Músicas São Paulo Foto: Alessandro Di Credico [via Unsplash]

As cinco músicas que explicam a cidade de São Paulo

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Seja qual for o sentimento que a Selva de Pedra desperta nas pessoas, ele é sempre intenso. E, no caso dos compositores, virou músicas incríveis

A dura poesia concreta de tuas esquinas. A deselegância discreta de tuas meninas… Caetano Veloso, como poucos, soube sintetizar em uma letra de música a bagunça que São Paulo provoca em nosso coração. A gigante cidade é um amor furtivo, que machuca e encanta, provoca insônia e embala, quando não se pode mais ficar acordado.

Foram vários os artistas que falaram sobre sua relação com a cidade através da música. Complexa e provocativa que é, rendeu grandes obras, músicas que atravessaram o tempo. Prestes a completar 470 anos (o aniversário é amanhã, 25), São Paulo nos pergunta: “o que é que estão falando de mim, hein?”.

Pois é, cara cidade, muita coisa. Mas fique tranquila. Os poetas sabem reconhecer sua beleza, por mais que você tente escondê-la de todos!

Sampa – Caetano Veloso

A música mais famosa sobre São Paulo foi escrita sob encomenda para um programa de TV. A ideia era celebrar, vejam só, o aniversário de 424 anos da cidade. Caetano se inspirou em Ronda, samba-canção de Paulo Vanzolini, para compor Sampa, que recebeu uma das mais profundas interpretações sobre a pauliceia desvairada.

Sampa também foi fortemente inspirada pelo diretor de teatro Zé Celso Martinez e o músico Jorge Mautner, duas pessoas com quem Veloso dava altos rolês na cidade. A letra cita também Panamérica, nome do livro de José de Agrippino que foi uma baita influência para os tropicalistas. O baiano tinha 36 anos quando fez a música, e vivia em um apartamento na Av. São Luiz, em frente à Galeria Metrópole.

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos e espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

São, São Paulo – Tom Zé

O parceiro de Tropicália de Caetano Veloso, Tom Zé, também nascido na Bahia, escreveu São, São Paulo dez anos antes do colega, em 1968, para apresentar no Festival da Canção da TV Record.

Letrista de igual profundidade, Tom Zé mergulhou no caos da cidade. Poluição, aglomeração, amor e ódio, e o mar de carros “custeados à prestação”. Aproveitou a reverberação que teria no festival mais importante da época para também espetar a repressão política.

Um palavrão reprimido
Um pregador que condena
Uma bomba por quinzena
Porém com todo defeito
Te carrego no meu peito

Lá Vou Eu – Rita Lee & Tutti Frutti

Além de ter sido eternizada na letra de Sampa, do Caetano, que a citou como “a mais completa tradução” de São Paulo, Rita Lee cantou a cidade, de forma mais ou menos explícita, em diversas faixas de sua carreira solo.

Em Rita Lee: Uma Autobiografia, a cantora cita Lá Vou Eu como uma “carta de amor a São Paulo”. Lançada em 1976, no album Rita Lee & Tutti Frutti, a música observa a cidade pela janela do apartamento.

E na medida do impossível
Tá dando pra se viver
Na cidade de São Paulo
O amor é imprevisível como você
E eu e o céu

São Paul0 – 365

Poucos gêneros musicais são mais próprios da cidade do que o pós-punk (muitas vezes citado pela imprensa musical como “pós-punk paulistano”). Boa parte da inspiração para canções de grupos como Ira!, Fellini, Voluntários da Pátria e tantos outros é assumidamente São Paulo.

A banda 365, um dos expoentes dessa cena, tem a música São Paulo como seu grande sucesso nas rádios, lançada em 1986 em compacto, junto com Canção Para Marchar.

Simples e singela, como não poderia deixar de ser, tratando-se de 365, São Paulo retrata o orgulho velado dos que, por ela, perambulam.

Tem dias que eu digo “não”
Inverno no meu coração
Meu mundo está em tua mão
Frio e garoa na escuridão…

Sem São Paulo
O meu dono é a solidão

Da Ponte Pra Cá – Racionais MC’s

Mano Brown e seus comparsas não escreveram sobre São Paulo. Eles a decifraram. A coleção de letras criadas pelos grandes poetas da quebrada são um estudo sobre a real cidade. Não tem a visão de fora (caso de Tom Zé e Caetano Veloso) e nem de cima (como Rita Lee). Mas de dentro dela.

Da Ponte Pra Cá, lançada em 2002, no álbum Nada Como Um Dia Após O Outro, é apenas um dos mapas impressos pelos Racionais MC’s, escrutinando não só suas ruas, mas também seus becos, vielas e passagens secretas.

O Valtinho da Sabin manda um salve aí pro Vandão da Vila do Sapo
E a Kiara do Embu manda um abraço pra a Viviane do Sadí
É, o Papau do Parque manda um salve aí pros manos da 50 né
E a Adriana do Tamoio manda um salve aí pra rapa do Sujeito Suspeito do Paranapanema
E pra você que está pensando em fazer um pião
Pegue seu bombojaco e sua toca, porque faz 10°C em São Paulo

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.