, tempo que ficou até curto diante do vastíssimo material da banda.

Não faltaram hits, como Friday I’m In Love, Close to Me, In Between Days, The Walk, Why Can’t I Be You, High e BoysDon’t Cry — boa parte delas, deixada para o bis final —, mas também faixas prediletas de curemaníacos iniciados, como Play For Today, Charlotte Sometimes, Push, A Forest e Pictures of You.

The Cure no Palco Corona. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

A escolha do grupo inglês para encerrar o fim de semana de Primavera Sound não poderia ter sido mais acertada. A banda é uma das mais longevas e populares da história do rock, foi incluída em 2019 no Rock’n’Roll Hall of Fame, vendeu milhões e milhões de álbuns e acumulou muito dinheiro, mas passa longe dos clichês de grandes bandas de rock. Longe!

Robert Smith é um band leader com a doçura de um ursinho de pelúcia; casado há décadas com a mesma namoradinha da escola, escreve sobre amor, sonhos, mas também, pesadelos e angústias. Um cara normal, exceto pelo corte de cabelo à la Einstein e a maquiagem que o faz parecer um aluno da Escola de Bauhaus dos anos 1920.

A vibe do show amplificou o que vimos ao longo do final de semana em Interlagos: público mais maduro, curadoria valorizando o passado, mas de olho no futuro, e boa circulação entre os palcos, o que resultou num clima de segurança e cordialidade. O Cure entregou um show para seu público fiel, que conhecia todas as letras e que aprendeu a cantar In Between Days assistindo ao videoclipe em preto-e-branco no finado programa Clip Trip, da TV Gazeta, no final dos anos 1980, muito antes de a MTV sonhar em nascer. Mas o show também foi para as muitas adolescentes que brotaram na grade para cantar junto as músicas aprendidas no TikTok e gritar “lindo!” a cada sorriso tímido do vocalista.

Usando uma camiseta que trazia uma boca estampada com a bandeira do Brasil, Robert conduziu o show como o maestro gótico e carismático que vem sendo ao longo de mais de quatro décadas. Ao seu lado, fazendo duelos de riffs em vários momentos, o baixista Simon Gallup, quase um integrante original da banda, recrutado por Smith no começo dos anos 80 e responsável por trazer a atmosfera grave de clássicos como A Forest. Outro gigante na atual composição da banda é o baterista Jason Cooper, um monstro, preciso e cool.

Para quem não estava no front, a experiência foi consideravelmente prejudicada com as interferências vindas do palco ao lado, o São Paulo, que naquele momento recebia The Blessed Madonna. O gravão da DJ podia ser ouvido basicamente de qualquer outro ponto do Palco Corona nos momentos mais silenciosos, o que também aconteceu em outras apresentações de domingo. Esse foi o principal ponto fraco do festival, algo a ser repensado para a edição de 2024.

Punks e losers

Beck no Palco Corona. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

O Cure encontrou a cama feita, com tantos shows bons que abriram os trabalhos do domingo. Nossa maratona começou com a mineira Marina Sena, arrancando o fôlego de geral na plateia, com seu show baseado no álbum mais recente, Vício Inerente, mas sem esquecer dos canhões que a lançaram para o mainstream, como Por Supuesto, Me Toca e Pelejei. Som perfeito para o clima quente e seco do início de tarde de domingo. “Eu estaria aqui hoje nem que não tivesse sido chamada pra tocar. O som do Primavera é o meu tipo de som, é da gente aqui”, elogiou a cantora.

Marina Sena era só sorrisos no palco do Primavera Sound SP. Observadordaimagem/Music Non Stop

Os fãs do Bad Religion lotaram o Palco Barcelona para cantar junto clássicos como The Defense, La Is Burning e Wrong Way Kids. E não faltaram hits que furaram a bolha do punk e se tornaram habitués das rádios de pop rock: 21st Century (Digital Boy) foi cantada em coro por milhares de fãs, e o encerramento monumental ficou por conta da cantarolante American Jesus.

Antes, no final da tarde, o cantor Beck subiu ao palco, marcando o retorno ao Brasil após dez anos sem vir pra cá — e fazendo a revelação de que estar aqui era muito especial porque o primeiro show que assistiu na vida foi o de Tom Jobim.

