Festivais e meio ambiente Foto: Tati Silvestroni/ Music Non Stop

Opinião: Os festivais estão acabando com o meio ambiente?

Jota Wagner
Por Jota Wagner

Divulgar planos de sustentabilidade junto com a programação de artistas virou tendência nos grandes eventos. Será que é suficiente?

Não há como negar. Um evento que paralisa uma grande cidade e reúne milhares de pessoas em um grande espaço, consumindo música, bebida e comida, animado por uma centena de atrações, muitas delas vindas de outros países, é uma bomba para o planeta. Se considerarmos toda a sua cadeia de produção, que envolve voos, deslocamento de equipamento, geração de resíduos, deslocamento de público e volume de decibéis despejado em um ambiente durante vários dias, não há eco copo ou reciclagem de lixo que retorne ao meio ambiente benefícios superiores ao estrago causado.

Ainda assim, é tendência em festivais de grande porte anunciarem, junto com suas atrações musicais, ações de sustentabilidade que vão desde a reciclagem a contrapartidas sociais, como doações de grana e alimentos não utilizados para instituições, ou capacitação da equipe para evitar desperdício.

Estudos, como os publicados pela Universidade Federal de Brasília e pela Brighton University (ambos de 2017), mapeiam o tamanho do impacto que os eventos podem causar ao planeta. Alguns chegam a sugerir muita atenção aos tais planos de sustentabilidade das produtoras, para que a comunidade não corra o risco de cair no conto do greenwashing — termo usado para empresas que implantam meia dúzia de “ações verdes” para ocultar um impacto ambiental negativo muito maior. Entre bem intencionados e preguiçosos, estão todos falando sobre o assunto.

Vivemos, então, o momento em que a solução para o meio ambiente é jogar os festivais na cova — ou melhor, no aterro sanitário? Não é bem por aí. O mundo precisa de cultura e entretenimento, ao mesmo tempo que precisa de um planeta vivo e respirando. As 300 mil pessoas que estiveram no Lollapalooza 2024, caso o festival não existisse, certamente estariam consumindo música em outros eventos menores, como casa de shows e bares. E é aí que brilha a luz da esperança.

Produtoras e artistas que conseguem reter a atenção dessas centenas de milhares de pessoas, têm usado este poder para conclamar a todos para uma atitude transformadora no cuidado com o meio ambiente, já que ainda é impossível rodar um evento deste porte e não deixar pegadas. Saem na frente, portanto, em um movimento de conscientização que envolve todo o setor.

A preocupação com a sustentabilidade em festivais de música começou na década de 70, ganhou força na virada do milênio e agora é tema obrigatório em qualquer evento de médio e grande porte, uma vez que a própria mamãe natureza já vem soltando as suas chineladas. Prejuízos com temporais, calor extremo ou tormentas elétricas têm parado rolês em todo o mundo, com cada vez mais frequência.

É notório que a grande maioria das responsáveis pelos megaeventos — seja por questões de marketing, compromisso com investidores ou preocupação genuína — está correndo atrás dos “selos verdes”, auditados por empresas especializadas de prestígio mundial. Para ter direito à medalhinha, os festivais precisam apresentar um plano de sustentabilidade, que vai desde o pagamento do carbono utilizado, até a redução de descartáveis nos camarins e utilização de ingredientes nas comidas vendidas nas praças de alimentação.

Uma vez que o plano é aprovado, deve ser colocado em prática e auditado pelas organizações. Para entender melhor como funciona, vale dar uma olhada no projeto apresentado pelo The Town em 2023. A saber, as ações propostas foram foram classificadas no relatório com os status TI (totalmente implementado), PI (parcialmente implementado) e NI (não implementado).

A produtora Rock World, que é dona dos gigantescos Rock in Rio e The Town, exibe cinco certificações diferentes no relatório enviado a acionistas, parceiros e patrocinadores. O Lollapalooza, por sua vez, se gaba em ser um dos festivais mais sustentáveis do mundo. Cuidar de seus quintais, no ramo de eventos, é um caminho que não tem volta. E isso, por menos tempo que tenhamos, é positivo.

Colocar em prática um plano de sustentabilidade que envolve, além do impacto no meio ambiente, o social e o urbano (necessários para obtenção dos selos de certificação) não é barato. Pelo contrário, custa rios de dinheiro. Isso faz com que só seja viável para os grandes do mercado de entretenimento e esportes. Mas são também os que mais poluem. Afinal, quanto custa ao meio ambiente rodar pelo mundo com uma centena de carros de Fórmula 1 (e mais uma multidão de mecânicos e engenheiros) para queimar um mundo de pneus e gasolina em uma corrida de 70 voltas?

Mesmo com os altos custos e a dificuldade em promover tais práticas, no entanto, a boa notícia é que muitos festivais de médio porte no Brasil estão dando, também, a máxima atenção que podem ao assunto. A redução do uso de plásticos descartáveis já é regra. A reciclagem e destinação do lixo produzido, também. Significa que não são apenas os acionistas e instituições certificadoras que estão cobrando as empresas sobre o assunto, mas o público frequentador também.

O DGTL, por exemplo, que reúne cerca de dez mil pessoas por dia anualmente em São Paulo (menos de um décimo dos gigantões), faz da sustentabilidade um tema tão presente que chegou a reduzir em mais de 80% o lixo enviado para aterros. A matriz, em Amsterdã, ganhou o título de primeiro festival 100% circular do mundo. Entende-se por “circular” os processos arquitetados para reutilizar todos os recursos necessários para a realização do evento. Das garrafas de vidro à geração de energia elétrica.

No atual julgamento do apocalipse que testemunhamos dia a dia, outro argumento em defesa dos festivais é justamente a atual equação de impacto versus preocupação ambiental. Não dá para despejar em cima de uma série de eventos culturais, por maiores que sejam, toda a responsabilidade pela degradação absurda ao meio ambiente que hoje nos ameaça. Há mineradoras, siderúrgicas, montadoras de automóveis e governos muito mais eficientes quando o assunto é sugar tudo quanto é recurso natural sem dar absolutamente nada em troca.

Eis a salvaguarda do povo da música, dos shows e de seu público fiel e apaixonado. Aqui, pelo menos, algo está sendo feito, e muito tem se discutido, tornando o setor cultural a ponta de lança do comportamento de meter a mão na massa, além convidar todo seu púbico consumidor para fazer o mesmo, incitando a modificações nos costumes e na forma de pensar nossa relação com o planeta.

Somos doidões, inocentes e visionários? Sim. Produzimos uma cacetada de lixo em cada festival que frequentamos? Sim, também. Mas nós, pelo menos, já admitimos isso, e estamos correndo atrás do prejuízo.

Jota Wagner

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é repórter especial de cultura no Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

× Curta Music Non Stop no Facebook