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Opinião: Alerta vermelho no mundo dos festivais — quando a bolha começa a estourar

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Foto: Observadordaimagem/Music Non Stop

No início de 2024, associações de classe projetavam um faturamento recorde na indústria dos eventos. Mas parece que a bolha está estourando antes do previsto

Estrelas como Ludmilla e Ivete Sangalo estão cancelando suas turnês. Diretores de festival, dos pequenos aos gigantescos, têm sido unanimes ao reclamar que está cada vez mais difícil vender ingresso. Os custos de logística e produção foram às alturas depois da pandemia. O alerta vermelho para os produtores de festivais e shows de música acendeu antes do previsto.

Segundo dados da ABRAPE, eventos de entretenimento e esportivos faturaram 54 bilhões de reais em 2023. Dez a mais do que no ano anterior, de retomada depois de uma pandemia que deixou todo mundo trancado em casa, e os profissionais do meio sem trabalho.

O mortal (antes da vacina) vírus da covid-19 foi o responsável por distorções neste mercado. Depois de dois anos sem botar o pé em uma pista de dança ou em show, vendo a morte de perto entre familiares, vizinhos e na TV, o povo saiu dessa com uma vontade desesperada de celebrar sua sobrevivência. O público explodiu e quem trabalha com isso surfou na onda.

Um outro movimento também tomou conta das arenas e pistas de dança: o de tirar o atraso. Recuperar o prejuízo perdido em dois anos. Produtores aumentaram o número de eventos anuais para absorver o publico. A demanda fez os custos aumentarem de 40% a 50%. Aluguéis de espaços, equipamentos e mão de obra. Esta inflação se refletiu para o consumidor, de duas formas.

Os ingressos aumentaram e os produtores precisaram planejar eventos em que coubesse mais gente, para equilibrar as contas. Todo mundo foi “obrigado” a crescer.

O resultado foi percebido com clareza, principalmente em 2023. Dezenas de eventos sobrepostos no mesmo final de semana, competindo pelo público. Os ingressos foram às alturas. Monique Gardenberg, diretora do C6 Fest, contou ao Music Non Stop: “está rolando uma saturação. Quando topamos fazer o C6 [em 2023], não conseguíamos encontrar uma data que não batasse com outro festival. É loucura”.

O problema é que, ainda que haja público suficiente para lotar os milhares de festivais, turnês de gringos e shows brasileiros que estão rolando no Brasil, a capacidade financeira se esgotou. Muita gente ainda está pagando a farra de 2023, e tendo que escolher muito bem, em 2024, qual ingresso (caro) vai pagar para se divertir — o que adiantou o esperado “estouro da bolha” para antes do previsto.

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Zé Ricardo, diretor artístico de festivais como Rock in Rio, The Town e o Festival de Verão de Salvador, anteviu este movimento em janeiro de 2024, quando falou com a gente sobre o assunto: “o boom da vontade do público de sair de casa, de se encontrar, foi maravilhoso. A economia deu uma subida e as pessoas estão otimistas, comprando seus ingressos no cartão de crédito. Parcelando-os. Essas prestações logo vão se encontrar. Quando isso acontecer, as pessoas não vão poder mais ir a seis ou dez festivais. Então, elas vão escolher os que proporcionarem a melhor experiência, a coisa mais única”.

O desequilíbrio coloca as produtoras numa tremenda frigideira. Principalmente as de festivais de pequeno e médio porte. Afinal, para tomar conta da fatura de cartão de crédito dos festeiros brasileiros, as grandes produtoras já saem com larga vantagem, com dinheiro e prestígio para trazer grandes atrações internacionais e conseguir os maiores patrocínios. “Está rolando uma dificuldade que é econômica também, dos festivais predatórios, com ingressos que valem um mês de aluguel”, denuncia Laura Diaz, da Mamba Negra.

Os defensores do mercado dirão que se trata apenas de uma volta ao equilíbrio natural das coisas. “Bolha” é o termo utilizado justamente para este movimento, em que as coisas inflam demais gerando uma falsa noção de tamanho, e acabam estourando, deixando prejuízo para um monte de gente que, a princípio, nem deveria estar ganhando tanto dinheiro. Apontarão, também, que o movimento predatório é natural neste lindo e justo mundo do capitalismo meritocrático.

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Mas nós não somos bicho. Somos gente, nem um pouco afeita ao canibalismo. O povo precisa dos pequenos e médios festivais, capazes de propor tendências e experimentações culturais ao público. Corremos o risco de testemunhar uma “oxxorização” da cultura, em que os grandes engolirão os pequenos e, no final, tudo ficará igual, homogênio e paupérrimo em diversidade.

A salvação está na mão dos ministérios e secretarias de cultura. É seu dever proteger o pequeno, e manter o emprego da galera que não está no fluxo dos megaeventos.

Como o alerta vermelho acendeu antes do esperado, é bom que corram!

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