O piloto de kart que arrasa nas pistas… como DJ. Conheça os talentos secretos de Ney Faustini

Claudia Assef
Por Claudia Assef

O paulistano Ney Faustini tem uma incrível habilidade de dançar conforme a música, no melhor dos sentidos. Das suas raízes tocando drum’n’bass na Vibe, festa do DJ Marky no saudoso Lov.e Club, no início dos anos 2000, até os palcos de festivais de techno e vertentes, como o Dekmantel e o DGTL, duas marcas holandesas que se renderam à efervescência da noite de São Paulo este ano, Ney Faustini tem comprovado que seu talento não cabe em rótulos.

Ney construiu as bases de sua discotecagem em clubes históricos: além do Lov.e, ele se apresentou na Overnight, casa noturna que fez história na Mooca entre 1988 e 2004. Outro clube onde ele vem construindo sua reputação é o D-Edge, onde ele também se estabeleceu como produtor, lançando pelo selo D-Edge Records. Talvez por sua inclinação a ser um DJ que não carrega bandeiras de gêneros, Ney acabou sendo escolhido para compor o line-up da primeira edição brasileira do Boiler Room, além de ter recebido prêmios como o de DJ revelação em 2013 pelo Rio Music Conference.

Se suas tracks, lançadas por selos que vão da Suíça até o Japão já circulam em sets de DJs como Rainer Trüby e Ben Sims, talvez nem todo mundo saiba de outra habilidade do DJ: filho de piloto de Stock Car, há 8 anos Ney participa de um campeonato não profissional de kart, o Mondial, e chega a bloquear sua agenda para poder participar de corridas com o paizão. Não dá pra negar que a paixão pelas pistas é ampla!

Como agenda cheia de gigs, culminando com uma data no próximo Rock In Rio, Ney é nosso entrevistado da semana na coluna #MillerMusic. Antes de ler a divertida entrevista, aperta o play no set que foi gravado em sua participação no festival DGTL SP, dia 6 de maio deste ano.

OUÇA O SET DE NEY FAUSTINY NO DGTL SP

Music Non Stop – Qual foi o primeiro disco q vc comprou e por quê?

Ney Faustini – Em 91, rolou o Rock In Rio II, e eu, com meus 10 anos de idade, estava numa fase de descobertas musicais, influenciado basicamente pelo que eu ouvia nas rádios, na MTV e em casa. Naquele ano, só se falava em RIR e, já conhecendo um pouco do que ia rolar, fui atrás da coletânea internacional em fita K7, que era a mídia que eu mais consumia nessa época. Estava esgotada, então comprei o disco, que ripei na mesma noite pra fita… A coletânea internacional tinha A-ha, George Michael, Information Society, Lisa Stansfield, Run DMC e a minha favorita na época, Groove Is In The Heart, do Deee Lite.

Ney guarda como relíquia o primeiro vinil que comprou, aos 10 anos de idade: uma coletânea do Rock In Rio II

Music Non Stop – Você tem alguma formação musical, tem músicos ou DJs na família?

Ney Faustini – Minha mãe é artista plástica, mas nunca tive uma influência musical direta na família. Também não tenho formação musical e fui tentando entender teoria na marra, pesquisando e treinando o ouvido, o que obviamente não é a mesma coisa. Mas pelo menos consegui desenvolver uma sensibilidade pra me ajudar a produzir, indo muito na intuição, tentativa e erro. Discotecagem aprendi observando e treinando com as Technics que comprei na época. Ainda quero aprender a tocar piano.

Music Non Stop – Você tem outra paixão que eu sei que é… kart. Isso veio por influência do seu pai antes mesmo de você se tornar DJ, certo? Como faz pra conciliar um esporte que exige tanta atenção com falta de sonos e outras questões que vêm com o trabalho na noite?

Ney Faustini – O automobilismo tá no sangue, meu pai é piloto há quase 50 anos, correu na Stock Car nos anos 80 e 90, e eu vivia naquele ambiente desde cedo. Fiz campeonatos paulistas e brasileiros de kart entre 95 e 97 (comecei a discotecar em 99/2000), mas não consegui bons resultados na época rs… Nos últimos 8 anos venho correndo em um campeonato não profissional de kart, o Mondial, e eventualmente faço corridas de carros turismo e protótipos em dupla com meu pai. As corridas de kart são mensais e noturnas, durante a semana. As de carro, que pegam um final de semana inteiro entre treinos e corrida, são bastante eventuais, mas quando rola, deixo a agenda bloqueada pra isso. Tem os 500Km de São Paulo, que é uma prova anual bastante tradicional no automobilismo brasileiro, e que venci duas vezes correndo com o meu pai, em nossa categoria. Enfim, é um hobby que dá pra conciliar.

Subindo ao pódio com o pai pelos 500km de SP em 2015; um hobby que dá pra conciliar com a carreira de DJ

Music Non Stop – Você começou tocando na Vibe, no Lov.e, drum’n’bass. E hoje tem tocado nos festivais e festas mais legais do país. Dá um raio-x deste momento da sua carreira, por favor.

