Pela primeira vez, o mundo via um garoto tão grande na guitarra, que banda alguma conseguia suportá-lo
No dia 20 de fevereiro de 1959, Carmen Goudy viu seu namorado cabisbaixo em um beco, atrás da sinagoga Hirsch Sinai, em Seattle. Em seu porão, uma banda de jovens moradores das redondezas voltava ao palco para a segunda parte de seu primeiro show.
O garoto, de 16 anos, parecia querer chorar. Quando Carmen perguntou o que havia conhecido, James Marshall Hendrix (ou Jimi, para os íntimos), respondeu: “fui demitido da minha banda”.
Hendrix não sabia, mas demissões em meio a shows e turnês se tornariam bastante comuns em sua carreira, na fase em que tentaria ganhar a vida como músico de apoio em grupos de soul e R&B (antes, portanto de mergulhar de cabeça no rock psicodélico). Foi assim com Otis Redding, com Solomon Burke e mais uma série de artistas pioneiros na música negra estadunidense.
Jimi Hendrix era inquieto, pirotécnico e assumia, no palco, a condição de um demônio querendo escapar de um corpo humano em que parasitava. Quando começava a fazer suas estripulias, arrancando da guitarra sons que ninguém jamais havia imaginado possíveis em um instrumento de seis cordas, o líder da banda olhava para traz e simplesmente avisava: “fora!”.
Os pés na bunda rolaram até 1966, quando Jimi virou a chave em sua carreira. Montou a Jimi Hendrix Experience, deu um pulo na Inglaterra, onde foi louvado como um deus negro da música, assumiu a liderança de sua banda e pôde, no palco e fora dele, fazer o que lhe desse na telha, elevando a guitarra ao nível de totem sobrenatural.
O triste é que, em 1970, apenas quatro anos depois de finalmente conseguir reconhecimento e dinheiro com a música, paramédicos o encontraram morto em Londres.
Fazendo a própria guitarra
Jimi Hendrix era tão fissurado por guitarras que, ainda pobre e vivendo entre a casa do pai alcoólatra e de parentes (para quando era enviado quando as condições de higiene do lar paterno ficavam insustentáveis), desmontou um aparelho de som estéreo e tentou eletrificar o violão velho que tinha.
Não deu certo, mas a família, tocada pelas tentativas do adolescente, obrigou o pai a comprar, a prestações, uma guitarra Supro Ozark branca. Hendrix ficou nas nuvens. “Foi provavelmente o dia mais feliz da vida dele”, contou Carmen a Charles R. Cross na biografia Jimi Hendrix – Uma Sala Cheia De Espelhos (Ed. Seoman).
Jimi rodava com a guitarra pelo bairro, em uma sacola (pois não tinha dinheiro para comprar uma capa). Tocava em jams com os garotos do bairro, e aos poucos ia conhecendo todo mundo. Na época, não fumava e nem bebia, mas com seu instrumento nas mãos, era o moleque mais louco da cidade.
À frente do seu tempo
A forma como ele se transformava nos palcos, não cabendo em si, talvez representasse tristemente o fato de que o guitarrista, em algum recôndito de sua alma, sabia que sua carreira seria extremamente breve. Precisava mostrar em poucos minutos toda a existência que jamais teria.
O que, para ele, como músico de apoio, era um problema. A cena da música negra demandava disciplina rígida. Ternos arrumados e músicos tocando exatamente como mandava o band leader. Os solos deviam ser comedidos e abrir espaço para a volta do vocalista no momento exato em que foi ensaiada.
Longe, muito longe do que o astro podia.
Foi o que aconteceu em sua primeira apresentação. O grupo ainda não tinha nome. Mais tarde, no mesmo ano, Hendrix integraria sua primeira banda “de verdade”, chamada The Velvetones. Mas ali em 1959, no porão da sinagoga, ainda não havia tempo para tamanho zelo com a marca.
O futuro grão mestre da guitarra irritou tanto seus colegas de banda que, logo após o fim do primeiro ato, foi avisado: “você não volta para a segunda parte do show”.
Certamente, sete anos depois, os mesmos garotos ouviam, embasbacados, o primeiro disco da Jimi Hendrix Experience — Are You Experienced —, que trazia hits como Hey Joe, música que se tornaria marca em sua carreira. Olhando uns para os outros, devem ter dito: “é… ele não era para a nossa banda, mesmo!”.