A história da gravadora recifense Rozenblit, responsável por exportar a música pernambucana para o mundo.
Fora do eixo sul e sudeste, surge a fábrica e gravadora Rozenblit, localizada no Recife, Pernambuco. Ela foi uma indústria de LPs brasileira que surgiu em junho de 1954 e foi considerada a maior produtora de discos em vinil no país entre os anos 50 e 60. Além de ter resgatado do esquecimento o frevo, transformando-o em produto de massa.
Foi na década de 50 que José Rozenblit, um pernambucano de ascendência judaica e fã de frevo (Rozenblit significa “rosa de sangue” em um dialeto da Romênia), nascido em 1927 no Recife, entrou no comércio de discos depois de uma viagem aos Estados Unidos. Ele escutou um 78 rpm (rotação por minuto) na casa de um amigo que por acaso conhecia Mr.Siegel, dono da pequena gravadora Mercury, cujo selo estava estampado no álbum que Rozenblit gostou. Em conversa com Siegel, foi incentivado a entrar no ramo do disco. Incentivo acertado. Dois anos mais tarde, ele, José Rozenblit estaria distribuindo no Brasil o catálogo da Mercury. Rozenblit trouxe da viagem dois mil dólares em álbuns, e passou a vendê-los, a princípio, na loja do pai, na rua da Palma, no centro da capital. Em pouco tempo começaria a importá-los regularmente, até que decidiu abrir uma moderníssima loja na rua da Aurora, que recebeu o nome de Lojas do Bom Gosto. Dali a três anos, José, fundaria associado com dois irmãos, a Fábrica de Disco Rozenblit, onde foi fornecedora de discos (22% mercado nacional e 50% do regional). A estrutura abrigava dependências que serviam adequadamente ao processo de produção de discos, desde a gravação até a comercialização. Possuía um estúdio que comportava uma orquestra sinfônica e um moderno parque gráfico. Paralelamente a fabricação do vinil, José Rozenblit manteve vários selos (gravadoras), sendo o principal, o selo Mocambo. A criação da fábrica quebrou o sistema de dependência de uma indústria estrangeira.
De 1954 a 1968, a Rozenblit foi uma das mais atuantes gravadoras do país, certamente a mais importante de capital exclusivamente nacional, com filiais no Rio de Janeiro (dirigida por José Araújo, da Som Livre; Cazuza, filho de Araújo), São Paulo (Roberto Corte Real) e Rio Grande do Sul (Walter Silva). Foi também o maior centro de formação, discográfico fora do centro sul do país e de extrema importância para a história da música brasileira.
Começando por lançar discos regionais, principalmente de frevo, a Rozenblit foi se expandido, a ponto de ser tornar pioneira em vários setores da indústria fonográfica: foi quem primeiro, por exemplo, investiu em trilhas de novelas Nino, o Italianinho – teria sido João Araújo, segundo José Rozenblit, quem convenceu Walter Clark, o então poderoso chefão da Rede Globo, a lançar os LPs novelescos que fizeram a fortuna da Som Livre. Tem a marca da gravadora recifense o primeiro LP de festival MPB – álbum com as finalistas do 1 festival da música popular brasileira, promovido pela TV Excelsior em 1966.
A gravadora Rozenblit foi fundamental para memória da música brasileira, não apenas por ter contado no seu cast com os bossanovistas Lúcio Alves e Os Cariocas, entre outros; o mérito da Rozenblit foi olhar para seu próprio quintal e descobrir a riqueza musical que ali havia, praticamente inexplorada. A gravadora tornou o frevo um produto comercial, de massa, vendável; registrou pela primeira vez comercialmente maracatus, cirandas, pastoris, cocos, alguns desses gêneros tendo à extinção, outros conservados apenas da tradição oral do povo, que, com certeza, não demoraria a esquecê-los.
A fábrica de discos também foi responsável por muitos sucessos internacionais. Parcerias de gravadoras estrangeiras como Mercury, Barclay, Kapp entre outras, as matrizes de discos estrangeiros eram compradas, prensadas e embaladas e, dessa forma, a Rozenblit lançou no Brasil artistas como Steve Wonder, Diana Ross, Luis Armstrong e outros.
Mas o grande trunfo da Rozenblit foi mesmo proporcionar o resgate do frevo. Um dos mais contagiantes ritmos populares urbanos do país, o frevo tinha até então um história fonográfica paupérrima em relação à volumosa produção dos compositores pernambucano, a grande maioria de desconhecidos no restante do país: Zumba, Leviano Ferreira, Valdemar Oliveira, Clídio Nigro, José Menezes e outros… Estes e mais dezenas de grandes criadores de frevos de rua, de bloco, canção, teriam morrido deixando uma belíssima obra inédita e quem dificilmente seria recuperada, a não ser por uns poucos gatos pingados, pesquisadores, aficionados, etc. Foi a Rozenblit quem forneceu meios para tirar esta música do limbo a quem estava condenada, em LP antológicos como O Bom do Carnaval, Recife Capital do Frevo, e pelo menos mais duas dezenas de outros.
De acordo com o jornalista recifense José Teles, José Rozenblit contou que a ideia de fundar um selo para gravar música pernambucana, principalmente frevos, surgiu quando ele passou a ser um dos dezesseis lojistas que negociavam com discos no Recife. “A forma como o frevo era usado pela indústria fonográfica o deixava incomodado, ou melhor, ferido no seu orgulho arraigado de pernambucano, cujas raízes vêm de um sentimento de regionalismo, que teve entre seus principais defensores e teóricos o sociólogo Gilberto Freyre. Um regionalismo que se refletiu no direcionamento que a gravadora tomou, priorizando a música pernambucana.”, comenta José Teles.
Com o apoio da gravadora Rozenblit, o frevo passou a ser mais consumido em sua própria terra, e seus autores não precisavam mais participar dos tais concursos e enviar suas músicas para cariocas gravarem. Discos de frevo memoráveis foram produzidos na Rozenblit, com boa resposta comercial, alguns inclusive com grandes tiragens, a exemplo dos LPs em que Claudionor Germano interpretava Capiba e Nelson Ferreira. Abriu-se assim um mercado para compositores, músicos, maestros, dando uma revigorada no frevo, que alcançou seu período de apogeu, entre meados dos anos 50 e 60.
Infelizmente uma crise financeira desencadeada por concorrentes estrangeiros e, principalmente, as enchentes do Recife que invadiram seu parque industrial todas as vezes, fizeram com que a gravadora fechasse as portas em meados da década de 80. Numa entrevista de 1989, o maestro Duda afirmou: “Depois que a Rozenblit acabou, a gente só ouve frevo novo quando algum músico de porte, como, por exemplo, Alceu Valença, grava em seu disco.
Caso queira saber mais sobre a gravadora Rozenblit, aí vão duas dicas: a produtora cultural, recifense, Melina Hickson elaborou um documentário sobre a gravadora Rozenblit “Rosa de Sangue”, pela sua produtora Fina Produção. E por fim, há quem tenha interesse, a gravadora está fazendo um resgate digital do seu acervo em seu canal do YouTube.