Núcleo responsável pelo Gop Tun Festival já “desenterrou” lugares escondidos na memória dos paulistanos, como o Playcenter e o Canindé
Os organizadores do Gop Tun Festival são tomados por um delicioso fetiche. O de sacudir a poeira (e o mato) de lugares esquecidos da cidade de São Paulo, em especial aqueles que, um dia, viveram eras de ouro. Formada por exploradores urbanos, a Gop Tun já revitalizou parques temáticos e bombados clubes sociais dos anos 50, dando aquela devida injeção de ânimo a espaços que precisavam de carinho e atenção.
A função envolve desde “cinquenta dias de capinagem só para ver como era o espaço”, como nos contou Caio Taborda, um dos membros da turma, até longos processos de convencimento envolvendo inclusive os vizinhos. Mas com tantos lugares modernos e estruturados disponíveis na cidade de São Paulo, por que arrumar problema na cabeça, levantando um evento onde há tempos não recebe viva alma, gerando mais custos, mais tempo de produção e mais desafios de última hora?
Porque é preciso.
Espaços são vivos. Trazem em seus corredores milhares de histórias. E, vivos que são, se animam e te abraçam quando, depois de tanto tempo, voltam a receber visitas. São como vovós, que abrem aquele sorriso gigante quando recebem um monte de netos, entulhados de energia.
Me lembro da sensação que tive (geração X gritando) ao entrar no espaço onde antigamente funcionava o Playcenter para a edição brasileira do festival europeu Dekmantel. Me atentava a cada detalhe, como o trilho onde passava o trenzinho que cruzava o parque, as pequenas e curvilíneas ruas de pedra, os pátios que abrigavam, em vez de brinquedos e lojas de comida, tendas com música, DJs e gente dançando.
Público de festival ama lugar diferente. E a labiríntica São Paulo guarda surpresas em suas salas, corredores e átrios. Em constante movimento, graças aos caprichos da história e do voraz fluxo econômico, alguns desses espaços e regiões vão se enchendo de luz, enquanto outros acabam largados à poeira, ao esquecimento e ao triste rótulo de inúteis.
Boas festas vivem do resgate desses ambientes. São, além da música, um culto ao charme, à arquitetura e aos alicerces de uma cidade. Por isso, o impacto econômico do setor festeiro é tão importante — o que precisa ficar claro para a sociedade como um todo. Núcleos como a Gop Tun revitalizam as regiões, ruas e galpões que clamavam por atenção.
Marcado para 20 de abril, o terceiro Gop Tun Festival acontecerá pela segunda vez no antigo complexo de piscinas do Canindé, clube anexo ao estádio da lendária Portuguesa de Desportos, um dos times de futebol que moldaram o esporte na cidade de São Paulo e que, em áureos tempos, deu trabalho às maiores equipes do Brasil.
Em 1920, vários times amadores ligados aos imigrantes portugueses se associaram para montar um clube unido, ganhando força para disputar campeonatos. Mas foi só em 1972 que o estádio da Lusa, como é carinhosamente chamada, foi inaugurado. Junto com ele, um clube de recreação para os simpatizantes da instituição trazia salões de festa, piscinas e quadras. A partir da década de 90, a Portuguesa começa a ter dificuldades na manutenção do espaço, resultando no aterramento do sonho de dar, aos moradores do bairro do Canindé, um lugar para aproveitar a vida e socializar.
Como reviver um lugar construído com tanta paixão e história? Bora deixar o povo fazer festa. E a Gop Tun foi a primeira a conhecer e montar, ali, um festival de música eletrônica caprichado.
O núcleo já tinha experiência e fama no assunto. Foram eles que convenceram a administração do Jockey Club, clássico ponto de encontro da facção mais endinheirada da cidade desde o século XIX, a voltar a abrir seu charmoso recinto para eventos culturais. Depois de abrigar festivais de ponta como o Free Jazz Festival e o Vivo Open Air, problemas relacionados principalmente a chuvas fizeram com que o pessoal da diretoria pegasse certo bode. Coube à Gop o árduo trabalho de convencê-los de que eventos bem feitos eram um ótimo negócio. Devolveram a São Paulo mais este espaço.
Para trazer ao Brasil o festival holandês Dekmantel, o trabalho para reavivar o antigo Playcenter foi ainda mais hercúleo. Demandou uma limpeza gigantesca, de 50 dias, só para poder enxergar onde ficavam suas áreas pavimentadas e recuperar o paisagismo. Enquanto isso, Taborda e seus sócios se meteram na missão de conversar com dezenas de vizinhos que haviam entrado com uma ação coletiva pedindo a proibição de eventos no local, antes de colar na prefeitura e conseguir a autorização.
