“Minha guitarra é chorona. É isso que cativa”: Mestre da guitarrada, Aldo Sena celebra 40 anos de carreira e cai nas graças dos jovens
Um dos responsáveis por cunhar a autêntica música instrumental brasileira conta sua história e fala sobre Jamevú — primeiro disco de inéditas em 30 anos
Conversar com Mestre Aldo Sena é uma viagem antropológica por um Brasil que todos ouvimos falar, embora a grande maioria tenha pouco, ou nenhum acesso.
Sua fala tem velocidade de barco, lentamente singrando o rio que um dia o levou de Igarapé-Miri/PA, sua terra natal, até Belém do Pará, capital onde viu sua carreira decolar e o transformar, depois de 40 anos, em um ícone da guitarra brasileira.
Falando conosco desde Fortaleza, onde estava para uma temporada de shows, Aldo Sena traz na cara um sorriso cristalizado. Sorriso de jornada. Ele é de um tempo em que viver da música era verdadeiramente cair no mundo. Com a benção da mãe, aos 16 anos, foi para Belém com seu grupo, Os Populares de Igarapé-Miri, para passar duas semanas. Ficou dois anos.
Sua música o trouxe para São Paulo. Veio para uma gravação. A então gigante RGE o pescou, como se fosse um Mapará, com um contrato que durou dez anos. Rodando entre todos os estados brasileiros, “menos Curitiba, porque lá é frio”, me conta.
Até ser pescado novamente, desta vez pelo cantor, produtor (e guitarrista) Saulo Duarte. Fã de Sena, o chamou para um show no Sesc Pompeia, já com proposta indecente e estúdio marcado para aproveitar sua viagem e convencê-lo a gravar seu mais novo disco, Jamevú (ouça no player abaixo), produzido com maestria por Duarte, para aproximar ainda mais o Mestre de seus pupilos.
Lançado em 29 de setembro, pelo selo ybmusic, Jamevú é o oitavo trabalho de estúdio de Aldo Sena, trazendo cinco faixas inéditas — as primeiras em 30 anos.
Até pouco tempo atrás, o valor da guitarrada — gênero musical instrumental que Aldo, junto com Mestre Vieira, ajudou a criar, desenvolver e divulgar — passava despercebido por público e, principalmente, músicos do resto do país.
Com a ajuda de pesquisadores, dos gringos (sempre), dos DJs e de uma garotada altamente antenada, hoje podemos dizer que a guitarrada é reconhecida como um autêntico, único, genuinamente brasileiro, gênero da música instrumental.
Sua história é mágica. Na Amazônia, graças à proximidade geográfica, as rádios AM recebiam as ondas sonoras caribenhas, e não as grandes estações do resto do Brasil. Isso fez com que toda uma geração de músicos se educasse à parte, longe da jovem guarda e da bossa nova.
“O acesso era pouco. Até ter um rádio era difícil. Para ouvir música ao vivo, era uma distância medonha”, conta.
O nosso acesso a este diamante veio por causa das novas gerações. Eu conheci Aldo Sena através dos Figueroas, duo sensacional formado por Givly Simons e Dinho Zampier. Em seu disco de 2015, Lambada Quente, lançado pelo selo Laja Records/Deck, eles homenageavam o Mestre, que é dono de hits como Lambada Complicada, Lambada do Rei e Lambada Classe A.
“Aldo Sena é um dos mais brilhantes e originais instrumentistas do Brasil. Na lambada, foi revolucionário ao inserir sua linguagem própria, tanto de tocar guitarra quanto de suas composições. Direto, pop, com influências naturalmente amazônicas e também dos guitarristas da jovem guarda, cria canções melódicas, muitas delas automaticamente convertidas em clássicos do gênero”, contou Givly Simons ao Music Non Stop.
“Musicalmente, pra mim, é uma das maiores influências que tenho, e foi fundamental para moldarmos o som do Figueroas. Tive a felicidade de conhece-lo pessoalmente, em Fortaleza, e inclusive compus mais uma música em sua homenagem, que espero apresentar e gravar com ele muito em breve!”
Sena tem sentido na pele corada o reconhecimento aos seus serviços prestados à música brasileira. Tem a gratidão como vírgula, enquanto conta sua história. Te convido a viajar com o Mestre:
Jota Wagner: Como você vê, hoje em dia, a atenção dessa molecada toda, inclusive de fora do Pará, com a guitarrada?
Aldo Sena: Eu vejo com muito carinho. Por onde eu tenho passado, estou sempre acompanhando aqueles guitarristas, cada um tocando do seu jeito, com uma forma diferente de tocar. Isso é bom, engrandece a nossa música paraense. Eu fico muito grato por por estar aqui até hoje. São 40 anos de estrada, comecei em 83.
Como eram as as festas que o senhor tocava lá em Igarapé-Miri, no começo?
Meu município era voltado à economia do açaí — sempre foi —, e da madeira, que hoje, não tem mais. Então, existiam as as festividades locais, do interior. Era onde a gente tinha esse acesso para chegar com a música ao vivo, né?
Eu comecei solando numa banda chamada Os Populares de Igarapé-Miri. Foi lá que eu gravei a primeira música, que se chama Lambada do Tibúrcio. Até hoje é tocada…
Era uma baita banda, né? Tinha acho que oito integrantes…
Eram 8 pessoas, todas morando em Igarapé-Miri. Eles tocavam em Belém e me chamaram pra tocar lá com eles. Nesse período, eu tinha uns 16, 17 anos. “Tenho que falar com minha mãe eu pai…”
Minha mãe licenciou, e eu fui para tocar em uma boate famosa da capital pra fazer essa música autêntica, que vem lá do interior. Eu nunca copiei ninguém. Comecei a tocar lá para ficar 15 dias, e acabei ficando dois anos!