Ney Faustini – Eu tenho muito orgulho das minhas raízes, e acho que o principal motivo pra começar a tocar e pesquisar outras coisas foi a obsessão em descobrir novos sons e ampliar horizontes. O que eu toco hoje, que varia principalmente entre a house e o techno, tem uma influência direta de Chicago, Detroit e do que eu tocava lá atrás, mas também sempre fui bastante influenciado por MPB. Nesses 17 anos fui formando a minha identidade e amadurecendo como DJ, o que reflete o meu momento atual, mas é um aprendizado constante. Meus sets no Dekmantel, DGTL e D-Edge 17 anos, por exemplo, foram muito distintos, cada um em um contexto completamente diferente. No Rock In Rio, em setembro, vai ser outra história também. Gosto desses desafios, e tento sempre fugir de qualquer previsibilidade.

Se apresentando na festa Vibe, do DJ Marky, em 2003

Music Non Stop – Você acha que todo DJ tem que se jogar na produção musical também? Como foi essa virada de chave pra você?

Ney Faustini – Olha, se for pra “produzir, por produzir”, eu não aconselho. Virou quase uma exigência de mercado, e isso é ruim, já que muita gente acaba se jogando por essa razão, e não pelo prazer em fazer música e se expressar. Eu comecei a fuçar nos programas há uns 10 anos, principalmente sampleando algumas coisas de jazz e funk, mas eu tinha essa limitação de não ter formação musical, então todo meu processo foi, e é, demorado. Na época, o Andre Salata, produtor e amigo desde a época do drum’n’bass, me ensinou o básico pra que eu pudesse de fato produzir alguma coisa que eu pudesse chamar de música rs… E, pra ser bem sincero, ainda tenho muita coisa pra aprender nessa área e tenho diversas limitações, mesmo já tendo lançado bastante coisa… Fases criativas em estúdio pra mim vêm e vão, não me pressiono. O importante é me divertir no estúdio, assim como me divirto discotecando.

Music Non Stop – Quais as noites que você frequentou à paisana, quando ainda não era DJ, que foram fundamentais pra sua formação?

Ney Faustini – Na minha adolescência não frequentei matinês praticamente e ouvia dance de FM rs… Os primeiros clubes que frequentei, ainda com 15 ou 16, foram Cabral (o primeiro, no Itaim), a velha Pacha de Campinas e a Anzu em Itú. Lá pelos meus 17 anos conheci o B.A.S.E., Florestta e o Lov.e, que se tornou meu clube favorito e me influenciou muito quando comecei a tocar, meio que na seqüência. Peguei algumas poucas raves também.

O Lov.e foi um dos clubes mais importantes na trajetória de Ney Faustini

Music Non Stop – Se um ET perguntasse pra você qual um exemplo de música boa dos terráqueos, qual você mostraria?

Ney Faustini – Teria inúmeras possibilidades, mas eu iria de África e Fela Kuti. Shakara deve ser a minha favorita dele.

SHAKARA – FELA KUTI

Music Non Stop – Você começou a tocar no início dos anos 2000, de lá pra cá meio que todo mundo virou DJ. Mas o que faz daquela pessoa que está na cabine um profissional? Como você ensinaria um olheiro a entender o que torna um DJ espetacular?

Ney Faustini – Acho que o modismo veio numa fase em que o acesso à música ficou bem maior e muita gente quis virar DJ por motivos, digamos, escusos… Eu diria que a pior fase dos “DJs celebridade” já passou, e eles só alimentam uma fatia de mercado que não tá interessada em música. Respirar música é a essência de todo DJ, e quem não tem essa vontade de conhecer, de pesquisar, simplesmente não evolui. Já na cabine o trabalho é justamente o de contar a melhor história possível com esse repertório que você vai construindo. É aí que entra o feeling, a construção de set, as transições… Em resumo, pra mim o DJ espetacular faz a pista dançar com base nestes três fatores: repertório, construção e mixagens.

Concentrado tocando na edição paulistana do Dekmantel, que rolou em fevereiro deste ano em SP

Music Non Stop – Pensa nessa situação: você está tocando num festival, maior vibe, são 7h da manhã e o gerador pifa. Galera surta, longo silêncio e finalmente a energia volta. Que música você bota?

Ney Faustini – Aquela situação hipotética que é sempre bom considerar, já que pode realmente acontecer rs… Eu imaginaria diversas opções, mas pensando rápido, acho que Unfinished Sympathy, do Massive Attack, seria capaz de reverter o surto de qualquer um nessa situação.

UNFINISHED SYMPATHY – MASSIVE ATTACK

Music Non Stop – Cite aqui uma lista dos/das DJs que mais gosta of all times.

Ney Faustini – Faria uma lista grande aqui e com certeza vou esquecer de alguém, então melhor me limitar a 10 nomes pra não virar bagunça rs. Sem ordem, sem pensar muito, e só DJs que já presenciei ao vivo: Laurent Garnier, Derrick May, François K, Move D, Theo Parrish, Tama Sumo, Ale Reis, Randall, Marky e Joy Orbison.

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Claudia Assef

https://www.musicnonstop.com.br

Autora do único livro escrito no Brasil sobre a história do DJ e da cena eletrônica nacional, a jornalista e DJ Claudia Assef tomou contato com a música de pista ainda criança, por influência dos pais, um casal festeiro que não perdia noitadas nas discotecas que fervilhavam na São Paulo dos anos 70.

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