“Sempre tivemos que convencer as pessoas de que era possível fazer um evento bonito sem danificar o espaço”, conta. Fácil de acreditar. As primeiras festas do grupo, ainda pequenas, foram em uma estufa de plantas na Vila Madalena! Nem espaços como o Centro da Cultura Judaica, na rua Oscar Freire, escaparam do poder dos caras.
Mas é alinhando chacras de energia festiva, no entanto, que a Gop Tun faz a boa. Um lugar que, em algum momento da história, foi um raio luminoso, não precisa estar em ruínas para precisar de resgate. Muitas vezes, o esquecimento da população o apaga pela tristeza da falta de reconhecimento de sua importância e valor.
Foi o caso do lendário Club Homs, na Avenida Paulista, outra locação usada pelo núcleo para uma de suas edições mais especiais, com direito a Four Tet no palco. Há mais de cem anos, imigrantes sírios (vindos da cidade de Homs) fundaram um espaço onde pudessem jogar gamão e dominó. Provando que, em matéria de miscigenação, São Paulo dá aulas, o clube — a exemplo do Palmeiras — abriu seu espaço para os bailes do movimento black da cidade. Pelo garboso salão do club, casais arrasavam com seus passos de dança nos lendários Bailes de Nostalgia.
Desbravadores urbanos, como o pessoal da Gop, seguem prestando um tremendo serviço aos grandes centros. Dança, música, cultura, arte, grana e empregos voltam a se reunir em espaços para onde a população evitava olhar. O festival deste sábado, no Canindé, será mais uma iniciativa neste rumo. E por aqui, nós nos deixamos levar, felizes da vida, para mais lugares desconhecidos, esquecidos, históricos e, muitas vezes, icônicos.
Gop Tun Festival
Marcado para este sábado, 20, no Live Stage Canindé, o terceiro Gop Tun Festival traz expoentes da house e do techno mundial, como Octave One, Helena Hauff, Octo Octa & Eris Drew, CEM, MCMLXXV, Gigola e Marie Davidson, além de brasileiros que têm feito bonito no país, como Crazed (BR), Kontronatura, FELIX, Capetini, Ananda e Peroni. Ainda há ingressos disponíveis pela Ingresse.
Idealizado por Bruno Protti, Caio Taborda, Fernando Nascii e Gui Scott, o Gop Tun é um coletivo e selo musical fundado em 2012 com o objetivo de criar e difundir espaços para a música eletrônica, sempre de olho nas novas tendências musicais e diversificando os espaços a fim de encontrar “a melhor pista”.
Conhecido pela curadoria musical em suas festas, produziu alguns dos maiores eventos da cena eletrônica nacional, como o Dekmantel Festival São Paulo, e showcases do selo, que já passaram por Lisboa e Berlim. Saiba mais sobre a trajetória do grupo aqui!
Serviço
Gop Tun Festival 2024
Data: 20 de abril de 2024 (sábado)
Horário: das 15h às 08h
Local: Live Stage Canindé – Rua Comendador Nestor Pereira, 33, São Paulo/SP
Ingressos: via Ingresse
Mais informações no site oficial
Atrações
Main Stage – 15h até as 08h
15h – Mary Roman
17h – Paulete Lindacelva
19h – Bárbara Boeing
21h – Gop Tun DJs
23h – Octave One (live)
00h30 – Octo Octa & Eris Drew
03h – Roza Terenzi B2B ISAbella
05h30 – Palms Trax
08h – Fim
Palco Supernova – 17h até as 08h
17h – Peroni
19h – Capetini
21h – Ananda
23h – Cashu
01h – Helena Hauff
03h – Surgeon
05h – Herrensauna (CEM & MCMLXXXV)
08h – Fim
Danceteria – 16h até as 08h
16h – Gustavo Keno B2B Lucian Fernandes
18h30 – Kauan Marco (live)
20h – Carlim
22h – Kornél Kovács
00h30 – Larissa Jennings B2B Bea Ferretti
02h30 – Tornado Wallace
05h – Craig Ouar B2B Simon
08h – Fim
Palco Não Existe – 17h até as 06h
17h – Benjamim Sallum
19h – FELIX
20h30 – L’Homme Statue
21h30 – DJ Marcelle
23h30 – Marie Davidson (live)
00h30 – CRAZED (BR)
02h – Kontronatura
03h30 – DJ Gigola
06h – Fim