O.J. Simpson - reality shows O.J. Simpson no tribunal, em 1994. Foto: Reprodução/ESPN

O crime que ajudou a criar reality shows como o “Big Brother Brasil”

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Um jogador de futebol americano aposentado. Duas pessoas assassinadas. Uma perseguição transmitida ao vivo para 95 milhões de expectadores. Assim nasciam os reality shows

Com o começo de mais uma edição do Big Brother Brasil (ou BBB, para os íntimos), programa fenômeno de audiência da TV brasileira há 24 anos, nos perguntamos: por que o formato faz tanto sucesso, no Brasil e em todo o mundo? E como isso começou? Por incrível que pareça, a resposta está relacionada a um dos crimes mais impactantes que ocorreram nos Estados Unidos, em 1994.

Os elementos que fazem dos reality shows uma febre são o custo relativamente baixo de produção, comparado a uma novela, série ou filme, aliado a um dos mais primitivos desejos do ser humano: a curiosidade mórbida. Sejamos francos: ninguém assiste a horas de transmissão de um grupo de pessoas numa casa para testemunhar declarações de amor ou a formação de laços de amizade. O povo quer ver é treta, fofoca, barraco. E, em alguns casos, até mesmo crimes, como agressões e assédio. A vontade louca de “dar uma espiadinha” tomou conta da televisão mundial.

Tem reality show de tudo quanto é jeito: pessoas lutando pela sobrevivência em ambientes naturais hostis (no caso mais surreal, Largados e Pelados, do Discovery Channel), gente lutando por uma vaga de emprego, jovens enchendo a lata e festando em um iate e, até mesmo, uma praia onde você é obrigado a conviver com a ex-sogra — fala sério!

A semente que fecundou esta febre mundial, por mais surreal que possa parecer, surgiu de um crime hediondo, e real, perpetrado por uma celebridade dos Estados Unidos. O jogador de futebol americano O.J. Simpson.

Vários programas de TV, desde a década de 50, disputam o prêmio de “primeiro reality show” da história. De fato, o formato foi testado, vez por outra, em diversos países, na relativamente recente história do “teatro na telinha”. Mas sempre com pouco interesse do público. Virou febre mesmo, batendo recordes de audiência e enriquecendo as emissoras, a partir do caso O.J.

Foi ali, em 1994, que os executivos e diretores se deram conta do sentimento despertado no ser humano quando lhe é dito que está testemunhando algo que ele acredita ser real.

O.J. Simpson - reality shows

O.J. Simpson no tribunal, em 1994. Foto: Reprodução/ESPN

Para meter no contexto, o veredito final do julgamento de O.J. Simpson, transmitido ao vivo em 2001, foi assistindo por quase cem milhões de pessoas. Foi o terceiro maior evento televisivo da história, perdendo apenas para o ataque às torres gêmeas e a transmissão ao vivo do furacão Katrina, também nos Estados Unidos. O julgamento de Simpson bateu, de longe, a audiência do Superbowl, menina dos olhos da mídia estadunidense.

O show de horrores da “realidade”, no entanto, começou sete anos antes. Após o assassinato de sua ex-esposa Nicole Brown Simpson e do amigo Ronald Goldman, O.J. foi percebido pela polícia e o evento foi transmitido ao vivo dos helicópteros das TVs nacionais. O crime tinha a pimenta necessária para hipnotizar toda uma sociedade. Tratava-se de um ídolo do esporte, ganhador de troféus e queridinho de todos.

Algo tomou forma na alma dos seres humanos: o desejo assumido de ver alguém se estrepar bonito. E se fosse merecido, então, estava feito um gol de placa no mundo do entretenimento.

Os episódios finais do julgamento de Simpson coincidiram com as estreias de três reality shows na TV americana: Survival, Idols (vendido no Brasil como Ídolos) e nosso velho conhecido, o Big Brother. Excitados pelo que estavam testemunhando nos tribunais dos Estados Unidos, as pessoas caíram de boca nas novas opções televisas. Gente “real”, vivendo coisas “reais”!

Depois da revolução televisiva, muita água turva já passou por esta pinguela. Diversos casos de expulsões de participantes, acusações de favorecimentos por parte da produção dos programas e, até mesmo, casos de roteirização: as situações não eram tão reais como se pensava.

Por outro lado, o formato não dá nenhuma pinta de causar cansaço. Inúmeras variações dos reality shows pipocam nas TVs ano e ano, desde o tradicional “gente perturbada confinada em uma casa” até versões em que homens trocam de esposas por uma semana, para sentir o drama de viver com uma família diferente.

Todos ali, disponíveis, como um banquete aos nossos desejos mais obscuros. No circo do entretenimento real, todos têm de pegar fogo, para bombar na audiência.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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