Beck no Palco Corona. Foto: Tati Silvestroni/Music Non Stop

Para os fãs, entregou um grande espetáculo, recheado de sucessos como Devil’s Haircut, Nicotine & Gravy e Loser, seu maior hit. Ainda assim, pelo fato de ser um músico mais low-profile e de estar, talvez, em um palco que fosse maior do que sua fama no país, alguns momentos soaram mornos.

Artista que bebe das mais diversas fontes, do blues e country ao rap, passando por disco e funk, o americano fez a escolha certa em seu repertório, privilegiando as mais dançantes. Mas é claro que não faltaram clássicos acústicos, como a belíssima Everybody’s Gotta Learn Sometimes, que, assim como aconteceria depois com The Cure, foi parcialmente arruinada pela invasão das batidas do palco ao lado — neste caso, pelo som de Róisín Murphy, que se apresentava no Palco São Paulo. Não dá pra cobrar tão caro em ingresso e entregar esse tipo de problema.

Eletrônica cool

Róisín Murphy no Palco São Paulo. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Falando nela, a irlandesa mostrou ao público por que é uma antidiva clubber. Suas músicas são basicamente grandes faixas de house music produzidas com elementos orgânicos: guitarra, baixo, percussão, synths. Suas letras e refrões a aproximam do pop mainstream, mas esse escaninho seria muito doloroso para ela, que parece ter tomado a decisão consciente de não se entregar ao caminho do pop açucarado de três minutos, mesmo depois de ter flertado com o estouro mundial com sua banda Moloko.

Róisín Murphy é praticamente uma instalação de moda, com seus looks superfashionistas e plataforma altíssima. Mas ela não cai na armadilha da personagem poser, e prefere ser a clubber um tanto desengonçada, o que combina totalmente com suas letras, sonoridade e complexidade de suas produções. Sua house é um pouco “torta”, no bom sentido, e sua atitude no palco, também.

Róisín Murphy no Palco São Paulo. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

O público fiel, formando em grande parte por meninos LGBT, estava lá, cantando as letras de Simulation, Overpowered, CooCool, Something More, Let Me Know e, claro, Sing It Back, do Moloko, numa versão totalmente desconstruída. Para o bis, geral veio abaixo com Ramalama (Bang Bang), faixa que recentemente viralizou no TikTok.

Pouco depois dela, entrou no palco a DJ Jennifer Lee, mais conhecida como TOKiMONSTA, americana descendente de sul-coreanos que carrega uma história incrível. Em 2015, a artista foi diagnosticada com uma doença rara, chamada Síndrome de Moyamoya, que, ao obstruir a devida circulação de sangue no seu cérebro, afetou sua capacidade de entendimento de fala e de música.

TOKiMONSTA no Palco São Paulo. Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

Lee enfrentou a doença por alguns anos, passando por delicadas cirurgias cerebrais, e com prognósticos não muito otimistas. Ainda assim, ela conseguiu reaprender tudo o que havia desaprendido, chegando ao ponto de lançar um álbum nomeado ao Grammy, em 2017 — Lune Rouge —, feito enquanto ela passava por todo esse processo. Assim, repleto de vertentes da house com foco no grave e em elementos percussivos orgânicos, seu set pode ser encarado como uma grande celebração da vida.

Pela vitrine de alta qualidade do Primavera Sound SP 2023, ainda passaram grandes artistas no domingo. Ainda que estivesse no mesmo horário do The Cure, a norte-americana The Blessed Madonna arrastou multidões para dançar seu set de house music pontuado por medalhões da disco music. Nos últimos anos, ela se consolidou como uma das DJs que o Brasil mais ama, resultando em participações dela em muitos festivais por aqui.

A arena montada para o TNT Club também ficou pequena para a movimentação, e em vários momentos havia uma enorme fila para entrar. Não à toa, pois no domingo passaram por ali nomões como DJ Mau Mau, KL Jay, MU540 + Urias e a incrível MC Carol. O domingo ainda teve shows de Carly Rae Jepsen, Just Mustard, Filipe Catto, Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo, Soccer Mommy e Nelson D feat Edgard.

O Primavera Sound São Paulo 2023 anunciou as datas da edição de 2024, que acontecerá nos dias 30 de novembro e 1 de dezembro. Já bateu aquela ansiedade.

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