E o que o senhor ouvia, que o influenciou a a inventar um estilo?
Minha maior influência, antes do finado Vieira, era a rádio.
Nessa época, só quem era rico tinha rádio. Aos dez anos de idade, nos anos 60, eu ouvia as músicas caribenhas, que tocavam muito merengue. E naquele tempo, a maioria delas, 80%, era instrumental. Eu me baseei nesse tema vindo da Guiana Francesa, do Caribe…
Quando comecei a tocar o violão, fui logo buscando minhas composições, mas, para chegar no profissional, a maior referencia foi o Mestre Vieira, que havia lançado o [álbum] Lambada das Quebradas.
Já no ano seguinte, nós lançamos o disco dos Populares, que tinha a Lambada do Tibúrcio. Foi um grande sucesso de vendas. Depois, eu segui em carreira solo. O dono da Fermata, um selo das antigas, me chamou e perguntou se eu tinha música. Eu respondi: “rapaz, eu tenho o suficiente. Vivo compondo”.
Então ele lançou meu primeiro álbum solo, o Ripa na Chulipa – Aldo e Seu Conjunto. Fui uma baita experiência. O disco foi gravado em dois canais. Tinha que gravar todos os instrumentos da estrutura. Era tudo muito pobre na época.
Então, fiquei conhecido diante de outros artistas. Comecei a fazer arranjo e gravar vários músicos de renome, como Adelino Nascimento, Simone, Amilton Ramos… Uma dezena de cantores paraenses. Cheguei até a vir para São Paulo, para gravar com o Osvaldo Bezerra, que era o Rei do Brega, na época dos boleros…
Quando cheguei me perguntaram na gravadora RGE se eu tinha música suficiente para gravar um disco. Novamente, disse que tinha. Ali foi lançado o primeiro grande sucesso de Aldo Sena, a Lambada Complicada [1983]. Foi um estouro total. No tempo do vinil, foi outro grande sucesso de venda. Tão grande que a gravadora me botou para ficar dez dias em cada estado do Brasil. Só não fui para Curitiba porque lá é gelado.
Eu estou muito feliz por receber até hoje tantos admiradores que me acompanham pela redes sociais,. Agora estou em Fortaleza, desde o início de setembro. Todo final de semana, tem shows à noite.
Fiz um show em um bairro aqui, chamado Itaitinga, que foi uma lotação medonha. Um carinho enorme. Não tem dinheiro que pague esse carinho que eu tenho recebido.
Olhando do palco para o público, como é a idade da galera que está indo nos seus shows?
Atravessa gerações, isso que é o mais importante você olhar. Em lugares diferentes, sempre tem aquele jovem que vai para bater foto, que curte os temas… Tem muito músico que vai também, para me dedicar seu carinho, seu respeito. Músicos do rock, do reggae, do forró pé de serra… Tenho muita gratidão por tudo isso.
O senhor é muito admirado entre os guitarristas. Como é que foi seu seu começo com a guitarra? Chegou a estudar para tocar?
Mestre, eu já nasci com a música na veia, né? Meu pai tocava bateria. Só que na época era aquela bateria manual, feita com couro de de animais. Pele de onça, de tracajá… Ele ensaiava na sexta-feira pra tocar no sábado. E eu já chegava, aparecia só a cabecinha por detrás da bateria, mas já dava meus primeiros passos na música. Depois ele parou de tocar, mas eu segui treinando.
O meu primeiro convite foi para tocar como baterista. Fiz uma duas festas assim. Logo em seguida, minha mãe me botou para trabalhar em estaleiro. Foi onde eu consegui uma quantia para comprar um violão da Gianni, com muita dificuldade.
Eu não tive professor. Fui buscando ritmo e botando na minha música. Ela não é só tema. É levada, é o ritmo o que cativa as pessoas. Quando Vieira lançou o disco [Lambada das Quebradas], eu aprendi a tocar todas as suas músicas. Depois, fui buscando minhas composições e vivo disso até hoje. Agradeço a Deus por me dar essa essa inspiração para compor.
Fui compondo até chegar o convite para gravar em uma gravadora grande, a RGE. Fiquei dez anos ali.
Esse disco novo, Jamevú, é de músicas inéditas. São composições recentes?
Esse disco aí tem uma história. Eu conheci o Saulo Duarte, grande profissional, grande cantor, que também que toca a guitarrada. Nos conhecemos aqui, no Ceará, em 2018, e ficamos amigos. No ano passado, ele me chamou para um show lá no Sesc Pompeia, em São Paulo.
Depois do show, ele me perguntou: “Mestre, você tem música pra gravar? Mas tem uma condição, você fica aqui [no meu estúdio] para aproveitar”. Gravamos tudo em uma semana, e a produção musical foi dele. O Saulo botou até o título!
Essas músicas ficaram lá desde o ano passado e ele ficou trabalhando na parte de mixagem, botou os metais pelo meio e já subiu para para os canais digitais.
O que o senhor achou da produção do Saulo?
Ele é uma pessoa excelente, mestre! Ele é um pesquisador de timbre, de guitarra. Além de ser um bom músico, um bom cantor, ele produz muito bem. Eu achei muito interessante, ele botou uma coisa bem moderna e me perguntou se eu estava de acordo. Estou extremamente emocionado com o trabalho.
Como o meio ambiente, a floresta, entra na sua música?
A minha música vem de uma cultura ribeirinha. Eu morei na beira do rio na adolescência e tinha muito pouco acesso. Era difícil até ter um rádio. Era uma distância medonha para poder escutar música ao vivo. O meu jeito de tocar é de uma guitarra chorona. E é isso que cativa as pessoas.